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Acre se transforma em porta de entrada para imigrantes no Brasil

Mais de 200 estrangeiros aguardam, no Acre, autorização da Polícia Federal para entrar no Brasil. São haitianos em sua maioria, mas há pessoas naturais de Cuba, Tanzânia, Gana, Nigéria. Entre eles quatro bengaleses, presos próximo ao município de Xapuri no início do mês pela PF por entraram ilegalmente no país com destino a São Paulo, aguardam os trâmites para serem deportados. Com tradição de fronteira aberta, economia em desenvolvimento com alta de 7,5% do PIB em 2010 e previsão de crescimento também em 2011 segundo o IBGE e famoso por oferecer boa acolhida, o Brasil se torna rota atraente para imigrantes da América Latina e países da África e Ásia.

O Acre é a porta de entrada mais acessível pela interligação terrestre com o Peru que, além de manter acesso rodoviário com o Equador (país de fronteira totalmente aberta), possui portos internacionais. A chegada dos grupos de haitianos ao Brasil desde o fim do ano passado chamou a atenção principalmente da população dos estados do Acre, Amazonas e Pará, locais escolhidos para entrada ou passagem para outros destinos. Alguns setores da socie-dade, em seu primeiro impulso, tentaram barrar a entrada dos estrangeiros com argumento de oferecerem risco à segurança e ao equilíbrio econômico do Estado.

Na avaliação do secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos Henrique Corintho, os haitianos que chegam pelo Acre querem ficar no país. Os que se aventuram por Manaus pretendem chegar à Guiana Francesa. Ele calcula que cerca de 600 estrangeiros (em sua maioria haitianos) tenham passado pelo Estado. A situação deveria receber intercessão do Governo Federal, que até agora não se posicionou oficialmente sobre a imigração crescente deste povo. O Ministério Público Federal emitiu duas recomendações para que os haitianos recebam visto de refúgio após a realização de uma audiência pública que reuniu representantes de organizações governamentais e sociais de defesa dos direitos dos imigrantes. 

O secretário lembra que o Haiti sofre as conseqüências econômicas e estruturais de terremoto em 2010 que destruiu o país e repercute em situações de extrema miséria, desemprego, fome e fuga de mão-de-obra especializada. O número de analfabetos entre os que já receberam o visto é muito baixo. Há professores, advogados, arquitetos, engenheiros, mestre de obras, trabalhadores da construção civil. Parte desses primeiros grupos que chegaram ao Brasil seguiram para os estados de Rondônia, Minas Gerais e São Paulo. “São os haitianos com dinheiro e formação que conseguem sair do país. Por isso há este receio de que esteja acontecendo o fenômeno de fuga de cérebros daquele país”, diz Corintho.

É o caso de Waly Ceid, 26 anos, que estava no último ano de Engenharia Civil quando ocorreu o terremoto. Ele foi o primeiro haitiano a chegar ao Acre e receber o visto para permanência, que deve ser renovado a cada três meses. Foi através da internet que Ceid soube que o Brasil mantém a tradição de fronteiras abertas. Antes de se arriscar na viagem em que teria que cruzar quatro países tentou obter o visto por via legal. Sem expectativa de trabalho e de renda em seu país, decidiu deixar para trás a mãe e oito irmãos. Com ele vieram dois outros amigos que atualmente trabalham como pedreiros na obra de um prédio no Centro de Rio Branco e recebem um salário mínimo.

 A região está sendo alvo da ação de quadrilhas e indivíduos que exploram imigrantes ilegais, mas os dois haitianos negam que tenham contratado “coiotes” para chegar ao Brasil. No ano passado a PF havia prendido 8 imigrantes ilegais também de Bangladesh e localizou, em Rio Branco, um homem que realizava a atividade no Acre, bengali casado com uma brasileira.


Rota da esperança – O ponto de partida foi a cidade de Porto Príncipe, capital do Haiti, no dia 23 de novembro do ano passado. De lá os primeiros haitianos seguiram de avião para o Panamá e depois para o Equador de onde partiram para o Peru via terrestre. Para chegar ao Acre percorreram a Estrada Interoceânica, ainda em fase de conclusão, até chegar a Assis Brasil. A viagem custa, em média, 2 mil dólares em passagens, alimentação, transporte e hospedagens. “Fiquei dois meses em um hotel em Epitaciolândia, passei fome, foram momentos difíceis até aqui”. Hoje mora em um apartamento dividindo o aluguel com Aleksander Leta, pai de quatro filhos. “Viemos juntos, estamos juntos, agora ainda mais. Agora temos uma esperança de mudar de vida. Apesar da dificuldades recebemos muita ajuda”, diz Waly Ceid.

Os amigos destinam parte do salário para suas famílias, mas admitem que não têm como enviar mais que R$ 50 por mês, valor que dá para alimentar uma família por uma semana. Com as despesas locais de aluguel, água, luz e alimentação ficam com uma pequena quantia, mas não desistem do sonho de trazer os parentes. Ceid conta que alguns dos irmãos têm curso superior com formação em Medicina, Enfermagem, Engenharia Civil e todos estão desempregados. “Quero trazer pelo menos um irmão para me ajudar aqui e mandarmos mais dinheiro para a família”, planeja.

Ajuda humanitária – A ajuda oferecida pelo Acre aos novos imigrantes, vítimas de catástrofes naturais ou miséria, caso de Bangladesh, tem objetivo não só de prestar acolhimento humanitário como também de proteger a população. “Os municípios são pequenos, frágeis na fronteira, seria socialmente complicado deixar 100/150 pessoas perambulando pela praça”, explica o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre. O governo oferece apoio com oferta de alimentação e hospedagem e serviços de saúde, como vacinação e exames para a detecção de doenças infectocontagiosas.

Grupos ligados à igreja católica e à Universidade Federal do Acre também se solidarizam com os estrangeiros que chegam ao Brasil pelo Acre. A professora Maria da Luz Maia, mais conhecida como Candeias, integra o Comitê de Solidariedade e ensinou português a muitos haitianos por meio da Pró-reitoria de Extensão da Ufac. Ela mantém uma relação de amizade com alguns deles e estima que haja pelo menos pessoas daquele país morando em Rio Branco. Candeias conta que na última quinta-feira viu um microônibus trazendo 19 haitianos que embarcariam para São Paulo. “Devem ter conseguido o visto de entrada”, supõe a professora. Waly Ceid que se intitula líder de seu povo confirma que pretende ficar no Acre e criar uma associação para defender os direitos legais dos imigrantes e manter a cultura do Haiti entre os que tiveram que abandoná-lo.

 

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