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Imediatismo perigoso

O mundo vive um imediatismo perigosíssimo, talvez tão perigoso  quanto o tão badalado aquecimento da Terra. É inegável que a inclinação do homem da sociedade hodierna tem sido a satisfação imediata, rápida e instantânea dos seus desejos. É assim em quase todo o segmento da vida: econômica, sexual; espiritual ou religiosa; na educação; na política etc. Tudo tem que acontecer imediatamente: transformar logo, dar emprego para todo mundo, agora; moradia para todos, já. Quando se sabe, por exemplo, que a educação não pode ser imediata, pois os resultados não são imediatos; a religião não pode ser da noite para o dia, pois os valores morais e espirituais são perenes, firmes e quase sempre de resultados em longo prazo ou mesmo eternos.

Esse imediatismo, provavelmente  causador dos grandes males do homem, é um tema exaustivamente abordado desde a antiguidade já que as primeiras discussões sobre a possibilidade de o prazer constituir a finalidade última do homem tiveram provavelmente lugar no clima altamente ético, e subjetivista, da geração de Sócrates e dos Sofistas. O homem que representa a sociedade de hoje assemelha-se a tal Cálicles, citado por Sócrates como alguém de espírito extremamente hedonista, insaciável em seus prazeres. Essa filosofia de vida assaz hedonista se faz presente em todos os segmentos da sociedade atual. Infelizmente!

Arvoro-me, em nome dessa linha de pensamento, com o devido respeito, aos renomados pensadores do passado e do presente, em dizer de forma “jurássica” que vivemos a plenitude da “idolatria à tecnologia. O avanço da tecnologia, que trouxe bem-estar e comodidade para nós, sociedade gastronômica, infelizmente colabora grandemente para aumentar essa inclinação exagerada que o homem tem pelos bens de consumo. A começar pela televisão, o mais digno representante dessa filosofia de consumo exacerbado, onde com um controle muda-se para o canal que se desejar, numa verdadeira paranoia, passando pelo fantástico mundo da Internet, com tudo disponível, a nosso bel prazer;  ofertas que nos são oferecidas exaustivamente pela mídia, munição para todos os “nossos” desejos serem satisfeitos.

Assim, estava certíssimo na sua assertiva, o sociólogo Arnold J. Toynbee (1889-1975) ao apregoar em dias idos, que o mundo, notadamente a civilização ocidental, estava em declínio, e eram visíveis as inúmeras “tendências suicidas”: idolatria pela tecnologia; proliferação de armas nucleares, conflitos frequentes; nacionalismo; consumismo;  ganância; tratamento desfavorável para com o mundo em desenvolvimento; e egocentrismo.

Vale ressaltar que o egoísmo, fonte de angústia e sofrimento, gera uma atitude ilícita, em relação ao nosso próximo. Essa atitude delituosa é  um mistério, um enigma para o pensamento. Por isso, diria Jankélevitch, somos forçados  a afirmar, por assim dizer, que somos homens e mulheres, de estrutura criminosa por natureza, uma espécie de culpa original. Daí, a luta pela existência que  naturalmente  é  uma luta pelo prazer; torna-se luta existencial  organizada no interesse da dominação.

Não tenho vocação para pitonisa, que na antiguidade previa o vindouro, contudo  concernente ao futuro do mundo, enquanto sociedade urbana, é notório que o homem caminha, a passos largos, na direção dum buraco, presumivelmente, maior do que o buraco na camada de “ozônio”, que dizem ser essencial para proteger os seres vivos das radiações provenientes do sol.

Conta-se que um escritor, desses que vivem a devanear, certo dia  imaginou uma grande metrópole sob a  mortalha de um ataque atômico  fictício. Toda a eletricidade foi cortada, as reservas de gasolina esgotaram-se; água, só a dos rios poluídos, e a vida se processando em condições elementares. Carros de luxo eram trocados por galinhas caipiras, já que os frangos transgênicos congelado dos frigoríficos e supermercado apodreceram. Lanchas sofisticadas eram oferecidas em troca por outros alimentos essenciais. Os sobreviventes,  perplexos, compreenderam que a maio-ria das coisas pelas quais tinham lutado e atormentado o cérebro para conseguir eram inúteis diante das necessidades básicas da vida.

Quem sabe  se nós que esta-mos em meio a essa filosofia do imediatismo, de consumo exacerbado, pudéssemos com-preender, em tempo hábil, o que aqueles sobreviventes compreenderam. Talvez o destino do mundo, para o qual estamos marchando, pudesse ser evitado.

 * Francisco Assis é professor e pesquisador  Bibliográfico.
E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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