Leitor, o que você vê na foto tomada na Rua A do bairro Palheiral, em Rio Branco, que ilustra esse texto?
É provável que sua resposta seja: “eu vejo uma grande erosão que praticamente destruiu parte da referida rua!” É uma resposta óbvia, pois é isso que a fotografia mostra.
E se ao ver a foto você ficar apenas impressionado com o poder destrutivo da erosão e, instintivamente, seu subconsciente lhe impulsionar a sugerir que algo deve ser feito – de imediato – para estancar a situação, então vejo que temos um problema, um grave problema de senso crítico que é extremamente danoso aos interesses da nossa coletividade. É essa falta de senso crítico que faz com que situações como a retratada na foto acima chegarem a um ponto em que, na maioria dos casos, os prejuízos econômicos para a sociedade se tornam inevitáveis.
Infelizmente essa reação apática, desinteressada e claramente remedia-dora parece ser um padrão de comportamento que permeia a maioria dos integrantes da nossa sociedade. O ideal seria que o observador da foto visse, além do óbvio problema causado pela erosão, a falta de prevenção, corrupção, incompetência, desleixo, pouco caso com a coisa pública, inatividade dos representantes políticos e, aparentemente, falta de efetividade na atuação do Ministério Público.
Tudo indica que essa falta de senso crítico e de cobrança a quem deve prestar contas de sua atuação quando recursos públicos são envolvidos tende a piorar no futuro, pois a nossa sociedade, como existe e funciona na atualidade, conspira para isso. Com numerosas famílias socioeconomicamente desestruturadas e um sistema educacional cambaleante e dominado por interesses quase sempre corporativos – de professores e funcionários que só se manifestam para reclamar aumento de salário – de nada adianta termos em nosso meio social um número maior de pessoas educadas se a maioria delas é, parafraseando uma afirmação relacionada com a alfabetização, ‘educada funcional’. Ou seja, sabe ler, escrever, tem acesso aos mais variados meios de comunicação e tem cons-ciência do que está acontecendo ao seu redor, mas é incapaz de avaliar, entender e formar senso crítico sobre temas cruciais para o efetivo avanço da sociedade brasileira.
Seguramente fotos como as que ilustram esse texto poderiam ser tomadas em dezenas de outros canteiros de obras públicas instaladas na cidade de Rio Branco e pelo país afora. Algumas, talvez, revelando problemas bem mais graves. Infelizmente, a maioria dos problemas que essas fotografias poderiam revelar não ganhará a publicidade necessária para que uma solução preventiva ou remediadora possa ser dada aos mesmos.
Isso acontece porque de um lado temos uma parcela considerável dos contribuintes, os que efetivamente tiram do bolso os recursos financeiros que pagam pela realização das obras, que pouco se incomoda com o que vê e sabe estar errado. De outro, alguns administradores públicos atuando claramente em conluio com os empreiteiros responsáveis pelas obras para tirar se apropriar dos recursos públicos em detrimento da coletividade. Temos ainda, muitas vezes, a inatividade dos nossos representantes políticos que agem por interesses que mantém com os administradores ou empreiteiros.
No caso específico do problema retratado na foto que ilustra este artigo, cabe um comentário sobre a atuação do Ministério Público: agiu de forma proativa para prevenir o dano que se concretizou na forma de destruição de uma rua em um bairro importante da nossa cidade?
Em situações como essas, acreditamos que é preciso, sob todas as condições, tentar agir preventivamente para evitar os problemas, pois no Brasil a recuperação financeira de recursos públicos mal empregados ou desviados é quase sempre um caso a perder de vista, que as gerações futuras provavelmente testemunharão. Alguém lembra quantos anos se passaram para que Paulo Maluf devolvesse parte dos recursos públicos que desviou enquanto foi prefeito da cidade de São Paulo? Aqui no Acre já vi na imprensa representante do Ministério Público externando preocupação com a qualidade da alimentação servida por um restaurante localizado nas proximidades de uma grande universidade particular de nossa cidade. Não questiono que isso seja uma atribuição do MP, mas diante da nossa realidade, acreditamos que é preciso priorizar a atuação em problemas potencialmente mais graves.
Tenho certeza que muitos leitores já estão cansados de ver eventos como esse acontecido no bairro Palheiral resultarem em prejuízos para a coletividade. E tudo indica que ele vai mesmo ser apenas mais um dentre tantos, pois duvido que a empresa responsável pela obra vá recuperar de forma rápida e efi-ciente a rua que indiretamente ajudou a destruiu. E para juntar insulto à revolta, sabemos que para se livrar dessa obrigação ela irá apelar para a nossa ‘justiça’ que talvez daqui a alguns anos resolva a lide de forma favorável aos contribuintes.
O certo é que a população não poderá esperar tantos anos para ver a sua rua recuperada e à administração pública não restará alternativa, mas a realização de obras para recuperar o patrimônio público danificado.
São prejuízos coletivos como esses que, mesmo de pequena monta, drenam recursos e contribuem para a crônica deficiência e baixa qualidade dos serviços públicos oferecidos à população. Se os contribuintes se conscientizassem que protestos em hospitais e postos de saúde, bloqueios em vias públicas e outras ações similares não resolvem os problemas, mas apenas dão publicidade aos mesmos, situação absurda como o da erosão que destruiu a rua não aconteceria. Afinal erosão é um processo lento e seguramente houve tempo para pressionar os responsáveis para agir de forma que o problema não se consumasse.
Alguém já argumentou, mas não queremos acreditar, que prevenir problemas desse tipo não interessa a alguns setores administradores porque não traz a mesma visibilidade que se tem quando máquinas e homens da aparelhagem estatal ‘viram a noite’ trabalhando ‘arduamente’ para atender uma ‘justa reivindicação da população’. Se for esse o caso, então é preciso que os contribuintes não se furtem de denunciar esse comportamento extremamente danoso aos interesses da coletividade.
* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da UFAC.