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As fronteiras entre o poder e a força

A sociedade contemporânea sente na alma o conflito entre o poder e a força, ficando sem saber onde começa um e termina o outro. Também, não está claro se são palavras sinônimas e quais as fronteiras entre elas. É temática árida. E quando alguém se atreve a olhar nessa direção, de per si, compreende tratar-se de terreno pantanoso. De todo o modo, a reflexão nunca conduziu o ser humano à forca. Pelo contrário, dela poderá brotar uma centelha capaz de clarear o significado do poder e da força, bem como das fronteiras entre os dois conceitos que, quando postos em prática, eleva aos céus alguns seres e conduz ao inferno outros tantos. Será o poder a ação de comandar e a força a reação de oprimir?

Segundo Robert Dahl o poder é algo possuído por um agente poderoso e utilizado por este, a fim de impor sua vontade a um outro agente desprovido de poder. Nessa ótica, o poder é um instrumento pos-suído por alguém e, desse jeito, tem uma face, um sujeito que o exerce em detrimento da liberdade do outro. Com isso, o poder significa subordinar, oprimir uma parte da so-ciedade sobre outra ou um indivíduo sobre outros.

Enquanto isso, a força é a energia liberada por movimentos físicos ou sociais. Ela pertence aos indivíduos. Assim, os seus direitos são determinados por suas próprias forças e limitados pela força do Estado. Isso significa dizer que o poder do Estado é absoluto de direito, mas não de fato, pois é limitado pela força dos indivíduos. Igualmente, o poder político é opressor, mas a opressão é finita na força. Não há poder que seja eterno e nem uma força total.

Estabelecendo a relação entre o poder e a força, vê-se o primeiro ligado à questão da dominação; o segundo, aos dominados. Essa relação diz respeito aos que exercem o poder e daqueles sobre quem o poder é exercido. Nestes últimos, falta-lhes a força, enquanto os primeiros a possuem demasiadamente. E essa luta é traduzida por Maquiavel, usando uma metáfora. Segundo ele, “existem dois gêneros de combates: um com as leis e outro com a força. O primeiro é próprio do homem; o segundo, dos animais”.

Indaga-se, ao final, sé é o poder a ação de comandar e a força a reação de oprimir? A resposta está em “O Príncipe”, capítulo XVIII. Maquiavel diz que o poder que um indivíduo exerce sobre o outro, o poder que um partido exerce sobre a sociedade, o poder que o Estado exerce sobre a coletividade, é a força relativa de cada um. O Estado é mais violento do que o indivíduo, porque reivindica o monopólio da força legítima. “Legítima”, eis o problema do “direito” de oprimir.

Uma vez que é imprescindível o emprego da força, isto é, da natureza animal, Maquiavel, usando uma metáfora, sugere “escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Logo, é preciso ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que fizerem simplesmente a parte do leão não serão bem-sucedidos” (O Príncipe, cap. XVIII). A força não é uma coisa bruta, física. Antes, deve ser refletida, sentida, traduzida nos ardis que as pessoas empregam para universalizar as escolhas parciais que tomam. Assim, a verdadeira força está na raposa, não no leão.

Finalizando, nessa luta entre poder e força, o ser humano se assegura no animal. O racional é sustentado pelo irracional. A verdadeira força nasce da astúcia. O poder dos poderosos não está no número de militantes ou de armas. Está nos ardis que emprega para alcançar objetivos. Ter o poder e não saber usá-lo é cair, logo mais, na fraqueza, sem força. É deixar o leão preso nos laços. É preciso a raposa para soltá-los. Por isso é prudente seguir Maquiavel, com sua metáfora: a verdadeira força está na raposa, não no leão. Nessas fronteiras, viva a raposa.

DICAS DE GRAMÁTICA

POR ORA ou POR HORA?
As duas formas, cada uma com seu sentido. Assim:

or ora – equivale a “por agora” ou “por enquanto”. Desse modo, digo “Por ora, não vou mexer com isso = Por enquanto, não vou mexer com isso”.  Ora, nesse contexto, é advérbio e significa “agora, atualmente”.

Por hora – significa “em uma hora”, “a cada sessenta minutos”.  Exemplo: “O carro chega a correr 300 km por hora = O carro chega a correr 300 km em uma hora”. A palavra hora é um substantivo que significa “fração do dia”.

AO INVÉS DE ou EM VEZ DE?
As duas formas estão corretas, cada uma com seu sentido.
Ao invés de – significa “ao contrário de” e usa-se quando se colocam em oposição idéias contrárias. Exemplos: “Ao invés de economizar, Gilda gastou todo o dinheiro” e “Teria sido melhor se Mário, ao invés de falar, ficasse quieto”.
Em vez de – quer dizer “no lugar de” e usa-se tanto no primeiro caso como quando as idéias não são contrárias, por exemplo: “Manifeste-se, em vez de se omitir”, “Em vez de crase, estude regência nominal agora” e “Por que você não usa a blusa amarela, em vez dessa (de + essa) feiosa aí?”.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Membro da Academia Brasileira de Filologia. Membro da Academia Acreana de Letras.

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