Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Palmeira Jaci: não devemos subestimar o nosso ‘babaçu’

 A maioria dos leitores conhece ou pelo menos já ouviu falar da palmeira babaçu (Orbignya phalerata). Estima-se que essa palmeira ocorra naturalmente em 17 milhões de hectares nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Amazonas e Pará. Essa ampla distribuição decorre da extrema agressividade da espécie na colonização de novos ambientes, especialmente áreas abertas pelo homem para a implantação de pastagens e áreas agrícolas. Essa característica natural da espécie pode ser considerada a principal razão para a virtual falta de pesquisas voltadas para a propagação da espécie visando o seu cultivo comercial.

 Além de muito abundante naturalmente, o babaçu se caracteriza pela utilidade dos seus frutos, que são usados na alimentação humana e animal, na produção de óleo vegetal para uso na indústria de cosméticos e de alimentos, e, mais recentemente, como biocombustível a partir do óleo extraído das amêndoas do coco (biodiesel) e biomassa para a geração de energia via produção de carvão da casca ou do coco inteiro. Essa última tendência de uso tem representado uma ameaça à renda de mais de 400 mil mulheres ‘quebradeiras do coco de babaçu’ que integram uma das atividades extrativistas mais importantes da Amazônia, de grande significância social no Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí.

 Antes do uso do coco para a produção de carvão vegetal, as quebradeiras de babaçu lutaram e ainda lutam para aprovar a lei do ‘Babaçu Livre’, que poderá lhes garantir livre acesso às palmeiras, mesmo em propriedades privadas. A valorização do coco em razão do seu uso para a produção de carvão – para atender às indústrias de ferro gusa no Pará – tornou a aprovação dessa lei quase impossível e abriu novas perspectivas para o aproveitamento de outras palmeiras nativas da região com comportamento ecológico e aproveitamento dos frutos similares aos do babaçu.

 Aqui no Acre nós também temos babaçu ocorrendo naturalmente no extremo nordeste do Estado, nas cerca-nias da divisa com Rondônia. São populações insignificantes e de pouco valor econômico, resultantes do avanço lento e inexorável do babaçu ao longo das pastagens abertas nas margens da rodovia BR-364. Entretanto, ainda vamos ter que esperar dezenas de anos para que o babaçu consiga se estabelecer no Acre de forma tão adensada, como vemos nas áreas de pastagens a partir da cidade rondoniense de Extrema.

 Felizmente nós temos uma espécie de palmeira nativa que se comporta ecologicamente de forma muito similar ao babaçu: o jaci (Attalea butyraceae). A foto que ilustra esse artigo foi feita em uma pastagem localizada nas margens do Rio Macauã, em Sena Madureira. São centenas de indivíduos em um espaço de poucos hectares. Aqui em Rio Branco, pode-se admirar a agressividade do jaci nos pastos e campos sujos existentes ao longo da Via Verde, entre o entroncamento que dá acesso ao Amapá e a ponte sobre o Rio Acre. A espécie é, literalmente, uma praga de pastagens e áreas alteradas pelo homem.

 Ao contrário dos frutos do babaçu, os frutos do jaci são comestíveis in natura. Isso é particularmente verdadeiro para as plantas que ocorrem nas cercanias da cidade de Sena Madureira. Entretanto, aqui nas proximidades de Rio Branco os frutos apresentam a polpa muito fibrosa e seca. É um mistério científico que precisa ser esclarecido. Curiosidades científicas menores à parte, o jaci não tem no Acre a mesma importância socioeconômica do babaçu. Por isso não existe, presumimos, perigo de uma lei do tipo ‘Babaçu Livre’ ser proposta.

 O que fazer, então, com milhares de toneladas de frutos de jaci que anualmente se decompõem nas pastagens da região central e leste do Acre?

 Como não vivemos em período de escassez de alimentos e de energia, a tendência é que a resposta mais frequente a essa pergunta seja: ‘nada’, ‘para que perder tempo com isso? Nossas prioridades são outras!’ e assim por diante. Nesse ponto, e como forma de discordar desse tipo de atitude, apresentamos abaixo uma rápida avaliação do panorama relacionado com a produção e distribuição de energia elétrica no Acre.  

 Cerca de 95% da matriz energética do Estado depende da queima de combustíveis derivados do petróleo ou de hidroenergia produzida em outros estados. A arrecadação de impostos em função da produção de energia no Estado é irrelevante. E essa situação irá piorar quando a interligação do Vale do Juruá for concluída. Estima-se que na atualidade apenas 85% dos 750 mil habitantes do Estado sejam atendidos com eletricidade, indicando que mais de 100 mil pessoas ainda estão excluídas desse acesso. A maioria desses excluídos vive, como acontece em outras regiões da Amazônia, isolada na floresta ou em pequenas comunidades do interior onde a extensão da rede de distribuição elétrica convencional é economicamente inviável.

 Para levar energia elétrica até esses excluídos vai ser preciso implantar sistemas descentralizados de produção, adotar soluções criativas e usar fontes alternativas que privilegiem a vocação energética local. E que alternativas temos?

 Usar energia solar e eólica não parece ser a melhor opção em razão do alto custo e de nossas condições naturais (ausência de ventos).  

 Biocombustíveis e biomassa? Parecem ser as melhores opções considerando que em qualquer uma das situações, a matéria-prima para gerar a energia existe em abundância em nossas florestas e campos cultivados. Não dá para negar: é uma vocação natural! Negar o seu aproveitamento é agir sem bom senso.

 Eu sei que muitos podem até desdenhar e que catar ‘coquinho’ de jaci para produzir carvão vegetal visando a geração de energia soa algo fora de contexto diante de tanta exuberância energética representada pela conclusão das usinas hidrelétricas do Rio Madeira e da possível construção de uma dezena de usinas do mesmo tipo no vizinho Peru. Isso sem falar nas promessas de linhas de transmissão, subestações, centro de pesquisa em energia na UFAC, etc. As pessoas ficam cegas diante de tanta abundância.

 Eu não. Não tenho dúvida de que cedo ou tarde a situação poderá mudar e a busca ‘desesperada’ por novas fontes energéticas poderá se transformar em emergência nacional. Isso é típico do nosso país. E nessa condição emergencial os astutos formuladores de políticas públicas que insistem em ficar cegos às evidências e vocações energéticas locais, bem como o séquito de técnicos e pesquisadores que lhes dão suporte em troca de apoio financeiro, certamente engrossarão o grupo de catadores dos coquinhos e de outras matérias-primas locais que irão garantir parte da energia necessária para mover a economia nesse confim da Amazônia.

* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da Ufac.
* Cleison Cavalcante de Mendonça é concludente do curso de Engenharia Florestal na Ufac.

Sair da versão mobile