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O elo perdido

O Estado democrático de direito tem fundamento em alguns princípios básicos. Um deles nos leva a observar que, numa relação eminentemente social entre dois sujeitos civis, ambos agem segundo preceitos de civilidade e humanidade que, em resumo, implicam em direitos e deveres a serem observados de uma e de outra parte. Assim, eu serei justo para com o meu vizinho e dele receberei tratamento idêntico, até porque nos dizemos civilizados e vivemos tempos de relativa paz.

Entretanto, se a minha intenção é agir em prejuízo dos demais, não deverei ficar surpreso se a recíproca for verdadeira. Se a minha vida é um jogo de cartas marcadas, se os meus coringas manipulados estiverem no bolso, devo esperar que, a qualquer momento, o meu parceiro retire um ás de ouro da manga do seu paletó encardido e me leve a parte ou o todo do patrimônio amealhado sem nenhum esforço.

No caso das instituições, então, devem-se observar pontos de vista idênticos. Uma entidade de direito público agirá de forma a conduzir-se sempre em benefício da comunidade, salvo as disposições em contrário, é lógico. Os cartórios, por exemplo, têm como objeto de trabalho atender, prioritariamente, as demandas que partem do público. Excetuam-se, aí, os casos em que indivíduos venham por ventura a agir de má fé. Nesta possibilidade, a agência especializada em documentar a população fará o seu trabalho a contento se refrear ímpetos pessoais que possam, por acaso, denegrir a imagem institucional carregada pela vida afora com tanto zelo e empenho coletivos. Aos justos e dignos, a lei; aos crápulas e imorais, os rigores da lei.

A qualidade do trabalho das universidades, hoje, é mensurada por índices que nem sempre são tão justos; mas enfiados, goela abaixo, pelo Ministério da Educação. Todavia, é preciso levar em conta que, na falta de uma outra forma de avaliação, o modelo atual supre carências antigas tão bem demonstradas por velhos catedráticos que já se sentiam o supra sumo do conhecimento quando  –  público e notório  –  seria melhor ter consciência de que este conhecimento não era eficientemente transmitido aos seus alunos. Do alto de um pedestal desprezível, consciências do tipo iluminadas apregoam ser melhores que uns tantos pares, quando, na verdade, não o são. Se o fossem, como explicar o baixo nível dos cursos quando das suas avaliações? Não basta o notório saber. É imprescindível o saber verdadeiro. Não basta um título de Doutor. É preciso ter domínio do saber e saber fazer esse saber, experienciando-o, vivenciando-o.  

O Enade  –  exame nacional do desempenho dos estudantes  –  detectou disparidades outras tão graves quanto estas acima citadas. Mas não foi às causas das deficiências. Não viu que a formação dos professores do ensino médio, levada a efeito pelas Universidades públicas e privadas, não está ocorrendo de forma razoável. Se não formamos bons professores, estes não transmitirão muita coisa de positivo.

 Neste caso, a tendência é os cursos superiores serem obrigados a receber grandes contingentes de alunos mal formados, o que empurrará ladeira abaixo os níveis de qualificação da mão-de-obra especializada de que necessitamos para alcançar o pleno desenvolvimento, apesar da consistência dos vestibulares cujo grande mérito é exigir conhecimentos traduzidos através da produção de textos. Segundo observo, a exigência de uma redação dissertativa é algo digno de aplauso, embora com algumas ressalvas a serem consideradas.

Por outro lado, ao término de um curso superior, seja de formação de bacharéis ou licenciados, é perfeitamente válida e digna de menção a exigência de uma monografia ou trabalho de conclusão de curso que não sejam colados da rede mun-dial de computadores.

A metodologia é bastante aceitável. Os caminhos estão razoavelmente traçados. Mas a qualidade dos profissionais de nível superior tem deixado a desejar. O mercado, farejado pelas altas tecnologias, quer muito mais. Por isto, louvo o patamar alcançado pela Ordem dos Advogados do Brasil  –  Secção Acre  –  quando passou a dar foros de seriedade e legitimidade ao nivelar as provas do exame de ordem aos patamares nacionais. Tenho exemplos de conhecidos, parentes e amigos meus que, por estarem bem preparados, alcançaram os índices requeridos pela Ordem… E isto é deveras interessante.

Desde algum tempo, tem-se tornado de grande importância o fato de a Ordem subsidiar boa parte das universidades e faculdades que formam os bacharéis em Direito.  Segundo a professora Rossilene Brasil Muniz, fez-se necessário observar, ava-liar, fiscalizar e sugerir diretrizes que tenham em vista a aplicabilidade prática dos preceitos da ética, da moralidade, da honestidade, da probidade, da decência, da competência técnica e do compromisso com o social.

Historicamente, o Brasil jamais houve por mal prescindir do papel da OAB. Nos momentos cruciais da nossa História mais recente, por exemplo, a Ordem exerceu o seu desideratum maior traduzido pelo nível de nacionalidade sempre colocado em primeira instância. Só para lembrar em um único exemplo, dentre muitos: quando da destituição de Fernando Collor da Presidência da República, o papel da entidade foi deveras oportuno e indispensável.

Desta forma, cada conselho ou ordem de cada carreira profissional deverá ter a mesma responsabilidade histórica e social que emprestou tamanha legitimidade e reconhecimento público à OAB. Cada carreira de nível superior deverá ter o seu órgão fiscalizador  –  ordem ou conselho  –  que aplicará provas de excelência que surtam o efeito de comprovar, obrigatoriamente, a competência adquirida ao longo dos anos nas salas de aula, nos estágios curriculares e práticas forenses.

Não é demais afirmar que tenho uns quilômetros de experiência e, em vista deste fator, coloco-me à inteira disposição de quaisquer das entidades afins. Ademais, alegra-me saber que os conselhos regionais de Economia, Contabilidade, Enfermagem e Medicina, além do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, caminham a passos largos no sentido de levar a efeito medidas que resultem numa melhor aproximação e interação entre os cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior, a realidade social e as exigências do mercado de trabalho, tais quais são conhecidas pelos experientes profissionais que vivem e dirigem instituições deste gênero.

Ruim mesmo é observar que há cursos superiores de graduação  –  de faculdades particulares, especialmente  –  que obrigam os recém graduados a fazer pós-graduação a preços de varejo e, mesmo assim, estes não são aprovados nos exames de ordem, a exemplo do que aconteceu quando alguns se viram na obrigação de se tornarem advogados reais ao portarem a carteira expedida pela Ordem dos Advogados do Brasil, esta, sim, hoje, no Acre, uma instituição legítima que honra os bons advogados que por aqui militam. (E olhe que eu não problematizo os que compram a mercadoria avariada. Eu coloco em questão aqueles que a vendem a preços escorchantes apesar de saberem-na de péssima qualidade.)

O elo perdido é o do mérito. No Brasil, é preciso desmistificar uma assertiva corrente desde alguns anos. Nas grandes cidades, os que andam topando uns nos outros são os rábulas e bacharéis de pouca envergadura. Os advogados reais, aprovados nos exames da OAB, estão galgando postos cada vez mais elevados nas mais altas cortes, nos seus locais de trabalho, uma vez que só se estabelecem aqueles que têm competência real e comprovada.

… Mas, é como diz Marina Silva: eu perco o pescoço, mas não perco o juízo…

Categories: Cláudio Porfiro
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