Nos últimos 10 anos o setor madeireiro no Acre abraçou com entusiasmo a exploração florestal manejada. Anteriormente, a madeira era oriunda do corte raso, ou seja, do desmatamento completo da floresta. Atualmente, se estima que mais de 90% da produção madeireira acreana seja oriunda de explorações baseadas em projetos de manejos florestais elaborados e aprovados juntos às instituições licenciadoras por empresas e profissionais do ramo.
Apesar desse avanço, o alto custo para a exploração da madeira na região tem feito com que os proprietários das áreas florestais ricas em essências madeireiras deixem de ser protagonistas e passem a exercer um papel que coadjuvante no processo, recebendo compensações financeiras que quase sempre não correspondem ao valor real que suas reservas florestais inexploradas representam ‘no papel’, antes de serem exploradas. Para explicar melhor este problema, expomos abaixo um breve roteiro sobre o processo de exploração de madeira manejada no Acre.
O primeiro passo é a seleção da área para a exploração. Obviamente que a floresta tem que ser rica em espécies madeireiras em idade de abate e livre de qualquer impedimento legal para a exploração. Áreas exploradas seletivamente no passado, incluindo aquelas de onde ser retiraram apenas algumas espécies como a cerejeira, cedro e cumaru, não são muito bem vistas pelos extra-tores, pois o custo para a sua exploração é maior em razão do menor volume de madeira que podem gerar.
O segundo passo é a contratação de um engenheiro florestal ou uma empresa especializada para elaborar o projeto de exploração. Esse é um passo crucial que garantirá não apenas o licenciamento da exploração, mas o maior ou menor ganho financeiro do proprietário da área florestal a ser explorado. Explico. Se o proprietário contrata a realização do plano de manejo, ele tem o controle do processo e tudo será feito para que seus ganhos sejam maximizados. Entretanto, a realidade da exploração madeireira no Acre não favorece os donos das áreas florestais que estão sendo exploradas.
Ocorre que em razão do alto custo para a exploração da madeira na floresta, a decisão de explorar uma determinada região depende mais dos compradores – serrarias e indústrias de beneficiamento – do que dos proprietários das áreas florestais. São os compradores, que possuem as máquinas, equipamentos e pessoal especializado, que decidem se vale ou não a pena explorar a madeira de uma ou várias propriedades, seja em projetos de assentamentos ou grandes fazendas de criação de gado.
A terceirização da exploração tem se generalizado a tal ponto que hoje, a iniciativa de verificar o potencial madeireiro da floresta, bem como de elaborar e aprovar o plano de manejo está nas mãos dos que irão adquirir a madeira, seja para uso em suas próprias indústrias ou para revender para indústrias de terceiros. Ao proprietário da floresta a ser explorada cabe apenas assinar as autorizações necessárias e atuar como mero observador do processo. Como argumentam os compradores, os vendedores de madeira não precisam investir seus recursos financeiros nem desperdiçar tempo procurando elaborar e aprovar os planos de exploração. Tudo fica a cargo das empresas exploradoras. Essa perspectiva de comodidade cobra, no final do processo de exploração, um alto preço para quem vende a madeira.
A terceirização faz com que o dono da área explorada embarque no processo de exploração de sua reserva florestal como um ‘parceiro’ das empresas que exploram a madeira, recebendo no final como pagamento apenas um percentual do volume da madeira retirada. Seu maior ou menor ganho financeiro irá depender de sua capacidade de negociação e conhecimento do processo de exploração. De outra forma, ele pode ser enganado. E as formas para isso ser feito podem ser variadas. Desde a alegação, por parte das empresas, de que tiveram um custo maior do que o esperado para a abertura das estradas para a exploração, até erros propositais que podem ser inseridos no plano de manejo com o objetivo de beneficiar os compradores. Isso inclui, por exemplo, fazer cubagem para menos nas árvores que serão exploradas, assim como identificar equivocadamente as espécies de modo que predominem aquelas com valor comercial inferior.
Uma iniciativa do Governo do Estado para garantir maior ganho para proprietários de pequenas áreas florestais é o manejo florestal comunitário de madeira realizado em algumas reservas e projetos de assentamentos extrativistas. Isso, no entanto, por razões de custos, não pode ser estendido para todo o universo de pequenos proprietários de áreas florestais do Acre. Por isso, as organizações às quais estes pequenos proprie-tários estão ligados, especialmente os sindicatos e associações rurais, têm que ter a iniciativa de buscar parcerias com instituições que possam ajudar na elaboração e aprovação de planos de manejo de exploração dos recursos florestais de seus associados. Com esses planos aprovados, o poder de barganha desses produtores na hora de discutir seus ganhos financeiros com as empresas exploradoras será bem maior.
Diante desse cenário, a modernização das entidades de classes rurais no Acre é premente e deve ser exigida pelos seus associados. Assumir cargos de direção em sindicatos e associações de produtores apenas para obter ganhos políticos é algo que, no contexto atual, soa extremamente ultrapassado e, como mostramos acima, só beneficia aqueles que sempre se aproveitaram da falta de organização e visão econômica dos produtores. Foi assim no auge da exploração da borracha e no primeiro ciclo de exploração de madeira verificado no Acre entre os anos 70 e 90, quando apenas os donos dos seringais e os proprietários das serrarias embolsaram os lucros decorrentes dessas atividades econômicas. Parece coincidência que esses modelos de explorações desapareceram quase simultaneamente. Mas fora a questão temporal, um dos aspectos que contribuiu sobremaneira para a derrocada dos mesmos parece ter sido a falta de atrativo financeiro para uma das partes envolvidas, os produtores.
O sistema atual de exploração de madeira com forte predomínio da terceirização em quase todo o seu processo de produção também caminha para se tornar desinteressante para uma das partes envolvidas, os proprietários das florestas. Se ele desaparecer, o grande argumento para a manutenção de extensas áreas florestais no Acre desaparece junto. E já está provado que apenas a fiscalização e o controle não são suficientes para barrar a destruição de nossas florestas. É hora de agir para mudar o cenário sombrio da exploração madeireira no Acre.
* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre.