François-Marie Arouet Le Jeune (1694-1778) cognominado Voltaire, no seu Tratado Sobre Intolerância, considera o fanatismo religioso como o maior dos males. Todos devem perdoa-se e respeitar-se, porque ninguém pode dizer que conhece verdadeiramente a Deus. E mais: todas as religiões estariam sujeitas ao erro.
Voltaire, nesta obra, começa com um relato do episódio Calas um dos mais drásticos casos de intolerância religiosa, que teve como consequência a morte trágica de Jean Calas, um protestante calvinista, que fazia parte dum pequeno grupo de huguenotes em Toulouse. Para Voltaire o julgamento e execução de Jean Calas parecia anunciar o retorno da França à Idade Média e à Inquisição. O julgamento, a tortura e o assassinato, todos foram produzidos pelo “braço secular”, mas com o apoio do fanatismo popular engendrado pela doutrina religiosa, pela cerimônia e pelo ódio. Calas foi condenado injustamente por impiedade numa Corte cristã.
Voltaire definia a tolerância, partindo do seguinte conceito: “Proponho, assim, que todo cidadão seja livre para seguir sua própria razão e para acreditar no que quer sua razão, iluminada ou iludida. Certamente, desde que não perturbe a ordem pública… Assim, os homens devem evitar o fanatismo de modo a merecer a tolerância”.
Abre-se parêntese para sugerir ao leitor que pesquise no Google, sobre o massacre da família Calas. Caso só encontre fragmentos do assunto, pode fazer contato com este articulista que teremos imenso prazer em indicar literaturas que sobejam sobre a questão.
De volta aos nossos dias, parece incrível para nós, hoje em dia, que qualquer pessoa acreditasse que viveríamos o agravamento da intolerância religiosa, notadamente no Brasil. Afinal, não estamos no Irã onde, dizem as más línguas, estão cortando o clitóris ou clitóride (do grego kleitoris) danificando as vulvas, obviamente, das mulheres que são pegas em atitude suspeita de serem lésbicas; aos homens declarados homossexuais é destinada a forca, com enforcamento em praça pública.
No Brasil que se arroga possuir 123 milhões de católicos e, agora, conta com uma população de 42, 3 milhões de “fiéis” evangélicos, não deveria mais haver posturas fanáticas como a do deputado federal Marco Feliciano, possuidor de um discurso ético religioso reacionário. Reacionário porque tenta mostrar um estado de exaltação de quem se crê, no caso o deputado Feliciano, possuído por Deus e, portanto, imune do erro. Talvez, à luz do plausível, essa intolerância religiosa ainda perdura no país, porque continuamos pensando como massa manobrada e iludida. Pensamos por atacado, como uma multidão, e as multidões podem sentir, mas não podem pensar. Exemplo crasso do que afirmo é essa multidão que, diariamente, permeia os “templos” e galpões, depositando aos pés dos “líderes religiosos caris-máticos” suas esperanças de solução para suas agruras terrenas.
Por outro lado, os cristãos que são sérios quanto à inquirição espiritual são exortados a imitarem o Senhor Jesus Cristo, quanto à tolerância, suportando-se uns aos outros em paciência e humildade. Hoje, ideias de grande aceitação acerca da igualdade e dos direitos humanos questionam atitudes de preconceitos no campo do comportamento sexual: O concubinato, a poligamia, a prostituição ritual e a homossexualidade. Agora tudo está aberto ao debate, até mesmo práticas anômalas, e todas as culturas e religiões estão sujeitas a um novo exame crítico.
Chico Guizot, em seu livro, História da Civilização na Europa, argumenta que a tolerância faz parte essencial do cristianismo, e que quando a tolerância não existe, a fé cristã é pervertida pela intolerância. A anarquia e o despotismo são polos, e ambos levam à estagnação. Mas, ocupando posição intermediária, a tolerância dá margem ao progresso e ao entendimento. Considerar o que é bom para o bem público, e também respeitando os fundamentos da fé cristã.
Entendo também, como intolerante as campanhas de movimentos gays na direção da Igreja Católica, pois, se há um seguimento, cujo comportamento gera controvérsia no seio da sociedade, que foi e tem sido tolerado, ao longo dos anos, pela Igreja Católica, o campeão deles é o homossexualismo. Provavelmente até inspirado pelo espírito tolerante de Cristo, que durante sua vida terrena, apesar de condenar o que nós cristãos chamamos de pecado, demonstrou tolerância com o pecador. Cristo não exibiu o espírito de ressentimento e retaliação e repreendeu tal atitude em seus discípulos (Lc. 9.54).
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