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Famílias expulsas de área na BR 364 estão morando embaixo de ponte e dentro de curral

 
As 218 famílias de produtores de uma área de terra de mais de 5 mil hectares vivem momentos de agonia, humilhação e revolta. Tudo começou no último dia 23 (quarta-feira), por conta de um cumprimento de um mandado de reintegração de posse das terras. Eles moravam e produziam uma variação de plantações, todas de subsistência.

 No dia 23, por volta das 8h da manhã, 1 ônibus, 1 van, 2 tratores e várias caminhonetes entraram no Ramal do Cacau, localizado no km 86 da BR 364, sentido Rio Branco/ Sena Madureira, ainda no território do Bujari. Sob o comando de 2 oficiais de Justiça, ‘jagunços’ da Fazenda Canary, protegidos por policiais militares liderados pelo comandante Major Giovanne, deram início ao pesadelo mais longo das 218 famílias.

Reintegração de posse de terra acontece sem assistência de órgãos competentes

 Foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em audiência pública envolvendo o Ministério Público Estadual, Defensoria Pública Estadual, Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Conselho Tutelar, representantes dos produtores rurais e representantes do fazendeiro. O acordo determinava a assistência e acompanhamento de todos estes órgãos durante o cumprimento do mandado de Reintegração de Posse. No papel deveria ser assim. Mas, na prática, fora a Polícia Militar e 2 oficiais de Justiça, nenhum outro representante dos órgãos compareceram ao ato. A ausência deles possibilitou abusos por parte dos ‘jagunços’ durante a execução do mandado.

 De acordo com os produtores, os oficiais chegaram às casas e alertaram aos moradores que a presença deles, dos ‘jagunços’ e dos policiais militares era para o cumprimento do Mandado de Reintegração de Posse das terras. Disseram que a Justiça teria assim determinado, após entendimento processual.

 Em seguida, ordenaram aos moradores que juntassem o que pudessem para ser levado para as caminhonetes de propriedades da Polícia Militar e outras do fazendeiro identificado pelo nome de Nilvado Morais, detentor das terras.

 Os moradores não tiveram nem tempo de recolher os animais domésticos. Uma forte chuva que atingiu a região atrapalhou mais ainda de eles juntarem seus pertences.
Crianças, adultos e alguns cachorros eram postos em cima das caminhonetes e carrocerias dos tratores e levados até o asfalto da BR 364. Dali em diante, era cada um por si.
Enquanto seres humanos eram retirados da região, tratores e ‘jagunços’ armados de machados, e sob a proteção de policiais militares, destruíam as casas, galinheiros e todo tipo de construção.

Famílias se alojam embaixo de ponte, dentro de curral e embaixo de um bar

 Sem ter para aonde ir, e com crianças, as 218 famílias se abrigaram em um curral próximo a ponte do Rio Antimary, no km 86 da BR 364. Outras ficaram embaixo da ponte, dividindo espaço com morcegos e outros animais perigosos. Mais algumas famílias se alojaram embaixo de um bar localizado à margem do Rio Antimary.

 Esperançosos de que o processo pudesse ser revertido em favor deles, as famílias aguardaram nos locais improvisados a chance de volta para as terras e seguirem a rotina de plantar e esperar para colher, além de levar as crianças para uma escola rural construída em 2012 no Ramal do Cacau e que garantia educação para 26 crianças.

Atropelo jurídico e declarações dúbias são ingredientes do processo

 Enquanto as 218 famílias dividiam menos de 1 hectare de terra, entre barranco e rio, advogados de defesa dos produtores tentavam reverter à situação. Só que já não havia muito o que fazer. Apesar disso, consta no processo que técnicos do Incra/AC concluíram que a área de terra ocupada e em conflito pertenceria à União. Ou seja, são terras públicas, não privadas.
A disputa entre as 218 famílias de produtores e o fazendeiro Nivaldo Morais, que possui uma dezena de fazendas no Acre e Mato grosso, começou há cerca de 1 ano e 6 meses.

 Durante o processo, o superintendente do Incra no Acre, Idésio Luiz Franke, declarou, num primeiro momento, que as terras pertencem a União e são terras devolutas. Em outro momento, no mesmo processo, um procurador do Incra declarou que o órgão não possui interesse nas terras para fins de reforma agrária na área ocupada.

 Por outro lado, a Associação de Produtores Extrativistas do Ramal do Cacau, através do presidente Jânio Mesquita, afirma que existem outros interesses envolvidos na ação de despejo. Por exemplo, ele citou o ‘atropelamento’ nos prazos das ações que fazem parte do processo de disputa pela terra em que o fazendeiro Nilvado Morais foi favorecido. Além disso, haveria interesses na extração de madeira, com manejo realizado dentro de terras da União ocupadas pelos produtores e que, a partir da execução da reintegração de posse, passam a ser de propriedade particular.

 Além disso, segundo Jánio Mesquita, o Juiz da Comarca do Bujari teria, durante o processo, provocado o representante do Incra do Acre para se posicionar a respeito do interesse do órgão pela terra.

‘Jagunços’ ateiam fogo nas casas derrubadas e ameaçam pulverizar veneno nas plantações

 No dia 29 (terça-feira), em uma segunda fase do processo de reintegração de posse da terra, “jagunços” e policiais militares retornam a região já desocupada pelos produtores por força do mandado de Reintegração, os funcionários da fazenda passam a atear fogo nas madeiras das casas já derrubadas pelos tratores ou com o uso de machados.

 Durante o ato os “jagunços” sempre acompanhados por policiais militares teriam soltado os animais domésticos, cachorros e aves em seguida ateavam fogo nas casas.

 O que causou revolta dos produtores que buscavam meios para retirar os animais e outros utensílios deixados nos lotes, já que não tiveram tempo nem meios para retira-los.
No dia 30 (quarta-feira), um boato de que os “jagunços” e policiais militares retornariam para as terras agora para pulverizar de veneno as plantações criou revolta nas famílias que ameaçaram bloquear a BR 364, mas que foram contidas pelos lideres sindicais e associação, no entanto testemunharam a entrada dos policiais militares acompanhando  “jagunços” e no final da tarde dois tratores abandonaram em uma propriedade na entrada do ramal alguns pertences dos produtores, como guarda-roupas, antena parabólica, roupas utensílios domésticos, porém danificados e foram proibidos por policiais militares e entrarem para retirar os animais domésticos.

Dezenas de casas são incendiadas, escola destruída e madeiras levadas para a sede da Fazenda Canary

 O rastro de destruição após a retirada das 218 famílias que ocupavam uma área de terra de 5 mil hectares que segundo a Justiça pertence a Fazenda Canary mais lembram cenas pós guerra.

 Casas, paios, galinheiros e abrigos de outras espécies de animais foram incendiados pelos ‘jagunços’ da Fazenda que na maioria vieram de outros estados para cumprir a vontade do patrão e não correrem o risco de sofrerem represálias por parte das famílias expulsas.

 As derrubadas das casas já era de conhecimento das famílias, pois teriam sido avisadas pelos oficiais que após a reintegração de posse as casas/acampamentos seriam desfeitos por força da liminar, mas os “jagunços” teriam se excedidos ao incendiarem as madeiras após desfeitos as casas e ainda terem destruído a escola Municipal Rural Cosmo Carneiro Torres, inclusive incendiado livros, cadernos e armário da Escola construída com dinheiro público de Bujari.


 

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