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Relativismo protagoriano

Ao começar entabular o texto desta semana, com a ideia fixa no atual momento da política nacional, veio a minha mente a sugestão de diversos temas para título deste artigo: Política, na contramão da ética com base naquela ideia clássica oriunda de Platão (427-347 a.C.) de que as noções políticas são permeadas por um elevado senso moral e que os padrões éticos representados na virtude da sabedoria, da coragem, da moderação e da justiça, deveriam se fazer presentes na política, propriamente dita, e nas suas formas de governo. O tema é sugestivo, principalmente, porque nos dias atuais, é uma verdadeira utopia, para não dizer de elevado conceito platônico, impossível à luz da experiência humana. Política e ética que deveriam andar lado a lado estão, hoje, trilhando caminhos ambíguos, não tem nada a ver uma com a outra.

Outro tema seria: Política Sem Ideologia. Especialmente, porque, a ideologia atualmente, dos partidos políticos, é a ideologia do status quo econômico financeiro, cuja principal bandeira, já dizia os antigos, é o poder de barganha. Pode ser que, “especialistas políticos” de plantão, mesmo os daqui do Acre, considerem esta afirmação ingênua, para não dizer sem propósito. Ainda assim, hão de concorda que é muita desfaçatez, além de antiética, a postura do político que consegue ser eleito por um partido, notadamente, de “esquerda”, construído com suor e lágrimas, em longo de quase três décadas, na sua maioria por gente humilde; partido que não admitia, até dias atrás, no seu arco de aliança, associação com quem que não fazia parte das suas convicções ideológicas e, depois de eleito, passa a fazer conchavos e parcerias, entre outras aberrações, com partidos de banqueiros e “bicheiros”.  

Tal incoerência nos sugestiona outro tema: Miscelânea Partidária.  Remetendo-nos a uma máxima folclórica, que em nível de política foi ressuscitada, em dias idos, pelo senador Jéferson Peres, saudoso político dos mais honrados, que certa vez, ao participar duma CPI, dentre tantas, vividas por ele no Congresso Nacional, diante das tremendas “enroladas” dos envolvidos, saiu-se com essa: Isso aqui está parecendo “samba do crioulo doido”. É notório e público que esse amalgama ou essa miscelânea política se radicaliza atualmente na união do Lula com o Maluf em prol da campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. Essa suposta união, além de personificar e encarnar  o  “samba do crioulo doido” quebra, de uma vez por todas, outra velha máxima: aquela que dizia que “dois bicudos não se beijam. Em se tratando de política partidária nacional, talvez, o melhor seria dizer: “dois narigudos na se beijam”.
Terminei por quedar-me ao título em epígrafe: Relativismo Protagoria-no, tendo como pano de fundo a fala ou a defesa indefensável do ex-senador Demóstenes Torres, momentos antes de ser cassado pelos “seus pares”. O ex-senador evocou o relativismo protogoriano, atribuído a Protágoras de Abdera (481-411 a.C.).

 Protágoras, considerado o maior de todos os teóricos da sofística e o fundador da gramática europeia, pois que foi o primeiro a estabelecer a diferença entre os três gêneros de nomes, e a distinguir certos tempos e modos de verbos, tendia sempre para os fatos e, a exemplo mais tarde do empirista inglês Lock, dizia  que em torno de cada coisa  há  dois raciocínios que se contrapõem. Asseverava que não se pode encontrar nenhuma verdade absoluta, mas apenas verdades de acordo com certos homens, em certas condições; asserções contrárias podem ser igualmente verdadeiras para diferentes pessoas, em diferentes momentos. Toda verdade, bondade e beleza são relativas e subjetivas.

A máxima  “o homem é a medida de todas as coisas”  atribuída a Protágoras inaugurou o que conhecemos hoje como Utilitarismo. Do ponto de vista histórico, diz Will Durant, o mundo inteiro começou a tremer quando Protágoras anunciou este simples princípio de humanismo e relatividade; vieram abaixo todas as verdades estabelecidas e todos os princípios sagrados; o individualismo  descobriu uma voz e uma filosofia, e as bases da ordem social sentiram-se ameaçadas de dissolução.

A famosa declaração, aplicadas à teologia, feriu, também as bases sobrenaturais das religiões naturais vigentes. Protágoras dizia: “Quanto aos deuses, não sei dizer se existem ou não, nem que forma têm. Muitas são as causas que no-lo impedem de saber, o assunto é obscuro, e breve é a duração de nossa existência mortal.”

A Assembléia ateniense, assustada diante desse prelúdio de mau agouro, baniu Protágoras, ordenou aos atenienses que entregassem aos poderes públicos todas as cópias  que porventura posuissem dos escritos do filósofo. Queimaram-lhe as obras em praça pública. Protágoras fugiu para a Sícília e, narra a história, morreu afogado na travessia.
O relativismo protagoriano, de caráter subjetivo, à luz da ética kantiana (Emanuel Kant 1724-1804) vale apenas para quem a propõe, já que se as leis morais dependessem  de seu conteúdo seriam simples empirismo ou utilitarismo. Para Kant a lei moral é uma só, formulada pelo iluminista sob um imperativo categórico: “age de modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal”.

Ademais, Kant proclamava que a razão ordena ao homem que suas ações sejam pensadas por dever a ela, em vez de serem simplesmente pautadas por suas inclinações perversas. Para Kant, a liberdade é a capacidade de ser governado pela razão. A razão é uma verdadeira faculdade de desejar superior. Quem usa a razão erra pouco. Não sucumbe aos apelos  das paixões desvairadas.

E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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