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Relatoria do Código Florestal será um desafio, diz Jorge Viana

O senador Jorge Viana teve a semana mais agitada – e também mais produtiva – desde o início do seu mandato, em fevereiro. Acostumado à agenda pesada do Executivo, o senador acreano ainda estava tentando se adaptar ao ritmo legislativo. Mas, nos últimos dias, conseguiu reencontrar o seu próprio estilo, animado e intenso, como é da sua natureza.

Na última segunda-feira, ainda em Rio Branco, esteve no lançamento do Programa de Residência Florestal da Ufac, saindo de lá com a firme intenção de ajudar a agrupar os cursos de engenharia numa única Faculdade de Tecnologia. Na terça, já em Brasília, foi escolhido relator do projeto mais importante da atualidade, o Código Florestal, e colaborou para a realização da reunião conjunta de três comissões que votou a lei que atrasa o horário do Acre. Relatou projetos nas comissões de Constituição e Justiça e das Relações Exteriores e participou das votações das medidas provisórias que estavam trancando a pauta do Senado. Na quinta-feira, participou do lançamento do mais ousado programa do governo da presidente Dilma, o Brasil sem Miséria. Antes de embarcar para Santa Catarina, onde participou da primeira diligência da Comissão Temporária de Defesa Civil, da qual é presidente, visitou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para tratar de um assunto de grande interesse para os acreanos, a ponte sobre o Rio Madeira,  na BR-364.

Em meados de março, o senhor declarou que, ao final do dia, sempre se perguntava se tinha realmente feito o seu dever. E, às vezes, o senhor achava que, embora tivesse ficado o dia inteiro ocupado, não tinha servido ao país como queria. O senhor ainda se sente assim?


Jorge Viana
– Esta semana me senti mais útil ao Acre e ao Brasil. Ter participado do lançamento do programa Brasil sem Miséria lançado pela presidente Dilma me enche de esperança de que o Brasil possa curar essa chaga de quase 16 milhões de brasileiros ainda em situação de pobreza extrema. Nos últimos anos, no Acre, conseguimos reduzir fortemente a pobreza. Há uma decisão do governador Tião Viana de fazer do nosso Estado uma referência nessa luta. Eu e o ex-governador Binho Marques estamos trabalhando junto com o economista Ricardo Paes de Barros, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, para montar uma proposta de combate à miséria. Por exemplo, o Governo Federal criou a Bolsa Verde que, somada à política de subsídios dos produtos extrativistas do governo estadual, nos dá uma garantia do sucesso da inclusão social das populações que vivem nas regiões mais distantes. Quero colocar meu mandato a serviço da luta para que possamos realizar o sonho de ter o Acre e o Brasil sem miséria.
Mas, agora, um outro grande desafio do meu mandato é a relatoria do Código Florestal.

A votação do Código na Câmara rachou a base do governo e, de certa forma, é um tema que divide as opiniões no Brasil. Como o senhor imagina que vai ser no Senado?


Jorge Viana
– Já estou trabalhando para tentar unir a base do governo na condução desse tema no Senado. Este é uma questão muito complexa, trata de propriedade, uso da terra, passivo ambiental, estabelecimento de limites e regras para atividades da agropecuária e implica a proteção do meio ambiente para esta e as futuras gerações. O debate da questão foi transformado em bandeira política por alguns dos envolvidos e perdeu-se então a oportunidade para uma discussão serena de um tema igualmente importante para ambientalistas e produtores rurais. Espero que o excesso de acirramento na votação da Câmara não se repita no Senado.  Se isso ocorrer, o Brasil pode sair perdendo.

E o que o senhor já está fazendo sobre isso?


Jorge Viana
– Minha indicação foi feita pelo senador Rodrigo Rollemberg, presidente da Comissão de Meio Ambiente, e, desde então, tenho recebido apoio dos meus colegas do PT e de todos os partidos no Senado. Num primeiro momento meu propósito é unir a base do governo, buscar o entendimento com a Comissão de Agricultura e com o senador Luiz Henrique, que é o outro relator da matéria. Já tive uma boa conversa com o deputado Aldo Rebelo, relator e autor do projeto aprovado na Câmara e com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Estou confiante de que é possível um entendimento.

Qual o prazo para esse trabalho?


Jorge Viana
– Pretendo fazer tudo em conjunto com o senador Rodrigo Rollemberg, presidente da Comissão de Meio Ambiente, e, se possível, com a Comissão de Agricultura. A idéia é que parte das audiências seja conjunta. A primeira será com a ministra do Meio Ambiente; a segunda, com o deputado Aldo Rebelo.  Todos os setores da sociedade precisam ser ouvidos, sempre com base no texto votado por 410 deputados na Câmara. Não tem sentido desconsiderar o que já  é consenso. O projeto tem 69 artigos e cinco a dez pontos mais polêmicos.

Eu sou da terra de Chico Mendes, da Marina Silva, dos ribeirinhos, dos extrativistas, dos colonos e de pecuaristas que, a partir de políticas do nosso governo, buscam dar sustentabilidade a suas atividades.  É respeitando a realidade das diferentes regiões do país e olhando para o exemplo do Acre que eu aposto num entendimento.

Mas o senador não acha que as posições em relação aos pontos polêmicos já estão consolidadas?


Jorge Viana
– Sou um crente convicto no poder do diálogo e um eterno otimista quanto às possibilidades de entendimento. Os ânimos estão se acalmando depois do embate na Câmara e fica mais fácil para ambos os lados ver agora com clareza onde se deram os excessos. Na Câmara, ocorreram duas votações. Uma recebeu 410 votos; a outra, a emenda 164, que é base da polêmica, dividiu os deputados. A diferença entre uma e outra ficou próxima dos 40 votos. Nas primeiras conversas desde que fui indicado relator, não encontrei nenhuma resistência. Até o momento, meus interlocutores tem demonstrado abertura.

Como o senhor pretende contornar as opiniões diametralmente opostas em relação, por exemplo, aos limites de reserva legal e ocupação das APPs?

Jorge Viana – Não tem sentido, por exemplo, não levar em conta a opinião do fórum de ex-ministros dos meio ambiente sobre reserva legal e APPs. A questão ambiental hoje, felizmente, está muito presente na vida de todos nós. Este é um tema que desperta o interesse de crianças e jovens e de boa parte da população do planeta. É quase uma nova ideologia e isso é bom, estamos falando da vida no planeta.
Acredito não ser difícil fazer as pessoas entenderem que, em vez de atrapalhar a atividade produtiva, a floresta é uma vantagem econômica.

Mas, para alguns, o meio ambiente e as florestas no Brasil parecem ser um problema…

Jorge Viana – Ao contrário, como na música, o Brasil é abençoado por Deus e bonito por natureza. Nossa biodiversidade e nossas florestas são vantagens comparativas e uma de nossas maiores riqueza.
O Brasil ainda não começou a explorar economicamente a floresta, que tem as mesmas vantagens comparativas do agronegócio. Temos a maior área de floresta tropical do mundo. Somando os diferentes biomas a gente chega a meio bilhão de hectares de florestas. Mesmo sendo um país com esses números, participamos com apenas 4% do PIB vinculado a florestas no mundo. Vários países  – o Canadá é um bom exemplo – exploram economicamente as florestas e as preservam com o uso de técnicas de manejo modernas e eficazes. A pequena Costa Rica é uma referência de modelo econômico sustentável porque cuida de suas florestas. Outro exemplo é a Finlândia, que tem um território menor que o Acre, uma população de apenas 5 milhões de habitantes, mas cujo PIB florestal é  muitas vezes maior que o do Brasil.

Mas, no debate do Código Florestal o que está prevalecendo não são os temas como uso da terra e agronegócio?

Jorge Viana – Esse é um dos problemas. O Código é florestal, temos que cuidar mais das florestas, mas, sem dúvida, temos também que tirar os produtores e o próprio agronegócio dessa insegurança jurídica. É importante ressaltar que a temática ambiental é importante também para quem cria, planta e produz.

O mundo mudou, os consumidores tornaram-se mais exigentes e querem saber a procedência e a forma como são produzidos os bens que consomem. Isso quer dizer que a partir de agora, e cada vez mais, a produção de bens como soja e milho incluirá um novo insumo, chamado sustentabilidade. Traduzido em miúdos, se a nossa soja, por exemplo, for plantada em áreas de queimadas ou desmatamentos criminosos, o comprador externo pode impor preços menores ou até mesmo rejeitá-la. O mesmo ocorrerá com as carnes brasileiras. A carne de ótima qualidade do Acre, por exemplo, pode sofrer boicote e queda de preço. Quem vai sofrer é o pecuarista.

Nada mais forte que isso para mostrar que o uso racional dos recursos naturais, em vez de atrapalhar, vai ajudar ainda mais a agricultura brasileira. Quem não entender e não fizer esse ajuste vai perder competitividade e sentir a dor depois, no próprio bolso.

Daí a importância do equilíbrio e do cuidado com o meio ambiente, com manutenção de reserva legal e proteção das Áreas de Preservação Permanente.

Qual o desenho que a sua versão do Código Florestal terá?


Jorge Viana – O desenho de um país que com seus 200 milhões de habitantes que entrar definitivamente no século 21 sendo uma potência mundial de produção sustentável de alimentos e uma referência ambiental. Para isso, estou ouvindo todos os interessados. Como eu tenho um problema num ouvido, vou precisar do dobro do tempo ouvindo. Mas o que está claro para mim é que o meio ambiente não pode sair perdendo e os pequenos produtores, que tiram da terra o sustento de suas famílias e de seus pequenos empreendimentos, merecem e um tratamento diferenciado para sair da insegurança jurídica em que vivem por conta de multas e acusações de estarem na irregularidade, muito em decorrência das mudanças da legislação ambiental nos últimos anos.

Com o diálogo e o entendimento vamos conseguir harmonizar a atividade agropecuária à proteção do patrimônio ambiental, que é vulnerável e finito.

Vai ter anistia a desmatadores?


Jorge Viana – Isso seria um erro. Prejudicaria quem sempre trabalhou e trabalha dentro da lei. O entendimento e a nova legislação tem de ser feitos sem anistia a desmatadores e sem que as APPs sejam comprometidas agora e no futuro. O senador Blairo Maggi (PR-MT), por exemplo, reconhece que o agronegócio conseguiu muitas vantagens com a proposta de Código votada pela Câmara. O desafio agora é fazer um ajuste para que o meio ambiente não saia perdendo.

Muitas foram as tentativas de fazer a ponte do Rio Madeira. A última licitação foi cancelada pelo TCU no ano passado. Falou-se que a nova licitação só sairia no ano que vem, mas, esta semana, o senhor falou que pode sair este ano.

Jorge Viana – Eu estive na quinta-feira com o diretor do DNIT, Luís Antonio Pagot. Ele me garantiu que esta licitação antes do final do ano e disse que o projeto inicial da ponte está sendo revisto, o que garante a realização da obra sem os problemas anteriores.

E quais eram estes problemas?

Jorge Viana

Desde então, tenho acompanhado esse processo e cobrado uma solução tendo em vista que a população do Acre não agüenta mais essa situação de décadas. O governador Tião e a presidente Dilma estão concluindo a BR-364 e todas as pontes no Acre e a do Madeira não sai.

E agora sai?

Jorge Viana – Sai. É uma luta antiga, muitos parlamentares de Rondônia e Acre já trabalharam nesse assunto. Agora, todos estamos unidos novamente. O governador Tião Viana está empenhado. Temos que acabar com essa situação de que toda estiagem é a mesma história: rio seco, filas quilométricas de caminhões e ônibus, problemas de abastecimento em Rio Branco, enfim, prejuízo para a economia acreana e sofrimento para as pessoas.

Há poucos dias, o governador Tião Viana e o secretário Edvaldo Magalhães, reuniram-se em Rio Branco com o governador de Ucayale, Jorge Velasquez, para falar de uma obra audaciosa, a ligação ferroviária do Acre com o Peru. É possível isso acontecer?

Jorge Viana – Na verdade, primeiro nós temos que trabalhar para concluir a BR-364 até Cruzeiro do Sul e comemorar muito. É um grande sonho realizado e uma vitória de todo o povo do Acre. Quanto à ferrovia, ela diz respeito a um projeto do nosso governo, que começa no Rio Janeiro e já tem recursos garantidos para chegar até Vilhena, em Rondônia. Nosso sonho é estendê-la até Rio Branco, seguindo paralela à BR-364 até Cruzeiro do Sul, na localidade de Boqueirão da Esperança. De lá, a ferrovia seguiria até o Peru, em Pucalpa.

Como a nossa BR, que começou de trás pra frente, a prioridade nossa é lutar, depois da eleição no Peru, hoje, para que essa ferrovia comece também de Pucalpa até Cruzeiro do Sul. Assim, Cruzeiro do Sul não seria mais o lugar onde o Brasil termina, mas onde começa.

Mas em que estágio se encontra esse projeto?

Jorge Viana – Há algum tempo, eu, o Edvaldo Magalhães e o Tião estamos envolvidos com esse projeto. O Tião me pediu que coordene um encontro que o Acre vai sediar e reunir autoridades do Governo Federal, dos estados de Rondônia e Mato Grosso e autoridades peruanas, além de técnicos do BNDES. Isso deve ocorrer nos próximos meses no Acre e em Brasília. O diretor geral do DNIT assumiu o compromisso de ajudar o Acre nesse projeto.

E por que a opção por uma ferrovia?


Jorge Viana
– Esse é um aspecto importante. No início do século passado, quando esteve no Acre, o escritor Euclides da Cunha já defendia a construção de uma ferrovia que integrasse todo o Estado. Ele chamou essa ferrovia de Transacreana. Ou seja, lá no início do século passado, essa proposta já era apresentada como viável. E hoje os estudos nos mostram que ela continua sendo a mais viável. E por quê?  Porque é um modelo de transporte sustentável, de baixo impacto ambiental e grande capacidade de carga. A construção da Ferrovia Transcontinental a partir de Cruzeiro de Sul reduz custos com a aquisição de insumos, como pedra e cimento, a partir do Peru, que é mais próximo de lá do que de outros estados brasileiros, além de melhorar fortemente a logística do Estado do Acre.

Lutar por essa ferrovia é a prioridade do seu mandato?

Jorge Viana – É, é uma das maiores prioridades, mas é um projeto que só estará totalmente concluído nos próximos 20 ou 30 anos. Não posso deixar de ressaltar que esta semana foi lançado o Brasil sem Miséria pela presidente Dilma. Eu, o Tião e o Aníbal estávamos lá. Essa sim, é a maior prioridade que todos nós devemos ter para livrar definitivamente o Brasil dessa chaga e dar esse presente ao presidente Lula, que deu a partida na luta contra a fome.

– Em março, ajudei a organizar uma reunião onde nós, senadores do Acre, e os três de Rondônia, nos reunimos com o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, e o diretor do DNIT para tratar da realização imediata dessa obra. O diretor do DNIT reconheceu que o projeto inicial tinha graves problemas. No projeto básico da ponte, seriam necessários mais 200 metros de extensão e outros 20 de altura. Por conta disso, houve questionamento do TCU e da Marinha e a licitação foi suspensa.

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