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ISE/AC inova ao fechar unidades carcerárias e abrir 1ª escola de Ensino Integral para adolescentes em conflito com a lei do país

Uma segunda chance! Muitas vezes é só disso que os adolescentes em conflito com a lei precisam para superar as adversidades da vida e se transformarem em adultos responsáveis. Nas unidades socioeducativas, estas segundas chances às vezes até chegam a estes jovens, só que muitos deles não sabem aproveitá-las. Assim, o incentivo para fazê-los ‘agarrar’ as oportunidades certas acaba se tornando o maior desafio de um sistema socioeducativo.
Salas de aula da Escola Darquinho já atendem mais de 50 adolescentes nas medidas
E é justamente para atingir um novo nível de eficiência no cumprimento deste desafio motivador que o Instituto Socioeducativo do Acre (o ISE/AC) está implementando uma iniciativa ousada. Desde o mês passado, o instituto fechou 2 unidades carcerárias e em 1 deles abriu a primeira escola de tempo integral para educar e profissionalizar os adolescentes em medidas socioeducativas de grau mais avançado (isto é, aqueles que já passaram pelas fases de privação de liberdade e progrediram para o regime de semi liberdade).

As 2 unidades que o ISE/AC fechou para organizar melhor os adolescentes na escola integral foram o Centro Socioeducativo (CS) Acre, localizada no bairro Apolônio Sales, e o CS situa-do no fim do Conjunto Universitário. A escola, intitulada de ‘Darquinho’, está ocupando o lugar que antes era do CS Acre. No caso, o colégio já dividia o espaço no complexo Acre (que é a unidade socioeducativa mais bem estruturada entre as 8 do Estado) mesmo quando ele ainda era uma unidade de internação restritiva. Agora, com o fechamento da ala carcerária, o local inteiro passou a ser apenas para o funcionamento da escola. Já a unidade desativada no Universitário será transformada em um centro de capacitação para os servidores do instituto, em especial os agentes socioeducadores.

A Darquinho passou a atuar sob o regime integral desde o dia 10 deste mês. Para tanto, a sua estrutura conta com 8 salas de aulas adaptadas para o ensino de atenção especial, 1 biblioteca com mais de 3 mil obras literárias, 1 quadra de futebol, piscina, 1 refeitório com cozinha e até padaria (uma parceria garantiu os fornos), 1 laboratório de informática com 12 computadores e 1 moderno centro de saúde, além das salas administrativas para a equipe multiprofissional do ISE (que é composta por pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, agentes socioeducativos e 42 professores e 4 coordenadores em todo o Estado).

Já a antiga ala carcerária no complexo do CS Acre, a mesma que foi fechada e hoje está ‘isolada’ (habitado só pelo antigo gato dos adolescentes reclusos), futuramente, com as reformas necessárias, deve dar vez a salas para a oferta de oficinas em áreas com alta demanda no mercado local, tal como bancada em manutenção de sistemas, mecânica, etc.   

Hoje, a escola já atende 58 adolescentes em conflito com a lei (e mais 20 jovens em semi liberdade devem chegar até o dia 10 de janeiro de 2013). Mas como funciona este tal de modelo integral? É simples e bem prático. O adolescente em regime socioeducativo de semi liberdade entra no colégio às 7h30 da manhã e lá tem aulas até a hora do almoço, meio-dia. De tarde, os jovens têm como opções a prática de atividades físicas na quadra de futebol e na piscina, acesso a leitura na biblioteca ou, ainda, o aprendizado qualificativo para o mercado de trabalho local, através dos 26 cursos profissionalizantes oferecidos pelo Pronatec (Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e outros parceiros.
IBiblioteca é um dos lugares preferidos dos adolescentes. Desativação das celas marca uma transformação no sistema
Quando chega a noite, os adolescentes estão liberados para irem pra casa. Isso mesmo! Como estão em regime de semi liberdade, os jovens já têm direito a uma certa dose de liberdade. Mas eles devem ficar em casa, proibidos de estarem na rua depois das 21h, e longe de encrencas. No outro dia, a rotina começa toda de novo, com eles tendo que entrar na escola às 7h30, sem atrasos. Caso descumpram estes horários, os adolescentes estarão quebrando as regras do benefício e, portanto, regredirão nas penas socioeducativas. Para ajudá-los no transporte da escola para casa e vice versa, o Pronatec os contempla com uma ajuda de custo de R$ 40,00 por mês.

E, para garantir que a liberdade durante as mais de 12h que os jovens passam longe da unidade seja controlada, o ISE/AC conta com uma atenta equipe de monitoramento. Estes profissionais fazem rotas para visitar diariamente as casas dos jovens no regime de semi liberdade. Nelas, a equipe monitora muito mais do que a presença do adolescente. Os profissionais se aproximam do lar do jovem, aprendendo mais sobre o seu convívio com seus parentes e dando os devidos encaminhamentos para que a família receba todo o tipo de benefício social ao qual ela tem direito (bolsa família, atendimento de saúde, etc). Em termos quantitativos, no mês passado esta equipe conseguiu realizar 28 visitas.

As aulas que a escola Darquinho está trabalhando com os menores de idade em conflito com a lei durante a manhã são as modalidades de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos módulos I e II e do Programa Especial de Ensino Médio (PEEM). Já os cursos profissionalizantes da parte da tarde são variados para a formação básica, desde informática, inglês, mecânica, de vendas, de lojistas, de artesanato, entre outros. Os cursos geralmente são de 1 ano (que é mais ou menos o período que o adolescente passa no regime de semi liberdade, de 6 meses a 1 ano, dependendo da sua infração e do seu comportamento no sistema).
Nos finais de semana e durante as noites, a escola Darquinho vai ficar fechada para os adolescentes do regime de semi liberdade. Porém, para os demais adolescentes, os 72 de regime fechado do CS Aquiry (que é uma unidade de reclusão do ISE/AC que fica bem do lado do CS Acre, famosa pelo antigo nome pejorativo de ‘Pousado do Menor’), o local servirá para a prática de algumas atividades educativas e de recreação, além de cursos à noite. Lógico que para sentirem o gostinho desta liberdade monitorada antes do tempo e ingressarem nos cursos, eles terão de apresentar um comportamento exemplar.   

Educação: a melhor ‘porta de saída’ do sistema socioeducativo
O diretor-presidente do Instituto Socioeducativo do Acre, Henrique Corinto, comentou sobre este modelo pioneiro no Brasil de Educação em tempo integral para os jovens do Acre em conflito com a lei. Um dos maiores defensores e articuladores para a implantação do projeto, ele acredita que a escola Darquinho, sob este novo modelo de funcionamento, é a ‘porta de saída’ ideal para concluir o ciclo de internação dos menores de idade que cometeram atos infracionais e acabaram no sistema Socioeducativo do Estado.
Henrique Corinto destaca a reorganização do ISE para viabilizar novo trabalho
Para o gestor do ISE, o grande objetivo de usar a oferta de um ensino de qualidade para o adolescente é fazer com que ele adquira valores de responsabilidade e, desta forma, possa voltar para produzir para a sociedade. Como o retorno de um investimento público. E mais: com a implementação da escola, a administração do instituto poderá fazer uma espécie de triagem para separar os adolescentes com infrações menos graves (pequenos furtos e roubos, arruaças, aliciados para se envolver com o tráfico de drogas, entre outros) daqueles que cometeram crimes mais ‘pesados’ (homicídio, latrocínio, estupro, assaltos com requintes de violência, ampla participação organizacional no tráfico de drogas etc).

“Atualmente, temos 489 jovens em internação em todas as 8 unidades socioeducativas do Estado. Fora isso, há cerca de 110 adolescentes que estão em regime de semi liberdade. Qual é a nossa meta? Reduzir este público dos jovens que estão privados de liberdade e ir fazendo-os progredir, com todos os passos da ‘ressocialização’ deles, para o regime de semi liberdade. No ano que vem, estimamos que os adolescentes em internação deverão cair para 266, enquanto o regime de semi liberdade deve ter 220 deles. Logo, temos que fazer com que estes 220 preencham seu tempo com educação, porque só assim eles se afastarão de práticas erradas e conseguirão se reintegrar à sociedade”.

A linha de raciocínio de Corinto é baseada numa constatação de que os jovens em conflito  com a lei cometem os atos infracionais devido ao afastamento do ambiente disciplinador das escolas. Conforme relatos, desde a infância eles são ‘obrigados’, pelas circunstâncias e pela vulnerabilidade do grupo familiar ao qual estão submetidos, a deixarem as salas de aula para já ‘trabalharem’ numa ‘carreira sem futuro’ de pedintes de esmola, flanelinhas, vendedores ambulantes e, depois, em práticas ilícitas (roubos, furtos, tráfico de drogas).

Inclusive, o diretor do ISE/AC e a diretora da Escola Darquinho, Giane Sampaio, contaram que, geralmente, os adolescentes que estão no sistema chegam até lá ainda nas séries primárias de ensino. Muitos deles são analfabetos e semi analfabetos. “É um desafio fazer este trabalho educativo com os jovens porque muitos deles estão atrasados com o seu ensino e o período em que ficam nas unidades é curto. Mas estamos recebendo um grande apoio para desenvolver as ações aqui na escola. Recebemos muitos livros, já temos merenda escolar e os professores são muito bons. Com tudo isso, queremos passar aos adolescentes o máximo de aprendizados e lições possíveis para quando saírem daqui”.

Giane também enalteceu o resultado que alguns dos adolescentes estão alcançando aos poucos, desde a instalação da escola (em regime normal) no extinto CS Acre. Segundo a diretora, é um orgulho enorme para toda a equipe o fato de adolescentes voltarem a ter contato com a educação nas medidas socio-educativas e, após saírem do ISE, seguirem com os estudos em universidades e/ou fazerem o bom uso do aprendizado em empregos formais.

Mas até esta saída, o jovem em conflito com a lei tem muito o quê aprender para voltar a ter disciplina, respeito pelas leis e auto estima para superar as barreiras que a sociedade ergue para prejulgá-lo pelos seus erros do passado. Por isso, Henrique Corinto conta que a Darquinho também serve para recuperar o bom convívio social dos adolescentes e para levantar sua auto estima. “No ano que vem, eles devem ganhar o uniforme padronizado das escolas estaduais para virem aqui estudar. Fora isso, não vão se sentir como presos já que na escola não há grades e as instalações são bem limpas e arejadas. Em uma prisão, por mais salubre que ela seja, sempre fica aquele clima pesado por causa das grades. Aqui na escola não tem isso”, complementou o gestor do ISE/AC.        

O pioneirismo de uma ideia e o papel vital dos parceiros
Uma transformação co-mo esta no sistema sócio educativo acreano não se constrói sozinho. É preciso muitos apoiadores para fazer uma mudança tão ousada como esta da escola integral dar certo. Tudo começou com a ideia inicial de melhorar os últimos processos educativos dos adolescentes no sistema. A partir daí, a equipe do ISE começou a maturar o conceito de uma escola integral e, logo depois, passou a articular internamente entre o governo a iniciativa. Nesse sentido, Corinto destaca o quão importante foi o apoio do governador Tião Viana e de outros gestores de pastas estaduais para concretizar a ideia.
Parceiros apostam alto na recuperação dos jovens
“Tivemos sempre amplo apoio do governador para fazer esta reformulação no sistema, do secretário de Educação, Daniel Sant’ana, e do diretor do Instituto Dom Moa-cyr (IDM), Marco Brandão, e dos diretores do Instituto Federal do Acre (o Ifac) para aplicar as aulas e os cursos. Além disso, tivemos ajuda do Sest/ Senat, que oferece cursos de frentistas habilitados para estes jovens; do Pronatec, que beneficia os nossos adolescentes de várias formas; do Sistema ‘S’ do Sinase e de muitos outros. Sem eles, seria impossível viabilizar este projeto da escola integral”, agradeceu Corinto.

Outros parceiros importantes para a criação da ‘nova Darquinho’ foram o juiz titular do Juizado da Infância e Juventude, Dr. Almir Branco, e a 2ª Promotoria Especializada de Defesa de Infância e da Juventude do MPE, através da figura do promotor Francisco Maia.

E, com o êxito desta estratégia pioneira, muitos sistemas socioeducativos pelo país afora podem copiar esta metodologia prática para fazerem modelos semelhantes de escolas. Com todo este sucesso, a escola Darquinho deve atrair muito mais parcerias. Bem como a parceria que o ISE/AC está planejando firmar com a concessionária da Capital Star Motors, que visa oferecer aos adolescentes um curso de mecânica e manutenção de motos. A equipe do ISE e da empresa iriam discutir mais detalhes para a parceria na tarde de ontem (18).

“Todos os parceiros apostam muito no sucesso dos nossos jovens e isso é muito importante para eles, os adolescentes”, finalizou o diretor-presidente do ISE.

Centro de Saúde aberto para toda a comunidade
Um último diferencial da remodelada Escola Darquinho será o seu Centro de Saúde. Todo reformado, o local conta com unidade ambulatorial, odontológica, de curativos, médica e de enfermagem. Inicialmente, o centro de saúde no colégio foi feito para atender a demanda interna dos adolescentes da Darquinho e do CS vizinho, o Aquiry. No entanto, este centro ficou tão bem estruturado que ele deverá, a partir do início de 2013, com mais alguns ajustes, ser aberto para prestar assistência para toda a comunidade do Apolônio Sales e bairros adjacentes.
Centro vai dar ampla assitência aos adolescentes
Assim que o centro estiver 100% finalizado, o Dr Henrique Corinto conta que 2 equipes médicas estarão disponíveis para atender a população local. Como o terreno do antigo CS Acre (e hoje reconhecido apenas como ‘Escola Darquinho’) terá reduções no aparato de segurança por não ser mais uma unidade de regime de internação encarceradora, será aberta uma porta de entrada lateral que dá acesso direto da comunidade de fora para o centro da Darquinho, que funcionará como mais uma unidade de atenção básica de Saúde.     

A Gazeta do Acre: