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Desfaçatez

 Antístenes de Atenas (444-356 a.C.) e Diógenes de Sínope (413-323 a.C.) seguidores da filosofia socrática são os fundadores da Escola Cínica, que pregava a volta à vida em estrita conformidade com a natureza e, por isso, se opunham radicalmente aos valores, aos usos e às regras sociais vigentes. Antís-tenes, dizia que o prazer, bem como a fama e a glória é um mal. O cinismo como filosofia antiga nos diz ainda, que nem a posse das riquezas, nem a abundância das coisas, nem a obtenção de cargos ou o poder produzem a felicidade e disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza. Um dos problemas dessa teoria e prática de vida é que o cinismo ou desfaçatez apontava os defeitos de seu tempo, mas não oferecia valores alternativos. Deste modo, a palavra “cinismo” acabou adquirindo caráter pejorativo de ironia.

Atualmente os detentores da vida cínica não fazem objeção à posse das riquezas ilícitas, uma vez que essa modalidade de vida caracteriza-se pela desvergonha, desfaçatez e descaramento, principalmente no seio das empresas lobbystas de quaisquer níveis, que estão aí para desenvolverem batalhas de mercado e comandar “esquemas de fraudes” entre outras atividades não lícitas, numa competição que só cheira a roubalheira.

Vergonhosamente, é no seio de algumas igrejas “evangélicas” que essa vida cínica, desavergonhada, com bafo de perversidade, se agiganta em seu grau mais elevado. É aqui, nessa atividade que deveria enaltecer o Reino de Deus, que essa atitude extremamente egoísta e desonesta, produto da busca desenfrea-da do homem pelo poder e realização pessoal desmedidos, nem que para isso tenha que esfolar, nessa corrida louca, o seu semelhante, se faz presente de forma aguda.

A revista norte-americana “Forbes” publicou recentemente, em seu site, o elenco de  pastores evangélicos mais ricos do Brasil. A lista é encabeçada de longe pelo líder da Igreja Universal do Reino de Deus, bispo Edir Macedo, com riqueza estimada em US$ 950 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão) e dono de empresas que incluem, entre outras, a Rede Record, o jornal “Folha Universal” e uma gravadora de música gospel. Em segundo na lista de pastores abastados, a ‘Forbes’ coloca o apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus e dissidente da Universal, de onde saiu para fundar a sua própria vertente. Segundo a revista, sua fortuna soma US$ 220 milhões (R$ 450 milhões). Logo atrás, pasmem, aparece Silas Malafaia (US$ 150 milhões, ou R$ 305 milhões), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, R.R. Soares (US$ 125 milhões, ou R$ 255 milhões), da Igreja Internacional da Graça de Deus, e o casal Estevam e Sônia Hernandes (US$ 65 milhões, ou R$ 130 milhões), da Renascer em Cristo.

Os valores citados no site da revista não são oficiais. As estimativas foram baseadas em informações publicadas na imprensa brasileira com dados do Ministério Público e da Polícia Federal. “A religião sempre foi um negócio lucrativo. E se você for um pregador evangélico brasileiro, as chances de você encontrar uma mina de ouro são bem grandes”, diz trecho da reportagem.
Entrevistado, Silas Malafaia, notadamente no programa “de Frente com Gabi” não desmentiu a reportagem da revista “Forbes” pelo contrário confirmou os valores movimentados pela igreja: “Na Rede TV, pago R$ 900 mil por mês. Na CNT, pago R$ 450 mil para ter o horário na programação. Malafaia também comentou sobre a remuneração dos pastores da sua igreja. “Tenho pastores que ganham entre R$ 4 mil e R$ 22 mil”.

Pela postura, assumidamente pragmática, podemos deduzir que esses “guias de cegos” seguem à risca o Evangelho Segundo Mamom. Na Versão Síria, a palavra Mamom, significa “dinheiro”, ou “riqueza”, e é usada para contrastar o culto de adoração ao dinheiro com o de adoração devida a Deus (Mt. 6.24). Espíritos mercenários e  apascentadores do próprio ego, esses vendilhões da fé já não conseguem desfrutar de Deus, porque a missão que receberam “do alto” (se é que receberam) é atrapalhada pela indulgência dos seus desejos e atos ilícitos.

Para esses “filhos de mamon” que produzem e apresentam programas de televisão fabricados para imbecilizar, e que oferecem o céu sem falar da cruz. Para os tais, apesar do cinismo e  desfaçatez da maioria deles, contrariando Og Mandino, O maior vendedor do mundo, a seguinte assertiva do teó-logo e filósofo Israel Belo de Azevedo, serve como advertência: O Evangelho não é mercadoria; os pregadores não são vendedores e; os ouvintes, de qualquer camada social, não são compradores.   

  Experimento, nos dias atuais, a mesma sensação de desconsolo espiritual que afligia o mundo cristão na época da Reforma, provocado pela dificuldade de sentir a graça divina; porquanto o que se nos apresenta, no cenário das igrejas evangélicas, é só ostentação e riqueza. Não é ser leviano afirmar que essa corrida sem freios, das lideranças evangélicas, rumo ao reino das posses terrenas, custe o que custar, evoluiu para um patamar que, em sã consciência, não é mais possível avaliar os estragos.
Depois do recesso de carnaval, se forças ocultas não impedirem, volto ao assunto.

E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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