O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estabelecido pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1988 para fornecer informações científicas, técnicas e sócio-econômicas relevantes para o entendimento das mudanças climáticas, prevê um aumento de 2 °C na temperatura global até 2050. E uma das atividades humanas que serão mais afetadas caso essa previsão se confirme será a agricultura.
Em maio passado, durante um encontro científico realizado em São Paulo para compartilhar conhecimentos e experiências em pesquisas sobre o impacto das mudanças climáticas na agricultura e na pecuária, os pesquisadores participantes avaliaram que as mudanças em curso estão causando alterações nas fases de reprodução e de desenvolvimento de diferentes culturas agrícolas, entre elas milho, trigo e café, resultando na queda da produtividade agrícola em países como Brasil e Estados Unidos.
Em depoimento à Agência Fapesp, o pesquisador americano Jerry Hatfield, diretor do Laboratório Nacional de Agricultura e Meio Ambiente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, afirma que “as mudanças climáticas terão impactos nas culturas agrícolas de forma direta e indireta” e que um dos principais impactos observados nos Estados Unidos é a “queda na produtividade de culturas como o milho e o trigo”. Segundo ele a produção americana de trigo não tem atingido grandes aumentos de safra como os obtidos entre as décadas de 1960 e 1980 e uma das principais razões para essa ausência de incremento na produtividade é o aumento da temperatura durante as fases de crescimento e de polinização.
O pesquisador explicou que culturas agrícolas como trigo, soja, milho, arroz, algodão e tomate “têm diferentes faixas de temperatura ideal para os períodos vegetativo – de germinação da semente até o crescimento da planta – e reprodutivo – iniciado a partir da floração e formação de sementes. O milho, por exemplo, não tolera altas temperaturas na fase reprodutiva. Já a soja é mais tolerante a temperaturas elevadas nesse estágio”. Em seus estudos Hatfield já observou fracassos na polinização de arroz, trigo e milho em razão do aumento da temperatura na fase de florescimento. A ocorrência de déficit hídrico em conjunção com o aumento da temperatura poderá exacerbar os efeitos negativos sobre a produção dessas culturas. No Brasil, os prejuízos relacionados com as mudanças climáticas foram estimados pela Embrapa, tomando como base a produtividade média da soja, em mais de US$ 8,4 bilhões entre 2003 e 2013. A produção de milho perdeu mais de US$ 5,2 bilhões no mesmo período.
As mudanças climáticas em curso também já estão causando modificações na geografia da produção agrícola brasileira. Segundo o pesquisador Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, a ausência de geadas em quase todas as regiões de São Paulo a partir de 2000 reflete um aumento da temperatura no estado e teve como conseqüência a “migração da produção do café em São Paulo e Minas Gerais para regiões mais elevadas, com temperaturas mais propícias para o florescimento da planta”. Ele explica que “durante o florescimento do café, quando os botões florais tornam-se grãos de café, a planta não pode ser submetida a temperaturas acima de 32 ºC. Apenas uma tarde com essa temperatura é suficiente para que a flor seja abortada e não forme o grão”. O pesquisador alerta que “o aquecimento global deverá aumentar entre 5 e 10 vezes a incidência de tardes quentes durante o período de florescimento”, tornando inviável a produção futura de café em áreas de baixa altitude no estado de São Paulo. Estima-se que as mudanças climáticas deverão diminuir a área de baixo risco para o cultivo do café no Brasil em 9,45% até 2020, causando prejuízos estimados em R$ 882 milhões, e 17,5% até 2050, elevando as perdas para R$ 1,6 bilhão.
Se por um lado o aquecimento global prejudica algumas culturas agrícolas, para outras ele parece ter efeitos extremamente benéficos. É o que concluíram pesquisadores do Departamento de Biologia da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Em estudo publicado na revista Enviro-nmental and Experimental Botany, os pesquisadores paulistas observaram que o aumento de 2 °C na temperatura do ambiente de cultivo da forrageira estilosantes (Stylosanthes capitata) resultou em um incremento de 32% no índice de área foliar (mais fotossíntese) e de 16% na produção de biomassa acima do solo em comparação com as plantas cultivadas sob temperatura normal. Estilosantes é uma leguminosa forrageira que cresce em solos arenosos e é muito resistente à seca. Quando cultivada de forma consorciada com espécies de gramíneas em áreas de pastagens, incorpora nitrogênio atmosférico ao solo e melhora a qualidade e a quantidade de proteínas disponíveis para os animais.
No mesmo estudo, os pesquisadores verificaram que a gramínea forrageira Panicum maximum, popularmente conhecida no Acre como ‘capim-colonião’ou ‘capim-tanzânia’, quando cultivada em temperatura 2 °C acima da normal e com uma concentração de carbono atmosférico de 600 ppm (a ser atingida em 2050 segundo um cenário projetado pelo IPCC), diminuiu a partição de biomassa para as folhas em relação ao caule. Esse fato é desvantajoso porque “o gado se alimenta da folha e não do caule, que é muito duro e o animal não consegue digerir”, afirmou o autor principal do estudo, Carlos Alberto Martinez. O mesmo resultado foi observado para a gramínea Brachiaria decumbens, muito cultivada no Acre. Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, observaram que o cultivo dessa espécie em ambiente com 200 ppm de carbono acima do nível atual resultou em um aumento na produção de caule e diminuição de biomassa nas folhas da planta.
É consenso entre os pesquisadores que a investigação dos possíveis impactos das mudanças climáticas globais sobre plantas forrageiras é importante porque elas são a principal fonte de alimento para o gado em países como o Brasil, cuja maior parte da produção de carne e leite provém da criação extensiva de gado em pastagens cultivadas. Além disso, é importante investir em pesquisas para estudar o genoma de espécies nativas do Brasil com grande capacidade adaptativa, tolerantes à seca e temperaturas elevadas. A esperança é que a identificação e o isolamento dos genes responsáveis por essas características poderão ajudar a tornar culturas como a soja, milho, arroz e feijão resistentes aos extremos climáticos. Felizmente, como lembrou, em depoimento a Agência Fapesp, o pesquisador Eduardo Assad, do Centro Nacional de Pesquisa Tecnológica em Informática para a Agricultura (CNPTIA) da Embrapa “O maior armazém do mundo de genes tolerantes ao aquecimento global está aqui, no Cerrado e no Semiárido Nordestino”.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.