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Santa e pecadora

Dentre os graves erros históricos da Igreja  Católica, bem longe, inclusive da presunção de  única herdeira da revelação divina, de que é infalível e divinamente inspirada, que o Papa é o mais digno representante de Deus, uma espécie de regente do Altíssimo. Que seus crimes de obscurantismo, perseguição e massacre, que se perpetraram por séculos, foram da inteira vontade do Pai Eterno. Muito além de tudo isso, o erro crasso da Igreja Católica foi o de ter pretendido induzir milhões de pessoas de que seus dogmas estavam  além e acima da razão e de qualquer dúvida.

Esqueceu-se por séculos, notadamente a cúria (escritório administrativo do Vaticano) que a igreja é constituída de homens e mulheres que se inserem e se encarnam na realidade dos valores humanos, no trabalho, no comércio, na vida  social, na cultura, na política, nas alegrias e tristezas, nas angústias e esperanças comuns a todos os homens. Neste exato momento temos cristãos vivendo as agruras das calamidades terrenas, como é o caso de milhares de famílias das pequenas cidades da região serrana do Rio de Janeiro. Acometidos novamente da mesma tragédia, que se repetem anos após ano, especialmente por causa do descaso das autoridades daquele Estado.

A Igreja teimosamente quer ignorar que há no seio de todas as religiões e denominações cristãs, aquém dos homens e mulheres de caráter ilibado, que dedicam com grande sacrifício suas vidas à causa sacerdotal, muitos professos religiosos que, debaixo da alegação de que “a carne é fraca” sucumbem aos desejos da carne, caso  p.ex. do padre Emilson Soares Côrrea,  filmado recentemente em flagrante ato sexual com uma jovem, numa das dependências  do prédio que abriga a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no bairro do Cubango, em Niterói.

O fato, fraqueza no campo sexual, somado a outros tantos que se sucedem por aí afora, mostra que a Igreja Católica, precisa rever urgentemente essa questão da exigência celibatária para seus vocacionados. Creio que o casamento ajudaria, e muito, os líderes religiosos, hoje solteiros, a não sucumbirem à pressão de um mundo que vive, à flor da pele, a volúpia e a devassidão se-xual explícita. Esses personagens religiosos fraquejaram, principalmente, porque estão inseridos no seio de uma igreja que permanece fiel às práticas monásticas medievais que escravizou e destruiu miríades de padres;  igreja que se conserva amarrada às antigas ideias de teocracia ou as velhas distinções entre Deus e o mundo, o sagrado e o profano. Essa religiosidade, arcaica, produziu, através dos séculos, homens e mulheres oprimidos por um poder  tirânico, que não é, em hipótese alguma o poder de Deus. Em função dessa grande carga “missionária”  ou “sacerdotal”, e com a consciência pesada, muitos genuínos servos de Deus, não raras vezes, se auto-flagelavam  isso quando não buscavam o suicídio.

A propósito de autoflagelação, temos na brilhante narrativa Padre Sérgio, do escritor russo  Leon Tolstói (1828-1910),  o relato da vida de um padre que pretendia ser o melhor de todos os monges possíveis, desejava a excelência de todas as virtudes vocacionais. Não foram poucas às vezes em que teve que se enclausurar em “cela de eremita cavada na encosta da colina do mosteiro”, para fugir dos apetites carnais. Certo dia, conta à narração brutal do ficcionista e novelista Tolstói no afã de resistir ao assédio sexual duma bela mulher, sensual e tentadora, padre Sérgio corta um dedo da própria mão com um machado para lenha. O fato impressionou de tal maneira a mulher “pecadora” que esta, depois do incidente, abandonou o mundo e entrou para um convento.  Portanto, a  Igreja Católica tem se caracterizado, através dos séculos, pela mistura de esperança e terrores, caridade e crime, beleza santa e pecado. Igreja santa e pecadora!

Com o Papa Francisco, por tudo que já mostrou numa única semana, ressurgem as esperanças de que a Igreja Católica saia do “gueto” que mantém seus fiéis isolados dos malefícios do mundo, para colaborar na construção de uma sociedade justa e fraterna. Ao cristão não é lícito retirar-se para a vida totalmente contemplativa; vida alheia dos grandes conflitos comuns da humanidade. Sobretudo, porque a cada dia aumenta nos fortes, nos poderosos e nos espertos sem escrúpulos, a capacidade de manipulação e os meios de escravizar os fracos. Realidade que nos remete a uma urgente necessidade de se estabelecer uma moral cristã capaz, como queria o filósofo Emmanuel Lévinas, de proteger o homem contra o próprio homem.

E-mail: assisprof@yahoo.com.br 

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