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O ‘crime’ do Partido dos Trabalhadores

Diz o senso comum que política, futebol e religião não se discutem. Na verdade, o que não se pretende que se discuta, tal qual um dogma, verdade inquestionável em torno da qual não se admitem dúvidas, é a política. A história comprova que futebol e religião já foram utilizados – como ainda são, em diversas ocasiões – para tirar o foco da política, como na Copa de 1970, quando, em meio a uma ditadura brutal, torturadores interrompiam suas sevícias para assistir aos jogos da seleção canarinho, ou na colonização da América Latina efetivada por portugueses e espanhóis, em que a disseminação da fé católica era usada como ponta de lança na defesa de interesses econômicos e na dominação dos povos nativos. Os políticos são artífices da lei, que disciplina todos os campos sociais. É da política que nasce o futuro, e é por isto que os políticos de esquerda, que almejam um futuro diferente da ordem atual, são tão perseguidos.

O homem é um animal político, já dizia Aristóteles, com base na constatação de que a política tem como conceito fundamental o recurso, que é algo que o homem não tem consigo, mas a que precisa recorrer, ou seja, buscar fora de si, para o atendimento de suas necessidades, sempre mais abundantes que os recursos disponíveis. O homem, ao contrário dos outros animais, não nasce pronto. São os recursos que ele consome que vão determinar o que vai se tornar: camponês, operário, jornalista, policial federal, juiz. Se os recursos da Terra fossem ilimitados, não haveria conflitos, que nada mais são do que as disputas pelos recursos disponíveis, que o Direito busca pacificar. A política, que segundo Carl Schmitt, diz respeito à partilha dos recursos, estrutura-se em duas categorias: amigo, que é quem proporciona o acesso a determinado recurso, e inimigo, aquele que priva alguém de certo recurso.

O principal recurso é a informação, capaz de proporcionar acesso a todos os outros. Por isso é que ela é negada de forma sistemática à maioria da população, seja pelos meios de comunicação de massa, que insistem em propagar conteúdos que não despertam as potencialidades de que todas as pessoas são dotadas, seja pelo ensino formal, cujos níveis mais elevados ainda são vistos como privilégios da elite econômica, e não como um direito universal.

Classes sociais são agrupamentos de pessoas que gozam de um consumo semelhante de recursos. Por consumirem produtos similares, tendem a pensar da mesma forma, daí as afirmações de Marx de que não existe opinião individual, mas sim de classe, e de que a história de toda a sociedade até hoje tem sido a história das lutas de classes. Como não contam com informação suficiente, as classes mais desfavorecidas não conseguem enxergar as razões de sua pobreza material, chegando a acreditar que são culpadas pela sua própria carência, ou seja, acham que é a sua biografia, e não a História, que explica as suas deficiências, tal qual propaga a falácia da meritocracia. Dito de outro modo, os pobres, em geral, não têm consciência de classe, ao contrário dos ricos, que só conseguem manter seus privilégios se agirem de forma monolítica. Só assim é possível entender como os 2% mais ricos da população adulta detêm mais de 50% dos ativos mun-diais, enquanto os 50% de pessoas mais pobres detêm apenas 1% da riqueza do planeta, conforme divulgou a ONU em 2006.

É nesse contexto que deve ser interpretada a campanha sistemática de desmoralização por que vem passando o Partido dos Trabalhadores, que como representante das classes populares, cometeu o crime de ter reduzido a desigualdade de renda no Brasil ao menor nível em 30 anos, consoante dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2011. Politicamente, há duas posições básicas: ou se deseja que as coisas permaneçam como estão, quando se é conservador, ou se pretende que elas mudem, atitude dos progressistas. É evidente que as classes privilegiadas não estão dispostas a ceder um milímetro de seus privilégios, por isto se valem de todos os seus instrumentos, principalmente a mídia e o judiciário, que não por acaso é formada majoritariamente por integrantes das classes dominantes (infelizmente, seus integrantes oriundos das classes desfavorecidas quase sempre se esquecem de suas origens).

A criminalização por que vem passando o PT não tem precedentes na história do Brasil, a ponto de ser vista como suspeita uma conversa entre um senador da república petista e um desembargador, num encontro casual no aeroporto, como noticiou a imprensa acreana. Felizmente, os ataques por que vem passando o PT ocorrem mais em decorrência de suas virtudes do que seus vícios, do desejo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, que longe de ser uma meta utópica, é um dos objetivos insculpidos na Constituição Federal de 1988.

As conquistas recentes da população mais pobre não estão livres de retrocesso. Mais do que consolidá-las, é necessário avançar, mesmo porque, apesar da queda na desigualdade, os 40% mais pobres ganhavam, em 2011, apenas 11% da riqueza nacional. O ex-presidente Lula disse recentemente que um dos seus maiores feitos foi ter saído do poder sem odiar aqueles que o odeiam. De fato, é um grande mérito, ainda mais se for lembrado que o maior estigma que se pode carregar é a pobreza, da qual os ricos têm verdadeiro asco. Assim, à pobreza material dos desvalidos, contrapõe-se a miséria espiritual dos mais ricos, que se sujeitam dessa forma a perder a própria alma, como constatou o mais célebre dos cristãos.

Leonardo Lani de Abreu é professor no Curso de Direito da Universidade Federal do Acre (Ufac) leo-lani@hotmail.com

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