A sociedade brasileira, aos olhos de qualquer leigo, até minutos antes das rebeliões das ruas, bem poderia ser comparada a um edifício que está com sua base inteiramente comprometida, produto de uma arquitetura social confusa e, por conseguinte, necessitada de indispensáveis reparos, podendo desabar a qualquer hora.
Daqui deste espaço exíguo, cheguei a dizer que em 500 anos de história, o Brasil de vida em vida, no máximo, deixou o estágio de vidas secas (Graciliano Ramos) para alcançar o patamar de vidas patéticas (rea-lismo pós-moderno). Vidas inúteis.
No Brasil três quartos da riqueza existentes estão concentrados nas mãos de apenas 10% da população. Isto é, riquezas imensuráveis continuam nas mãos de poucos enquanto a miséria é privilégio de muitos. O consolo é saber que já foi pior!
Alguém pode dizer que essa “desigualdade esmagadora” é a realidade da história da humanidade, com tendência a se perpetuar, pois que chegou até aqui debaixo de grande dilema, o dilema do paradoxo humano, na minha ótica sem solução terrena, da convivência dos domi-nadores, ricos e poderosos, com os dominados, pobres e miseráveis, e das diferenças entre países de primeiro mundo com países emergentes do terceiro mundo. Desigualdade, aprofun-dada no Brasil, pelo perverso sistema tributário em vigor.
Entretanto, os meus ânimos se arrefeciam e quedavam-se à luz dos argumentos de humanistas históricos, pedindo que se dê um desconto para esses males, uma vez que a sociedade não foi organizada por legisladores filósofos, sociólogos ou teólogos, com base em princípios certos. A sociedade não é produto da lógica, com suas regras de silogismo, mas da história; é o trabalho contínuo das gerações, de acordo com múltiplas necessidades sempre em mudança. Por essa razão, suas bases são arbitrárias e, por serem arbitrárias: Caóticas!
O levante ou os manifestos das ruas rompeu com homem-massa, letárgico e despercebido quanto à cultura e as instituições em que vive, e suas realidades precárias. Neste caso, portanto, agia como um irresponsável; um especialista incapaz de enfrentar um problema geral; decidido em rejeitar a discussão. Afeito às imposições vulgares, impunha vulgaridade como direito e o direito à vulgaridade.
O povo que foi às ruas, em protestos veementes, cansou do direito de não ter razão, a razão da não razão. Novidade esta tanto mais clara se considerarmos o fato de que o homem brasileiro confiou totalmente, por séculos, sua vida ao poder público, ao Estado.
Deste modo, o Estado termina por parecer, para este homem do passado, uma espécie de mito, fantasma ameaçador, cuja sombra pairava continuamente sobre suas vidas, cujos sinais se encontram, ainda, por toda parte e que não veem nunca. É, entre outras palavras, providência maternal, mecenas, benfeitor, com tesouros inesgotáveis e liberalidade sem limites, mas ainda e sempre invisível e inacessível em seu próprio ser, diria J. Leclercq.
O Brasil que surge das ruas desconstrói e lança por terra, o homem que, no dizer de Ortega Y Gasset, “deu as costas aos valores da tradição liberal e introduziu na vida pública um estilo de ação baseado sobre a sistemática agressão e cancelamento do outro, sobre idolatria do chefe carismático e sobre o estatismo totalitário”.
Ademais, rompeu o invólucro da linhagem perversa do novo fascismo, inserido num contexto de “comunidade” que ao invés de se organizar para a consecução de fins coletivos, termina por fazer parte duma organização que tem por fim, na maioria das vezes, o interesse patrimonial, o prestígio e a glória dos governantes, pois é fato, inegável, que muitas vezes os governantes buscam o bem próprio e não o dos governados.
Deste modo, estão expostas as vísceras dos meninos viciados dos poderes vigentes. Poder público cujo “diagrama psicológico” caracteriza-se pela “livre expansão de seus desejos vitais e absoluta ingratidão para com tudo que tornou possível a facilidade de sua condição. “Casta consumista do erário público, do tipo que usa aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para fins pessoais. Esses meninos mal acostumados bem poderiam ser alcunhados de “mamãe eu quero mamar!”
O prédio desabou!