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Crimes perversos: surtos psicóticos!

Tivemos, no Brasil, depois da virada do século, crimes aterrorizantes que abalaram a população: o assassinato da menina Isabela, com grande repercussão na mídia nacional; o caso do cirurgião plástico Farah Jorge Farah que matou e depois esquartejou Maria do Carmo Alves; a morte do aposentado Antônio Alves do Nascimento, 59 anos, assassinado estupidamente por dois moleques, aqui em Rio Branco; o crime protagonizado pelo jovem de 18 anos, Aparecido de Freitas, que armado com um revólver calibre 38, invadiu uma instituição escolar e atirou em alunos, professores e funcionários e depois se matou, abalou à pequena Taiúva cidade do interior de São Paulo; Wellington, carrasco e predador de crianças, da escola de Realengo no Rio de Janeiro. E mais recentemente o crime bárbaro de três acreanos em Rondônia; são tantos os casos, enfim!

A questão é: quem pode explicar e justificar tais crimes? Quem pode explicar o estranho e bestial comportamento do casal Alvarenga, do médico Farah, do jovem Edmar Aparecido de Freitas, dos algozes de Isabella, do matador de Ana Eunice e do extermínio das crianças na escola do Realengo? O Brasil e, por extensão, o mundo todo está assolado pelo medo, buscando explicações  à luz das ciências, para essa perversidade globalizada.

Perversidade injustificável, se é que se pode justificar o crime e a barbárie, enquanto conceito filosófico é aquilo que excede a simples oposição do não válido e do válido; uma crueldade, uma baixeza, uma desigualdade extrema nas condições sociais; não é mais um simétrico que se possa compreender por oposição ao válido (Jean Nabert); são perversidades que suscitam um pedido, às vezes desesperado, de justificação que o ato exige.

Em nome dessa perversidade involuntária, tenho escutado dos quatro cantos do Brasil, um enxame de autoridades competentes em anomalias desse gênero dando as possíveis causas para esses espíritos perversos. A principal, advinda dos psicólogos e psiquiatras, indica que o descontrole emocional e a consequente estupidez criminosa teriam como causa um  suposto “surto psicótico” ou “lapso de memória”.  Essa foi à desculpa usada pelo assassino da família acreana massacrada em Guajará-mirim/RO. 

Sou deveras estulto para aceitar  por melhor que seja o argumento que alguém fora de si sob surto psicótico ou lapso de memória, consiga pensar em poucos minutos, numa saída cruel, perversa e premeditada, em  cortar a tela de proteção da janela (caso Isabela) e jogar friamente, numa tentativa grosseira de simular acidente, o corpo  no vazio.  O caso do médico Farah, é mais difícil ainda de imaginar. Mesmo “incons-ciente” ele conseguiu manter a perícia com o bisturi, talvez por horas, e dividir o corpo pelas articulações, em nove partes. O cirurgião ainda retirou a pele de parte do rosto e do peito da vítima. O interessante é que do dia do crime até a presente data, o médico jamais voltou a surtar. Não, nada de surto psicótico!

Essa coisa de inconsciente é antiga e complexa. É matéria da psicologia analítica de Carl Gustav Jung. Antes de Jung, os psicólogos conheciam o inconsciente apenas das repressões e dos esquecimentos. Freud declarou que “o inconsciente é um caos ou uma caldeira cheia de pulsões em ebulição”. Freud tratou o inconsciente como uma espécie de depósito dos nossos desejos reprimidos ligados à sexualidade ou à agressão. Entretanto outras correntes que trabalham com o conceito do inconsciente, como a psicologia cognitiva que contesta Freud afirmando que o inconsciente é uma espécie de processador paralelo inerente à mente humana e não um repertório de desejos reprimidos.

Freud falou do pré-consciente e Dessoir do subconsciente. Jung fez uma fusão do pré-consciente e do subconsciente, designando-a de inconsciente pessoal ou individual. O inconsciente pessoal é composto de conteúdos resultantes de experiências individuais. 

Na verdade esses crimes insanos nos remetem a uma reflexão sobre o paradoxo da condição humana:  Nossa dignidade e nossa depravação. Nós somos igualmente capazes do mais sublime gesto de nobreza e da mais vil crueldade. Num momento podemos comportar-nos como Deus, a cuja imagem o homem foi criado, para logo depois agirmos como animais, dos quais deveríamos diferir completamente.

Paul Ricceur, em suas Leituras diz que é desnecessário enfatizar que o mal é o ponto crítico de todo pensamento filosófico: se ele  o compreende, este é o seu maior sucesso. Contudo, o mal com-preendido não é mais o mal, ele deixou de ser absurdo e  escandaloso; à margem do direito e da razão. Se não o compreende, então a filosofia não é filosofia.

* Francisco Assis é pesquisador Biliográfico em Humanidades.
E-mail: assisprof@yahoo.com.br


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