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O ano velho e as paixões viciosas do homem

Que me escusem aqueles que estão ardendo em expectativas de que o mundo, finalmente, neste novo período de tempo ou novo ano, encontre o avatar  da felicidade. As minhas escusas, também, aos muitos que neste ré-veillon, irão se travestir das mais excêntricas manias e práticas culturais e religiosas para adentrar o ano novo com o “pé direito”. Réveillon regado, para quem pode, pelos imoderados e fugazes prazeres da carne e do espírito, com muita festa custe o que custar.

Desculpem-me, se os esforços desmedidos, pelos poderes instituídos, tendo como objetivo um mundo melhor, nada mais são, segundo o meu olhar, do que uma desesperada atitude universal para conter, a partir do dia 1º, a desilusão, o medo do futuro e um total sentimento de desesperança, por conta do desmoronamento dos ideais republicanos.

Então, neste último artigo do ano velho, cronologicamente, nada tenho a dizer sobre o que esperar do ano novo. Mesmo porque não há euforia do réveillon, utopias governamentais, e outras baboseiras e prognósticos de mães-de-santo, pais-de-santo, notadamente o Pai Bruno da Pomba-gira, sobre a chegada do novo ano, que me façam esquecer tão rapidamente as mazelas advindas desse estado de coisas, que estão aí permeando a atmosfera terrena.

Estou preso ao Ano Velho, em que a liberdade tornou-se licenciosidade. A lei moral está em perigo de ser abandonada até pelos tribunais.  As ruas de nossas cidades se transformaram em selvas de terrorismo, assaltos, estupros e morte. Ano velho em que tudo parece sem solução. Ano velho em que o cenário internacional é de pessimismo total, com seus problemas de superpopulação, crimes, racismo, drogas, crises econômicas, guerra, pobreza e  fome indescritíveis.

Ano velho, em que a sociedade, dada as circunstâncias, teve que aprender a conviver com a morte brutal de seus semelhantes; fazer ouvido de mercador aos reclamos da gente sofrida; fechar os olhos aos escândalos de extravio do erário público; banalizar o roubo e assassinatos diários; admitir que usar drogas, entorpecentes alucinógenos, faz parte do contexto moderno.

As minhas afirmações não são de alguém de alma envenenada, péssima ou frustrada, não! Sou um ser humano realizado naquilo que alvitrei fazer. As minhas afirmações revelam, na sua essência, uma obviedade total; realidade  transparente, aberta, a todas as pessoas, uma vez que os fatos brutais estão bem perto de nós e recrudesceram em longo deste velho ano.

Não acredito em predições oriundas, quer sejam de Calendários Maya, de Nostradamus, ou de outra ordem qualquer.  Contudo, por outro lado, não acredito que o homem consiga se livrar do caos existencial em que está afundado. Sabe por que, leitor?

Porque, o homem é um ser radicalmente corrompido, governado pela concupiscência, desejos, apetites da carne. Em outras palavras: vaidade que tudo corrompe, em tudo penetra e a tudo reduz a um irremediável domínio das paixões viciosas. Essas paixões viciosas transformam o mundo em caos total, em desordem e insegurança completa.

Às criaturas irracionais, basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem, ou criarem disputas, com seus semelhantes. Os apetites das formigas, por exemplo, são todos conformes e levam a um bem comum que em nada difere de seu bem particular. Já os homens, se encontram por natureza num estado de guerra universal em razão das paixões que os dominam. Nada satisfaz ou satisfará o homem, já que o homem não se agrada com nada, muito menos com as Utopias do futuro. O homem é o único animal que nunca está plenamente satisfeito.

Outro fato, que fica evidente, nesta insatisfação do homem, é a sua relação com o seu habitat natural, uma vez que desde os primeiros pais humanos temos sido péssimos administradores do lugar, que por desígnio, habitamos. Por conseguinte, fazendo da terra um lugar, se tomarmos, por exemplo, a realidade do Haiti e da Etiópia, um verdadeiro inferno.

Contudo, que o homem deve fazer para sair dessa encruzilhada macabra em que está metido? Desse estado totalmente insuportável, apesar da minha descrença, os homens só podem sair por meio da reflexão sobre sua miséria, usando a razão para construir um Estado, corpo artificial destinado a garantir a segurança de todos, diria Thomas Hobbes.

A propósito a filosofia antiga (Cinismo) nos diz que nem a posse das riquezas, nem a abundância das coisas, nem a obtenção de cargos ou o poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-na a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza (Epicuro).

Cipriano, Bispo de Cartago, no passado longínquo, escreveu ao seu amigo Donato: “Este mundo parece alegre Donato, quando o admiro deste belo jardim, à sombra destas videiras. Contudo, se escalo alguma grande montanha e contemplo as vastas terras  em derredor, você sabe muito bem o que vejo: bandidos na estrada, piratas nos mares; nos anfiteatros, pessoas sendo mortas para agradar as multidões, que aplaudem. Sob todos os tetos, vejo também miséria e egoísmo. É naturalmente um mundo mau, Donato, um mundo incrivelmente mau”.

 Chico Buarque, nosso poeta cantor desde os tempos da ditadura, por exemplo, tem a mesma visão do anacrônico Cipriano.

Numa de suas músicas, o moço dos olhos verdes, nos diz: “Aqui na Terra estão jogando futebol, é samba, carnaval e rock in roll; mas o que eu quero dizer é que a coisa aqui está preta… para lalálalálá, paralalálalá, para lalá…a coisa aqui está preta!”

E-mail:assisprof@yahoo.com.br

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