A indústria paraense Superfruits, que anunciou entrada na ZPE do Acre esta semana é a que menos deve gerar emprego, mas está em segundo lugar no quesito “rentabilidade” entre as três que já tiveram projetos industriais aprovados pelo Conselho Nacional das ZPE’s.
De acordo com os dados oficiais, a Superfruits vai produzir açaí em pó na ZPE com uma rentabilidade anual estimada em R$ 7,9 milhões, gerando diretamente 21 empregos diretos no primeiro ano de atuação.
No projeto, Superfruits Global Acre Importação e Exportação quer comercializar 44 toneladas de pó de açaí. A indústria vai trabalhar com 50% de ociosidade nessa primeira etapa. Há possibilidade de produzir 88 toneladas de açaí em pó pela planta a ser instalada na ZPE do Acre.
Pelo projeto apresentado ao CNZPE em Brasília, “cartas de intenção de apenas dois dos seus clientes existentes na Austrália confirmam retirada de 17 toneladas no próximo ano – cerca de 38 % da produção”.
Com isso, a Superfruits demonstra para o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior a viabilidade comercial do empreendimento a ser instalado no Acre. Se o empreendimento vai dar certo ou não, não se sabe. Mas, que há um cliente com vontade de comprar açaí em pó, ficou demonstrado que há.
Austrália (25 toneladas), Estados Unidos (15 toneladas) e China (4 toneladas) são os três países com comercialização articulada pela empresa paraense que tem entre os acio-nistas a Superfruits Global Ltd, de Hong Kong.
São estimativas de negócios. Com o início das comercializações, essas porcentagens podem variar. Mas, as primeiras articulações apontaram para esse montante de vendas.
Os R$ 4 milhões estimados para a execução da indústria na ZPE do Acre devem ser financiados pelo Banco da Amazônia por meio do Fundo Constitucional do Norte (FNO). Isso equivale a 90% do total a ser investido pelo grupo paraense.
Indústria pode alavancar investimentos
O projeto da Superfruits só não esclarece um ponto: como pretende ter a indústria abastecida. Já é motivo de piada o fato de “no festival do açaí, em Feijó, não ter açaí”. Para os empreendedores de plantão pode ser essa uma oportunidade para investir no plantio dessa cultura.
De acordo com o IBGE, o Acre produz 1.620 toneladas. Levando-se em conta as “diferenças metodológicas” entre os dados do instituto e do Governo, arredonde-se para 2 mil toneladas por ano. Isso é suficiente para abastecer o mercado interno e ainda garantir o abastecimento da Superfruits?
Em declaração à Agência de Notícias do Acre, um veículo de informação do Estado, o empresário da Superfruits, André Luiz Nápravnik, faz a sugestão em tom elo-gioso. “A Bolívia tem tanto açaí nativo quanto o Acre, mas não tem a logística que temos aqui”, avalia.
Antenado com o problema de abastecimento, o governador Tião Viana já se adianta na explicação. “Já plantamos mais de 300 mil mudas e a meta é expandir, ainda mais esse plantio”, assegurou o governador, ainda segundo a agência de notícias oficial.
(Foto: Secom Acre)
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Brasil aumenta produtividade no setor agrícola
ITAAN ARRUDA
Presidente Dilma teve um raro momento de entusiasmo na área econômica. Mas, veio de carona na onda da iniciativa privada. Em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, abriu a agenda de 2014 do agronegócio. No evento oficial, massificou a informação de que a produtividade do setor aumentou.
Pelos dados oficiais, aumentou mesmo. De acordo com a presidente, a produção da agricultura brasileira aumentou 221% enquanto a ampliação da área plantada foi de apenas 41%.
Isso indica que os empresários da agricultura estão conseguindo produzir mais na mesma área plantada. O fato também sugere que tenha havido investimentos e injeção de tecnologia.
O que a presidente não assumiu de forma cristalina é que boa parte desta “vitória” se deve à atuação da iniciativa privada. Os analistas econômicos avaliam que essa vitória não é do governo, mas apesar dele. É um fato que expõe o aumento de eficiência do setor agrícola.
Os analistas argumentam que tempos atrás o Governo viu com antipatia (alguns lembram que o governo foi contra) a inclusão de sementes transgênicas nas lavouras e também não mudou o cenário da infraestrutura atrelado ao agrobusiness.
Já é possível, por exemplo, antever as imagens da fila de vários caminhões esperando pelo atendimento nos portos ou mesmo a saga dos caminhoneiros se aventurando com os carregamentos nas estradas.
Essa situação expõe outra falha do governo. Quando o agricultor se agarra ao caminhoneiro para despachar a safra pelas estradas, ele o faz por um motivo: falta de condições de armazenamento. Uma falha, inclusive, pontuada e admitida pela própria presidente no evento em Mato Grosso na última terça-feira.
A safra estimada pelo IBGE e pela Conab para 2014 alcança a marca de 193 milhões de toneladas.
Acre tem capacidade de armazenagem de 37 mil toneladas
Nesse setor, o Acre caminha também timidamente. Mas, parece dar passos de acordo com a sua realidade. Atualmente, os seis silos graneleiros construídos e em operação, somados às 12 unidades da Cageacre totalizam uma capacidade de armazenamento de 37 mil toneladas.
São números residuais comparados a outras regiões. Mas, o que precisa ser observado são dois fatores: os locais onde estão construídos e se atendem à demanda. Nesses dois critérios, tudo indica que há coerência.
Os silos estão localizados em áreas estratégicas e com razoável capilaridade. E as 37 mil toneladas atendem à demanda da incipiente indústria e comércio associados à agricultura local.
Os empreendimentos industriais que trazem milho de outros estados assim o fazem em função da qualidade do grão, ainda não adequada para a transformação de alguns produtos alimentícios.
A tentativa do governo de ampliar a base de produção do Acre, com empreendimentos vinculados à suinocultura e avicultura, pressiona a demanda. Isso é perceptível pelo movimento em torno dos investimentos em armazenamento.
De 2011 a 2013, foram construídos três silos graneleiros em Rio Branco, Acrelândia e Capixaba. Cada um com capacidade de 2.850 toneladas. A estrutura construída aumentou a taxa de armazenagem na safra de 2011/2012 que foi de 9,3 mil toneladas.
Na safra de 2012/2013, essa taxa de armazenagem subiu para 12,6 mil toneladas. Um aumento de 14% em relação á safra anterior. Os números são da Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar.
No Acre, a situação é inversa à verificada no resto do país. Aqui, a inciativa privada engatinha no que se refere às condições de armazenamento. Poucos são os agricultores que possuem condições de construir estrutura própria de armazenagem. Há apenas dois produtores (um inclusive já está colhendo soja) que têm boa estrutura de armazenagem.
Agricultores discutem formação de grupo para construção de silo
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Veronez, reúne essa semana com agricultores. Na pauta de discussões, a formação de um grupo de interessados em dividir os custos para construção de um silo graneleiro totalmente privado. “Nós estamos em fase de discussão”, confirmou Veronez.
O silo graneleiro que o grupo deve adquirir deve ter custo estimado em torno de R$ 2 a R$ 3 milhões. Veronez quer aproveitar a tendência de alguns pecuaristas de associar a prática da pecuária intensiva no Acre usando a agricultura como mediação.
(Foto: ROBERTO STUCKERT FILHO/PR)
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Conselho Indigenista Missionário analisa causas da falência do sistema de assistência
Coordenador do Cimi no Acre critica modelo executado pelo Estado quanto às questões vinculadas aos povos indígenas. Argumenta que a “Onguinização” do sistema é uma tentativa de o poder público se eximir das responsabilidades que são de sua obrigação, alimentando a falsa impressão de participação da sociedade civil
ITAAN ARRUDA
Lindomar Padilha é o coordenador-geral do Conselho Indigenista Missionário no Acre. O organismo é vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e tem um longo histórico de luta pela emancipação dos povos indígenas. Nessa entrevista exclusiva ao Acre Economia, Padilha apresenta luz à discussão e mostra como as referên-cias impostas pelo modelo oficial não respeitam os referenciais indígenas. “Se não mudar o modelo, o sistema, não haverá saída. É como trocar o aparelho de rádio sem mudar a rádio sintonizada”, compara o coordenador. Além de detalhar os problemas relacionados implantação das políticas de saúde indígena, ele fala dos desafios impostos às demarcações com a reforma do Código de Mineração do Brasil, prestes a ser avaliado pelo Congresso. Aqui está a íntegra da conversa.
Em novembro do ano passado, uma criança indígena de Santa Rosa do Purus quase perdeu a mão esquerda em consequência do atendimento em um posto de saúde. Que falhas estruturais esse fato expõe?
Primeira falha no que podemos chamar de “estruturais” fica evidenciada neste fato que é tratar a dispersão, as distâncias entre os povos indígenas e as cidades como problemas a serem superados. Ora fica assim evidenciado que a estrutura da Sesai mantém como base as cidades. Por trás dessa lógica está um modelo que denigre a imagem daqueles que vivem no campo, no interior. Segundo essa lógica a solução será necessariamente “forçar” a migração dos povos indígenas para as cidades. Neste caso trata-se da questão da saúde, mas, as demais questões, infelizmente são tratadas da mesma forma, na mesma lógica. Veja como outro exemplo os cursos de formação para professores. Todos são realizados nas cidades, com técnicas nossas (urbanas) e sempre em desfavor da realidade em que as pessoas vivem. Portanto, meu caro, o primeiro grande problema da saúde indígena (falta dela) está no próprio modelo pensado. Em 2012, apenas em 60 dias e apenas no Alto Purus, morreram 27 crianças por diarreia e desassistência. Isso mostra que o modelo é um fracasso.
Os representantes dos movimentos indígenas reclamam da atuação da coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Purus de forma unânime. Que avaliação você faz da atuação do Dsei no atual cenário da saúde indígena do Acre?
A gestão sempre foi um nó na administração pública. Seja porque é tratada como mero “emprego”, seja por ser tratada de maneira politiqueira, servindo aos interesses de grupos que estão no poder. Portanto, mesmo entendendo que é urgente a troca de administração, se não mudar a lógica, em nada ajudará. Não adianta, por exemplo, colocar um indígena lá se ele também vai agir apenas pelo seu emprego e em defesa dos interesses do grupo político que controla aquele setor.
E o papel da Secretaria Especial de Saúde Indígena? A Sesai tem estado presente de maneira eficaz?
Fica evidente a ineficácia da Sesai. Se de um lado não consegue efetivar a política de saúde indígena, por outro mantém o status quo da submissão dos povos indígenas ao regime e valorização, como já disse anteriormente, do modelo citadino que por si só fere a lógica das culturas indígenas, majoritariamente culturas não urbanas e cujas medicinas precisam ser valorizadas. Não podemos nos esquecer nunca de que o sistema é feito para não funcionar. Não funcionar para os povos indígenas significa funcionar muito bem para os propósitos para os quais foi criado e dos quais está a serviço.
Uma das reclamações muito recorrente faz referência ao fato de que a verba que a Sesai manda para a manutenção dos polos-base de saúde, via ONGS, não tem chegado com agilidade e regularidade. Por exemplo, os barqueiros e motoristas da Casai, dizem os representantes do movimento indígena, estão sem receber desde novembro. O que poderia ser feito para resolver esse problema?
Há alguns pontos a serem observados. O primeiro é o processo de abstenção da responsabilidade pelo próprio Estado. Passar recursos para ONGs é reconhecer propositalmente que o Estado é incompetente e ineficaz, portanto. O método da “Onguinização” do Estado vem sendo aplicado de forma descarada em todos os setores, não só na saúde indígena. Basta dar uma olhada para ver que são ONGs que, com recursos públicos, dão a “formação” escolar, no manejo, na formação de agentes agroflorestais… Então, a “Onguinização” faz parte de uma política que, ao mesmo tempo, exime o governo de suas responsabilidades, emprega sem concurso público e ainda passa a ideia de que a sociedade civil tem uma importante participação no governo. Dá a ideia de um governo popular. E isso não é privilégio do Acre, mas, é debochadamente praticado aqui.
Quanto à solução não vejo outra que não os povos indígenas e os trabalhadores se juntarem para exigir que o Estado cumpra com suas obrigações e respeite os direitos. Isso é o que chamo de mudança de leitura do cenário. O governo deixa de ser o bonzinho, que “dá” emprego, bolsas, vales etc… e passa a ser o que nos tira direitos. Por exemplo, os povos indígenas têm o direito a uma saúde eficiente e diferenciada e, para a efetivação desse direito, o Estado não pode fugir de sua responsabilidade tão pouco agir contra ou negando os direitos dos trabalhadores em saúde. Se não mudar o modelo, o sistema, não haverá saída. É como trocar o aparelho de rádio sem mudar a rádio sintonizada.
Os indígenas já denunciaram ao Ministério Público Federal sobre um possível desvio de finalidade no uso de uma aeronave para transporte de pacientes indígenas por parte do Dsei Purus. O que há de factual nisso? Que informações adicionais você poderia oferecer?
Você começa por afirmar que os indígenas já denunciaram essa prática ao MPF. Então, o que posso esperar, naturalmente é que o MPF tome as medidas necessárias para apurar e, se for o caso, punir quem estiver agindo de forma irregular ou aplicando recursos fora da finalidade. A punição é o mais importante, mas não pode haver punição se não houver uma apuração. Na cultura popular, costumamos dizer que ‘onde há fumaça há fogo’, tem-se que olhar esta questão com muita atenção. Mas, sinceramente, penso que devemos focar neste momento também na ineficácia do transporte para a remoção dos pacientes. Ou seja, mesmo que não esteja havendo desvio de função de recursos, o sistema de transporte, remoção, é ineficaz e caro, quando há.
A reclamação em relação ao acesso aos medicamentos também é recorrente. O translado das aldeias para Rio Branco não é feito de maneira ágil, correta, para uma pessoa que já está debilitada. Quais são os gargalos que você destaca? Como seria possível eliminá-los?
O primeiro gargalo eu já mencionei anteriormente que é a ineficiência no transporte, de um lado, e de outro, a remoção como única opção. Eu comecei falando que a saúde indígena é tratada com parâmetros urbanos, o que é um grande erro. Penso que se houvesse uma assistência adequada lá nas comunidades muitos desses casos não precisariam de remoção. Entretanto, optaram por um modelo urbano e são ineficientes (propositadamente) em executá-lo. Este é, talvez, o maior gargalo. Enquanto a saúde indígena não for realmente indígena ficaremos nos especializando na fabricação de caixões. A saída está realmente na mudança do sistema e no crescimento de nossas consciên-cias e respeito à vida em todas as suas formas.
E o papel do Governo do Estado nesse processo? O Governo do Acre garante que o atendimento de alta e média complexidade está sendo oferecido regularmente. Mas, também faz cara feia sobre a atuação do Dsei alegando que a má atuação do Dsei acaba repercutindo negativamente para o Governo…
A transferência de responsabilidades está no núcleo da propaganda. O governo estadual responsabiliza o federal, que está mais distante, e o federal responsabiliza as ONGs porque não vão se defender nem contrapor com medo de perderem os convênios e, no fundo, a ideia que querem passar é a de que os próprios indígenas são os culpados porque possuem uma “cultura do atraso” com tudo que isso implica que vai desde a acusação de que não têm higiene até o uso de “bebidas” passando pela falta de “civilização” ou cristianismo. Ao mesmo tempo, difundem a ideia de que os povos indígenas, mesmo sendo “contra o progresso” são sempre os mais beneficiados. Não é raro ouvirmos dizer que ‘o governo dá tudo para os indígenas’. E o Governo do Estado do Acre faz uso indiscriminado da mesma propaganda.
Os indígenas alegam que “foram desconstruídas as mediações” entre o movimento e o poder público. Dizem que estão sem interlocutores. Que avaliação você faz? E o papel do Cimi nesse processo?
Duas premissas precisam estar sempre em mente. Uma é a da autonomia ou autodeterminação, sem a qual seria impossível falar em respeito aos povos indígenas. A outra é a de que os povos e culturas estão sempre em relação e adequação, e, portanto, criando filtros que chamamos de “mediações”. Explico: uma transformação (mudança) não chega simultaneamente em todos os povos e nem em todas as pessoas, ainda que do mesmo povo. Dessas duas premissas nasce a “média” que vem do latim “medium” e quer dizer “meio” que comumente e genericamente chamamos de “mídia”. Portanto, fazer “mediações” é procurar ficar no meio (entre), fazer mídia. Mediar não é não tomar partido, mas, pôr-se no meio justamente para tomar partido.
Então…
Talvez, então, não seja o caso de os indígenas terem perdido suas mediações, mas estas, estarem antes a serviço de um dos lados que não o deles. Para mim, esta é a chave para responder a esta pergunta. Como podem os indígenas estar sem mediação se contam com expressivos cargos em órgãos públicos (no caso do Acre inclusive na administração da Funai); contam com ações diretas de ONGs a serviço do Estado; possuem uma Assessoria “Indígena” com status de Secretaria entre outros? Fica claro para mim que o problema deve ser justamente o de terem mediadores demais e todos a serviço do outro lado, o lado governo, dos cargos políticos, das verbas públicas para benefício próprio, da promoção acadêmica, da promoção de si próprio etc… Tudo é feito de maneira “midiática” e a mídia está do lado oposto aos povos indígenas (mesmo que aí estejam indígenas atuando) é exatamente este o principal problema.
E sobre o Cimi…
Quanto ao papel do CIMI, penso que seja justamente fazer a diferença, e olha que é significativa, que consiste basicamente em não estar do mesmo lado que a maioria das mediações, mas em ficar claramente do lado dos povos indígenas. Por isso, não recebemos salários de governos, não temos secretarias ou cargos de confiança, não realizamos convênios e nem falamos “em nome” dos povos indígenas. Nossa mediação, ou mídia, não pode servir para nos promover e diminuir os povos e culturas.
Em 2011, os indígenas ocuparam por nove meses a sede da Funasa em Rio Branco. Você acredita que há possibilidade de que nova mobilização ocorra?
Acho que sim e até torço para que ocorra porque é o único meio da luta ser visibilizada.
Aproveitando que estou conversando com você, vou mudar um pouco de assunto: demarcação de terras indígenas. Esse assunto saiu da pauta do Governo Federal?
Não. Ao contrário está em plena pauta. A diferença é que não se fala em demarcações, mas, em ‘não demarcações’. A bancada ruralista, com apoio da bancada evangélica, é quem está ditando a política indigenista federal. Alguns exemplos recentes são: a) Portaria 34 do Procurador Geral da República restringindo poderes da 6ª Câmara do MPF e blindando autoridades, inclusive deputados e senadores; b) Portaria 303 da AGU em vigor de fato e de direito e Portaria 27/2014 da AGU para adequação da portaria 303/12; c) Decisão do Ministro Fux impedindo o Registro da T.I. Kayabi, fazendo uso da tese do “marco temporal”; d) Requerimento da Senadora Kátia Abreu na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado para que a Controladoria Geral da União (CGU) investigue convênios com organizações indígenas. Eu poderia enumerar ainda um grande número de medidas que visam impedir as demarcações das terras indígenas.
O esforço orquestrado pela “não demarcação” tem sido eficaz, portanto?
Além dessas ações em si, há o discurso (inclusive entre ONGs que se dizem indigenistas) de que o problema dos povos indígenas não é a não demarcação de terras, mas, é o de “falta de gestão”. Aliás, este discurso é o que predomina no Acre. Os povos indígenas precisam é de organizar “festivais”, eventos que promovam o ecoturismo, projetos de PSA – Pagamentos por Serviços Ambientais (incluindo os projetos de REDD), saber utilizar os recursos (prováveis) oriundos de uma, também provável, mitigação por causa da exploração de petróleo e gás, saber utilizar os recursos oriundos das mitigações decorrentes de acordos por causa da abertura e pavimentação de rodovias e, por aí vai.
Outra coisa: a reforma do Código de Mineração parece ter encontrado ambiente político favorável para a exploração mineral mesmo em terras indígenas. O que você destacaria? Como estão as articulações de um e de outro lado? Você acredita que vai passar? O que tem sido pensado pelos movimentos indígenas?
As razões para que a reforma do código de mineração estejam encontrando ambiente político favorável são as mesmas do Código Florestal e da não demarcação das terras indígenas: uma financeirização e mercantilização da natureza apoiada num falacioso discurso ambiental, que no Acre atende pelo nome pomposo de “desenvolvimento sustentável” entre outros nomes menos pomposos. Como podemos perceber, no Acre, o movimento indígena está bastante fragilizado justamente por causa das mediações desastrosas de algumas lideranças e de ONG’s inescrupulosas, mas, no restante do país, ainda há uma forte mobilização para que os direitos adquiridos pelos povos indígenas não sejam atirados na latrina comum em nome de um desenvolvimento para poucos. Acredito na força dos povos indígenas e acredito nas forças populares que sonham e constroem um mundo para todos, que chamo de Bem Viver.
Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
Aproveito a oportunidade para agradecer e convocar a todas e todos de bom coração a que unamos forças para, juntos, promovermos o Bem Viver. Eu sei que se trata de uma luta de Davi contra Golias, mas não devemos nunca nos esquecer de quem foi o vencedor.
(Fotos: Cedidas)
Há sete anos em tratamento de hepatite Delta, paciente indígena não está na fila de transplante
ITAAN ARRUDA
Duné Jaminawa tem 36 anos e é portador de hepatite Delta há sete anos. Tem quatro filhos e mora na Terra Indígena Mamuadate, aldeia Betel, município de Assis Brasil. Sabe como poucos a qualidade da relação Sesai/ONGs/Casai.
“Uma vez, eu tava em jejum. Me deixaram ali na frente da Fundação com os papel (sic) e foram embora com a promessa de voltar mais tarde. Demorei para resolver as coisa (sic) até ser atendido. Tava com muita dor e sozinho. Quando foi lá pela uma da tarde, ainda sem comer, eu disse. ‘Quer saber? Eu vou é m’embora que ninguém vem me buscar, não’. Fui a pé, com uma dor medonha, até a Sobral. Fui bem devagazim (sic)”.
A Secretaria de Estado de Saúde e o Hospital das Clínicas mantêm um departamento específico para atender pacientes indígenas como Duné Jaminawa. O gargalo é que até o paciente chegar à maca do HC um longo itinerário é percorrido.
A ineficiência do sistema dificulta a garantia do acesso ao atendimento de alta complexidade e constrói situações como a de Duné Jaminawa. “Esse é um de muitos outros casos que acontecem”, pontua o líder indígena Ninawa Huni Kuin. “A relação da Sesai com as ONG’s e com a Casai não está boa e isso reflete direto aqui na ponta, com os povos indígenas, e o pior é que não há diálogo da parte deles”. O caso de Duné Jaminawa já foi encaminhado ao Ministério Público Federal para que providências sejam tomadas.
Outro caso existente no HC que evidencia a ineficiência na assistência aos povos indígenas é o de Maria Zenaide de Souza Lopes Apurinã. Ela tem 36 anos, 3 filhos. É hipertensa e sofre de insuficiência renal crônica.
Até ela chegar ao Hospital das Clínicas perambulou de um lado para o outro sob a responsabilidade da Casai. Resultado: sua situação de saúde foi agravada. Hoje, o estado de saúde dela é classificado como “grave”, com suspeita de tuberculose pulmonar, provavelmente ocasionado por falta de cuidados na Casai.
“A paciente poderia ser submetida a um transplante, porém, a SESAI não se responsabiliza pelos cuidados que a mesma necessita. Um paciente transplantado teria que ter um lugar para morar e alguém para realizar os serviços básicos e necessários que não é capaz de fazê-los por motivos de debilidades físicas. A CASAI não tem estrutura para receber os pacientes comuns e muito menos transplantados”, observa parte de um relatório que o Acre Economia teve acesso com exclusividade.
Zenaide Apurinã passou um período de um ano sem ver os três filhos e isso estava refletindo na sua condição de saúde. Abalada emocionalmente, o tratamento não avançava. A direção do HC pressionou a Casai e explicou que a instituição seria responsabilizada caso não tomasse providências para garantir que as crianças viessem para Rio Branco.
“Se não tomassem providências quanto a situação da paciente alguém seria responsabilizado pelo estado emocional da paciente”, diz o relatório.
Sesai manda equipe ao Acre
A Secretaria Especial de Saúde Indígena enviou cinco técnicos para avaliar os problemas existentes na assistência aos indígenas. Provocada pela equipe de reportagem no início da semana, a Sesai enviou uma curta nota.
“O Ministério da Saúde já solicitou à Advocacia Geral da União providências no sentido de obter a reintegração de posse dos Polos-base fechados e comunicou o fechamento ao Ministério Público Federal. Os polos-base são unidades fundamentais para a organização do atendimento aos indígenas e a reabertura evitará prejuízos aos serviços de saúde. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde encaminha, amanhã, dia 12 de fevereiro, equipe multidisciplinar para avaliar a gestão do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Purus”.
A reintegração de posse dos polos-base é uma consequência da ocupação feita em protestos de indígenas, cansados da qualidade do atendimento. Lideranças de Pauini, no amazonas e de Sena Madureira já se deslocam para Rio Branco para discutir a situação com outros povos indígenas e com gestores públicos.
Os técnicos da Sesai têm previsão de permanência no Acre até o dia 20, período em que podem ouvir as demandas de quem sente no corpo a ineficácia da gestão pública. Na quinta-feira, houve uma reunião entre integrantes da Casai e da Sesai. Mas, nada de concreto foi definido.
“Foi uma reunião apenas para apresentar a equipe da Sesai e informar que eles estariam passando nos setores para verificação os trabalhos”, desconversou o coordenador da Casai, João José.
Motorista reclama de “insegurança” no pagamento
Como o Acre Economia antecipou semana passada, os barqueiros e motoristas que prestam serviços para a Casai estavam com salários atrasados desde dezembro. “Já fiquei até dois meses sem receber”, contabiliza o motorista Antônio José Marques. “Dois funcionários também pediram as contas por causa dos pagamentos”.
Agora, os pagamentos estão normalizados, mas o que dificulta os trabalhos dos prestadores de serviços é a insegurança em relação ao dia de pagamento. “A direção da Casai dava explicação de que já tinha repassado o dinheiro para a empresa”, afirma o motorista. “Mas, agora, com o aumento nos salários que teve pra todo mundo, não teve repasse para nós e isso é um problema”.
O coordenador da Casai não tem controle sobre essa situação. “Eu nem sei como está essa situação com os motoristas porque aqui na Casai nós funcionamos apenas como uma casa de apoio mesmo”, afirma o coordenador da Casai, João José.