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O paraíso e o inferno na visão de um explorador de madeira

Em junho de 2006 a Polícia Federal e o Ibama desencadearam uma operação conjunta que resultou na prisão de dezenas de pessoas envolvidas com a exploração ilegal de madeira na divisa do Acre com Rondônia. Algumas semanas antes eu havia realizado um treinamento em identificação científica de árvores madeireiras para um grupo de ‘mateiros’ no Projeto Agro-extrativista ‘Chico Mendes’, também conhecido como Seringal Cachoeira, nas cercanias da cidade de Xapuri. Os moradores do referido projeto estavam iniciando o trabalho de exploração manejada de madeira e tinham interesse em aprender noções básicas sobre a identificação científica das plantas que seriam exploradas.

Dos cerca de 20 participantes do treinamento, um me chamou especial atenção, pois estava lá em razão de sua extensa trajetória no ramo de exploração madeireira e era, talvez, o que tinha mais ‘bagagem’. Era também o único participante vindo da área urbana e tinha acabado de chegar de Rondônia. Seu nome era Aliomar e tinha vindo para o Acre em busca de oportunidades no ramo madeireiro. Segundo ele, em Rondônia ele já tinha feito de tudo um pouco: foi empregado de serraria, dirigiu caminhão toreiro, e foi dono de serraria.

Durante o treinamento eu tive a curiosidade de perguntar ao Aliomar como estava o panorama da exploração madeireira em Rondônia. Segundo ele, lá era terra sem lei. Plano de manejo servia só para encobrir as ilegalidades cometidas pelos madeireiros. A relação Ibama x Madeireiro era comparável ao jogo de vida e morte praticado pelos gatos e ratos.

Nas suas palavras, madeira que compensava ser explorada em Rondônia só se fosse retirada das áreas de Reservas, ou seja, dos Parques Federais e Estaduais, das Reservas Extrativistas e outras áreas similares. E na maioria das vezes a lei não permitia tirar madeira destes lugares.

Segundo ele, a tendência do setor madeireiro em Rondônia era desaparecer no médio prazo, pois o negócio só andava porque o pessoal dava um jeito de pegar madeira das reservas, ou os donos das terras nestas reservas as vendiam de forma ilegal. A perseguição do Ibama era muito forte. Além deles, ainda tinha a Polícia Civil, a Militar, a Rodoviária Federal. Era necessário ter muito dinheiro para fazer o negócio caminhar sem ‘atrapalhos’.

Aliomar ficou impressionado enquanto caminhava no Seringal Cachoeira. Ele viu vários pés de Ipê, Angelim, Cumaru-ferro, Samaúma, todos em ponto de corte e localizados na margem dos ramais. Na sua definição, essas árvores ‘estavam dando sopa!’ Segundo ele em Rondônia isso não existia mais, pois os toreiros e madeiros davam um jeito de retirar essas árvores ilegalmente.

– Lá a coisa não era fácil. Quando tinha árvore de madeira assim na beira da estrada dava muito conflito e o dono da área se via obrigado a abater ele mesmo a árvore antes que outro a levasse.

Perguntei sobre a ação do Ibama. Ele disse que realmente eles são ‘um saco’, pois fazem muitas exigências. Entretanto, alertou que quando alguém conseguia uma autorização para transportar produtos florestais dava para passar várias cargas de madeira. Era só ter a sorte do Ibama não pegar o caminhão nas primeiras viagens:

– Dá para levar várias cargas de espécies madeireiras com características similares, pois os fiscais do Ibama não conseguem distinguir as toras de espécies mais raras.

Perguntei sobre o manejo sustentado da madeira e os planos de exploração praticados por lá. Segundo ele, na maioria dos projetos já foi feito o primeiro corte, o segundo e em alguns casos, o terceiro. Ele testemunhou um caso em que o madeireiro levou até ‘Embaúba’, que, segundo ele, não tem valor comercial que ele conheça.

A opinião dele sobre os planos de exploração manejada de madeira era bem pessimista.

– Não irão fazer diferença, mas é um mal necessário porque tá na lei. Ninguém vai comprar terra e tirar apenas as árvores uma única vez. Vão tirar tudo, limpar mesmo! Senão como vão pagar as despesas? De uma forma ou de outra, a madeira que for deixada para trás por planos de exploração madeireira vai ser retirada, legal ou ilegalmente. Foi assim em Rondônia e vai ser assim no Acre!

Aliomar era, provavelmente, mais um dos muitos madeireiros rondonienses que resolveram tentar a sorte no Acre, mas aqui eles, com certeza, não encontraram as mesmas facilidades que tinham por lá. Um aspecto positivo que a chegada desses novos empreendedores causou foi o aumento da diversidade de espécies madeireiras exploradas no Acre. Se estima que apenas cerca de 20 espécies são exploradas de forma mais ou menos intensiva no Acre. Aqui já passamos o ciclo do cedro, da cerejeira, e estamos chegando ao final dos ciclos do cumaru-ferro, cumaru-cetim e samaúma.

Aliomar afirmou que em Rondônia o número de espécies exploradas já tinha passado de 50. Segundo ele, na medida em que os estoques das espécies mais procuradas iam acabando, os madeireiros tinham que tentar a exploração de outras espécies deixadas para trás pelos pioneiros do garimpo de madeira praticado por lá a partir da ocupação daquele Estado em meados dos anos 80.

Durante o treinamento realizado no Seringal Cachoeira Aliomar demonstrou que conhecia muitas ‘espécies’ de madeira pelos nomes populares usados em Rondônia e Mato Grosso, suas principais utilidades, e as dificuldades para cortar as mesmas com motosserra e serra fita nas serrarias. Foi interessante ver Aliomar entrar na floresta e ouvir os mateiros acreanos dar nomes para espécies madeireiras que ele conhecia por outros nomes. Segundo ele, era como estar em outro país. Apesar disso, como mateiro, seu conhecimento de nomes populares das espécies madeireiras existentes nas florestas acreanas é praticamente inútil, pois os compradores locais não iriam reconhecer os nomes dados por Aliomar.

Para Aliomar, que cresceu em Santa Catarina, prosperou e foi à falência em Rondônia, a aposta no Acre, a última fronteira madeireira da Amazônia, parecia ser um pouco arriscada em razão da dificuldade de atuar ‘livremente’, como ele mesmo relatou sobre o que viu em Rondônia. De fato, temos que reconhecer que, ao contrário de outros estados da Amazônia, o Acre é um paraíso para quem quer explorar madeira. Em Rondônia, sul do Amazonas, norte do Mato Grosso e no Pará a atividade é sinônimo de ilegalidade e anualmente o Ibama e a Polícia Federal tem que realizar várias operações para coibir as ações dos ‘garimpeiros de madeira’.

Lembro que ao final do treinamento desejei boa sorte ao Aliomar na sua aventura acreana. Nunca mais o vi e não sei o que aconteceu com ele. Espero que seja um próspero manejador de madeira em algum canto da vasta floresta acreana.

* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC.


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