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Mercado Livre e dissabores

Pensando bem, tenho concordado desde algum tempo com aqueles que dizem que antes de atacar um abuso, devemos ver se é possível arruinar-lhe as origens. Os conflitos só existem porque, antes, uma causa os permitiu aflorar. É o encrenqueiro quem começa a arruaça. Sem ele, a confusão nunca teria início. Da mesma forma, a mola propulsora das grandes revoluções é o intelectual resoluto que, ao difundir idéias e ideais, acaba por forçar as grandes transformações de que a sociedade necessita para se desenvolver.

A Revolução Francesa teve origem no pensamento de Rousseau, Montaigne e Diderot. Foi um valente vindo do Ceará  –  José Carvalho  –  quem insuflou os combates sangrentos que houveram por bem tornar brasileiros os acreanos. Bom é lembrar que as histórias sempre começam por alguém que se insurgiu. Em suma, é preciso rebelar-se.

E tudo demanda grande gasto de um tempo que pode às vezes ser considerado desperdício. Há, então, pessoas e fatos que, de tão aborrecidos, nos fazem perder um dia inteiro em cinco minutos.
Vai uma sugestão grátis, de início. Nunca mais compre o que quer que seja, via internet, usando os serviços espúrios de uma loja virtual denominada Mercado Livre. Demorei de março a outubro de 2011 para NÃO encontrar uma solução para o problema com que me deparei.

Vamos, então, aos fatos e, depois, às tripas.

Consideremos que, nos dias atuais, há mulheres e mulheres. Inclusive, há essas últimas, ou seja, aquelas que, de carne e osso, fazem regimes do outro mundo, não faltam às academias sequer aos sábados e, pela própria índole, dão conceitos cada vez mais nítidos à definição de modernidade. Este é o caso exato da musa que me acompanha pelos desvãos da vida. Para se ter uma idéia rápida, ela quase não pode respirar a não ser na dependência de uma prancha que lhe aqueça os cabelos negros. Ela idolatra aquele instrumentozinho de última geração, tecnologia de ponta, que aguça a vaidade e torna leve a alma feminina.

Melhor é que, para esse espécime subtil, ter uma prancha é como ter um carro. Só serve o do ano, o último grito da moda, no dizer dos mais antigos. Num dia desses qualquer, saltará para fora da minha televisão, bem no meio da sala atapetada, um apetrecho do gênero arrastando uma cabeleireira robô com o intuito cibernético de delinear as saudáveis madeixas da dama de honra daqui de casa. Eu viverei e verei. Por Deus!

E foi essa sofreguidão própria da fêmea da modernidade que empurrou a nossa mahadevi dos vales hindus rumo ao computador para, num tresloucado ato de heroísmo via internet, adquirir a tal prancha, segundo as instruções do filho mais velho. A desgraça maior não foi nenhuma outra senão a opção infeliz. Sem consultar a experiência de um astuto usuário do sistema  –  como eu  –  embarcou na propaganda do malfadado Mercado Livre. Coitados de nós!

A primeira impressão é sempre a que fica. Ela, então, se encantou com uma mensagem mínima, mas de muito significado: frete grátis. Depois, dentre uma dúzia de opções, escolheu uma prancha que ficaria ao custo de quarenta e seis dinheiros dos nossos e nenhum tostão a mais. Clica daqui. Clica dacolá…

O valor do artefato foi pago, na hora, sem maiores problemas. Ocorre que, no outro dia, uma correspondência eletrônica cobrava-nos o frete que, antes, teria sido gratuito não fôssemos nós acreanos. Fomos, então, ao sítio na internet onde a gratuidade já havia desaparecido. Uma grande trampolinagem.

Em um parêntese, explico como funciona o Mercado Livre, este, sim, um canal de propaganda que vincula diversos vendedores espalhados por todo o Brasil, dentre os quais o senhor Fabrício Rosa de Oliveira (agência 3006-6, do Banco do Brasil, conta poupança 13.773-1 / va-riação 1), um negociante inescrupuloso dono de um codinome altamente sugestivo: Tubarão Digital, uma tramóia que se fortalece a cada dia.  

O Tubarão, então, passou a cobrar-me o frete sem o que o produto não viria. Aí, eu fiz o pagamento no valor de vinte e sete reais, na conta de poupança acima citada, mas as cobranças continua-ram a chegar por e-mail.

Próxima fase. Uma dúzia de telefonemas tornaram maior o meu prejuízo e mais caro o meu empreendimento.

Passaram-se uns dois meses e, sem mais canais de diálogo, fui ao serviço de proteção ao consumidor, onde me receberam muitíssimo bem. Em um prazo estipulado pela agência estatal, lá estava eu de novo e, segundo o atendente, não havia nenhuma solução à vista.

Deram-me mais um prazo e lá fui eu novamente. (Não que os custos do instrumento me afetem as finanças domésticas, mas é o abuso de um espertalhão que me deixou impassível, irredutível).
Foi aí que encontrei com uma atendente do Procon  –  a boníssima Marlécia Braga  –  que deu mais uns dois telefonemas e, enfim, conseguiu falar com uma Socorro qualquer que disse que o Sr. Fabrício não queria falar com ninguém. Interveio, então, a supervisora da agência dos consumidores lesados. Esta também não obteve sucesso.

Por insistir muito, a gentil atendente ouviu da secretária paulista a seguinte pérola:

– O senhor Fabrício não vai atender ninguém porque sabe que vocês três fazem parte de um grupo que está organizado para lhe aplicar um golpe. Nenhum de vocês faz parte do Procon e não vão nos enganar. Vocês serão processados por formação de quadrilha.

Enfim, marcamos a audiência, para onde eu fui, já em outubro próximo passado, munido de todos os comprovantes de pagamentos que me foram fornecidos pelo Banco do Brasil, inclusive, com a saída do valor da prancha e do frete da minha conta e com entrada do dinheiro na conta do Sr. Tubarão. Considere-se ainda, é claro, o custo da gasolina gasta com as viagens desde o Campus da Ufac até o Procon, no centro da cidade, ida e volta.

Enfim, para deleite geral da nação que se forma ao redor do meu umbigo, veio uma notícia estúpida emoldurada por um rosto belíssimo, ou vice-versa. A advogada acreana que foi ao Procon tratar dos interesses do Mercado Livre era nada mais nada menos que a Sharon Stone. Loura, alta, saias curtas, decote encantador, ancas vistosas, sapatos à Luís XV, unhas prateadas como se atuasse em O diabo veste pradha, perfumada a Givanchy, maravilhosa nos quase 2 metros. Exageros a parte…

O acordo significou setenta e cinco reais prontamente aceitos. A mente estava turva e os meus olhos revirados. O que ela dissesse estaria perfeito. Só depois do torpor causado pela beleza estonteante da advogada do anjo, foi que perguntei se havia a possibilidade de me en-viarem a prancha. O mediador, também encantado, aconselhou:

– Professor, o senhor vai ter uns dois anos para ver atendida a sua reivindicação. Pegue a grana e compre a prancha ali na Ontem Cosméticos.

Eu estava ainda em estado de choque e concordei… Depois, o dinheiro, já um tanto desvalorizado, veio parar na minha conta.

Com relação às tripas ou às ponderações finais, devemos considerar que esse pessoal que trabalha com o maldito telemarketing não tem nenhuma idéia e nem é orientado sobre a questão das distân-cias amazônicas e brasileiras. Eles confundem Amazonas com Amazônia e pensam que depois de Minas tudo é Bahia. Não têm noção do que vem a ser a região nordeste, e assim por diante. É comum, no sul-sudeste a grande maioria das pessoas não saberem onde fica esta terra. É pura desinformação, e também burrice, como no caso do taxista que, em Campinas, perguntou a mim se o Acre ficava nas proximidades da Arábia Saudita. É muita estupidez.

Os operadores de telemarketing telefonam para as nossas casas, às doze ou à uma da tarde e, quando dizemos que aqui estamos em horário de almoço, eles não acreditam e pensam que nós os estamos querendo enganar. Este é um disparate sem tamanho.

E é exatamente essa desinformação brutal que conduz ao preconceito. O frete grátis é anunciado para todo o Brasil e, quando eles vêem que o Acre fica a três mil e seiscentos quilômetros de São Paulo, é que, finalmente, calculam o valor que terá a mercadoria a ser enviada para o Acre. A solução, então, é correr para as páginas das lojas virtuais na internet e apagar, rapidinho, a informação que nos garante o preço mais barato. E isto é também preconceito. Eles, como muito espertos e muito inteligentes, deveriam, antes, ter um mínimo de discernimento quando divulgam que o seu negócio atende a todo o Brasil.

A realidade é um grande contra senso. A vida e o ser humano também o são, por tabela. Se prestarmos mais atenção, perceberemos que são abusos como estes que vêm para destruir as boas instituições, infelizmente. Mas têm o privilégio fatal de fazer subsistirem as más.

Por conta de negociantes inescrupulosos e encurralados dentro dos meros limites das suas vidas caninas, as pessoas, a cada dia, desacreditam cada vez mais nas outras… É como se o mundo não mais tivesse conserto… É como se já estivéssemos a meio palmo do precipício para onde os calhordas e os imbecis atiraram a humanidade.
Por Deus!

 

*O http://www.claudioxapuri.blog.uol.com.br está entre os sete melhores do Brasil via UOL.

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