Murmuru’ é um nome popular que se aplica a duas espécies de palmeiras nativas da Amazônia pertencentes ao gênero Astrocaryum. Uma delas, Astro-caryum murumuru, é nativa da Amazônia Oriental e Central e no passado seus frutos foram intensivamente explorados para a extração de gordura vegetal visando a produção de sabão e outros produtos cosméticos. É uma espécie extremamente abundante no Pará, Amapá e Amazonas.
A outra espécie, conhecida cientificamente pelo nome Astrocaryum ulei, é nativa do oeste da Amazônia, sendo encontrada no Brasil, Bolívia e provavelmente no Peru. É digno de nota o fato de que as amostras botânicas que originaram esta espécie foram colhidas, por volta de 1910, ao longo do Rio Acre pelo coletor alemão Ernst Ule, em uma localidade que ele denominou ‘São Francisco’. Deveria ser o nome de algum Seringal às margens do Rio Acre. O material foi enviado para a Alemanha e lá o botânico alemão Maxi-miliam Burret nominou a nova espécie em homenagem ao seu coletor.
O murmuru nativo do Acre é uma palmeira de médio porte abundante em florestas de várzea e outros ambientes temporariamente alagados. Ela também pode ocorrer em florestas secundárias e em áreas completamente alteradas pelo homem, especialmente pastagens. Uma característica marcante da espécie nativa do Acre é a presença de espinhos longos, negros e achatados no tronco. Em um caso medimos um espinho com mais de 30 cm de comprimento. Os espinhos também são encontrados nas folhas, inflorescências e nos frutos, sendo chamados neste último caso de espínulos em razão do tamanho diminuto.
O fruto do murumuru é extremamente oleoso e dele se extrai gordura vegetal inodora e que não rancifica facilmente, muito utilizada na indústria de cosméticos e de alimentos. A maior porcentagem da gordura dos frutos do murumuru (44%)é formada por ácido láurico, conhecido por ajudar no fortalecimento do sistema imunológico e pela sua ação anti-inflamatória. Esse excesso de oleosidade é que fez com que os frutos da espécie ficassem famosos por causar problemas intestinais caso sejam consumidos em excesso. Durante o período de produção, geralmente durante a época das chuvas, os frutos são muito buscados pelos animais da floresta e por essa razão a palmeira é uma das mais utilizadas como árvore de ‘espera’ pelos caçadores.
Na atualidade, os frutos do murmuru acreano são muito explorados no vale do Juruá e vendidos para empresas fabricantes de produtos cosméticos. As mulheres que usam os tais shampoos ‘reparadores de pontas’ fiquem sabendo que os mais eficientes são aqueles elaborados com gordura vegetal de murmuru. Da mesma forma, os que clareiam naturalmente os cabelos provavelmente também contém em sua fórmula o murmuru. Tirar benefícios econômicos da exploração econômica dos frutos do murmuru não é, portanto, algo poten-cial, mas real. Falta os extrativistas acreanos se organizarem para tirar proveito da situação.
Tendo em vista as possibilidades concretas de uso econômico dos frutos do murmuru, a realização de estudos para iniciar ou intensificar a sua exploração deve ser uma prioridade nas regiões onde o extrativismo da borracha (Hevea brasiliensis) e da castanha do Brasil (Bertholletia excelsa) encontra-se em decadência, como é o caso do vale do Rio Purus, na região central do Acre.
Um estudo de avaliação da produção extrativista do murmuru foi realizado ao longo das florestas ciliares do Rio Purus. A partir da realização de inventários florestais, foi possível quantificar a produção potencial de frutos e estimar o aproveitamento dos mesmos na extração de gordura e óleo vegetal.
Com o apoio do projeto ‘Ciliar cabeceiras do Purus’, coordenado pelo professor Écio Rodrigues, do curso de Engenharia Florestal da UFAC, e assessoria técnica do professor Marco Amaro, da mesma instituição, foram levantadas áreas florestais em ambas as margens do Rio Purus, desde o município de Santa Rosa do Purus até a cidade de Boca do Acre, no Amazonas. A área total amostrada correspondeu a 23,75 hectares, distribuídas em 95 parcelas de 0,25 ha.
Para a determinação do potencial de produção dos frutos do murmuru levou-se em conta a densidade natural da espécie ao longo da área estudada e as características dos cachos e dos frutos. Para a determinação do aproveitamento dos frutos foram usados dados secundários disponíveis na literatura e obtidos através de entrevistas com pes-soas envolvidas no comércio dos frutos em outras regiões do Estado.
O resultado do levantamento indicou a ocorrência do murmuru em 54 das 95 parcelas levantadas. A densidade das plantas nessas parcelas variou entre 4 e 70 indivíduos/ha. Em outra região do Acre, o Vale do Rio Juruá, outros estudos encontraram densidades médias que variaram entre 41,3 e 93,6 indivíduos adultos de murmuru/hectare.
No que concerne ao potencial de produção de frutos, os dados apresentados a seguir se aplicam apenas as 54 parcelas (13,5 ha) nas quais o murmuru foi encontrado ao longo das matas ciliares do Rio Purus. Considerando que cada palmeira produz de 2 a 6 cachos por ano e que cada cacho tem peso médio de 2,15 kg e produz entre 200 e 400 frutos, estima-se que nas parcelas levantadas é possível obter 32,13 toneladas de frutos por ano. Esta produção equivale a 714 sacos de 45 kg de frutos/ano, a unidade de medida utilizada na comercialização dos frutos na região. Cada saco de murmuru é vendido por R$ 14,00 e permite a extração de 11 kg de amêndoas. De cada kg de amêndoas é possível obter 300 g de óleo. Assim, de um saco de frutos é possível extrair 3,3 kg de óleo, cujo preço de comercialização em 2013 era de R$ 19/kg. Portanto, a produção anual de óleo a partir dos frutos colhidos nas 13,5 hectares de florestas levantadas equivale a R$ 44.767,65.
A exploração do murmuru no Rio Purus é, sob o ponto de vista econômico, uma atividade com potencial de gerar renda e emprego para algumas das famílias extrativistas daquela região. Entretanto, isso só se concretizará com a consolidação de uma cadeia de produção que possa garantir a compra de frutos, viabilizar a instalação de uma unidade extratora de óleo e o escoamento da produção para mercados regionais ou nacionais. Sem isso, as palmeiras continuarão a desempenhar, como sempre fizeram, o papel de mero ‘componenteda bela paisagem’ daquela região empobrecida.
* (1) Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC; *(2) Arthur Cavalcante de Andrade é engenheiro florestal.