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Basta de descaso com a ciência e tecnologia brasileira!

Evandro Ferreira*
Sob pressão das massas que saíram em protestos por todo o Brasil, a presidente Dilma revelou em pronunciamento na semana passada que pretende destinar 100% dos recursos obtidos com os royalties do petróleo para educação. Um gesto de grande nobreza, sem a menor dúvida, mas que poderá trazer sérias conseqüências para o futuro do país. Não, não pensem que eu sou contra que os governantes promovam maiores investimentos em educação. Muito pelo contrário. Entretanto, ao defender a aplicação integral dos royalties apenas na educação, a presidente vai deixar a descoberto, e quase à míngua, um setor fundamental para o progresso do país: a ciência e tecnologia.

Em abril passado o ministro da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antonio Raupp, denunciou durante audiência pública no Senado Federal que a lei dos royalties do petróleo, além de prejudicar projetos de ciência e tecnologia, deixaria sem recursos o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

O FNDCT é a principal fonte de recursos para o apoio às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país. Ele tem mais de R$ 200 bilhões em ativos e tem financiado de forma maciça as atividades de pesquisa científica, aquisição e melhoria de instalações, e projetos institucionais de centros de pesquisa e universidades públicas e privadas do país. Embora o fundo seja composto por recursos arrecadados via contribuições das empresas aos chamados fundos setoriais, o petróleo é a mais importante fonte de recursos para o fundo, representando cerca de 45% de sua arrecadação. Destinar 100% dos recursos oriundos dos royalties do petróleo para a educação vai comprometer de forma significativa o poder de investimento em ciência e tecnologia do país.

A crise no financiamento da ciência e tecnologia no Brasil ainda não se instalou porque a lei dos royalties, embora promulgada pela presidente Dilma Roussef, não entrou em vigor em razão de disputa judicial fomentada pelos estados responsáveis pela maior parte da produção de petróleo, que não aceitam as modificações no sistema de distribuição dos royalties conforme consta na lei.

Segundo o Ministro Marco Antonio Raupp, apenas em 2012 o total de recursos aplicados no fundo foi R$ 4,4 bilhões. Sem esses recursos, o MCTI perderia o poder de fomentar e direcionar os investimentos em áreas prioritárias de ciência e tecnologia do país, desarticulando quase que por completo os ganhos que a nação teve nas duas últimas décadas. Sem esses recursos, a população brasileira não poderá cobrar dos pesquisadores e universidades soluções tecnológicas para melhorar a produtividade do setor agroindustrial. É bom que se diga que a falta de investimento poderá transformar o país de exportador a importador de alimentos, como ocorria nas décadas de 70 e 80.
A falta de compromisso e visão do governo Dilma para com a ciência e tecnologia é preocupante. Segundo Marco Antonio Raupp, houve um crescimento consistente e significativo do orçamento do MCTI durante o governo Lula, mas no primeiro ano de Dilma Roussef, houve uma queda. O reflexo desse descaso foi que em 2013 o orçamento do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, ligado ao MCTI, foi contigenciado e a instituição ficou sem dinheiro até meados de maio. É isso mesmo! Depois de quase 10 anos sem ‘crise orçamentária’, a instituição ficou paralisada, com dificuldades de pagar suas despesas correntes de água, luz e telefone. Voltamos aos tempos de crise do Governo FHC.  
Se a presidente Dilma cumprir sua promessa de destinar 100% dos royalties do petróleo para a educação, o orçamento do MCTI irá voltar ao patamar de 2010. A crise no setor será grave e as conseqüências para o desenvolvimento econômico do país de igual monta.

Estamos acostumados a ver diariamente na imprensa manchetes retratando avanços técnicos e científicos nas mais diversas áreas do conhecimento humano. A virtual cura da AIDS, os avanços nos tratamentos do câncer, aumentos espetaculares na produtividade de cultivos agrícolas, melhorias na produtividade das criações de animais. Tudo isso tem um preço – o investimento em ciência e tecnologia – e quando dá certo, o custo benefício para a sociedade é quase inestimável. A independência científica e tecnológica do Brasil também tem um preço, e ele não é barato. Mas vale a pena porque nesses casos a soberania do país está em jogo. Investimentos em ciência, tecnologia e inovação são imprescindíveis para que a economia brasileira se torne moderna e sustentável, e sua produção, tanto industrial como agrícola, tenha competitividade nos mercados globais.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, a mais importante sociedade científica brasileira, já deixou claro que não é contra o investimento em educação, mas sua presidente, Helena Nader, bióloga molecular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alertou que o país poderá deixar de “alimentar a galinha dos ovos de ouro”, pois considera que é a pesquisa científica que sustenta boa parte da economia nacional, em setores como o da agricultura e do próprio petróleo.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.

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