Charles Sanders Peirce (1854-1914), criador da teoria pragmática, em seu ensaio intitulado “Como fazer claras nossas ideias” diz que: “ter ideias claras sobre um objeto significa prever quais sensações, presentes e futuras, nos possam aguardar, e preparar as nossas reações”.
Tivesse eu a presunção de interpretar o texto, me arriscaria a dizer que por sua capacidade racional, o homem, por experiência, já deveria saber de antemão ou prever com antecedência as consequências “presentes e futuras” dos males que nos afetam. Mas a coisa não é bem assim. Quem pode antecipar, em sã consciência, o que ainda virá no campo das tragédias humanas, por exemplo?
O conceito de trágico é debatido pelos filósofos não somente em relação com a forma de arte que é a tragédia, mas também em relação à vida humana, em geral. A definição antiga de tragédia é, para Aristóteles, a imitação de acontecimentos que provocam piedade e terror e que dão início à purificação destas emoções. As situaçãoes que provocam “piedade e terror” são aquelas em que a vida ou a felicidade de pessoas inocentes é posta em perigo, ou em que os conflitos não são resolvidos ou são resolvidos de modo a determinar “piedade e terror” nos expectadores.
Para Arthur Schopenhauer (1788-1860) tragédia é a representação da vida no seu aspecto terrificante. A dor sem nome, a pena da humanidade, o triunfo da perfídia, a escarnecedora senhoria do acaso e o fatal precipício dos justos e dos inocentes nos são apresentados por ela; de modo que a tragédia constitui um sinal significativo da natureza do mundo e do ser.
Esse conceito de tragédia se apõe muito bem as guerras, entre povos ou nações, que desgraçadamente nunca cessam. Elas apenas se deslocam de um lugar a outro. Agora se instalou no Campo Santo, palco de eternos conflitos históricos. As motivações dessa irracionalidade sejam na guerra entre Israel e a Palestina ou em qualquer outro lugar do Planeta Terra, são ambições hegemônicas. Guerreiam num dado momento, para “resistir à brutalidade de um ditador”. Em outro, em favor de uma agenda mulçumana, detentora de regras e cânones reacionários. Mas, no fundo querem a supremacia política e religiosa. A tragédia humana deste confronto irracional é que o inocente tem que pagar por uma culpa que outros cometeram.
Aplica-se, também, de forma fenomenal, a violência nossa de cada dia. A repetição da violência se apresenta como um contrassenso no momento em que nossa compreensão dos fenômenos naturais e sociais; em que o avanço do saber científico e das conquistas da razão; em que a consciência do valor e do respeito à vida pareciam afirmar-se definitivamente de modo indiscutível. A violência nossa de cada dia é sintomática; é como um câncer, com suas metástases, levando o homem a um estado terminal.
As tragédias humanas, milenar mente, nos trazem sofrimento. Filosoficamente, sofremos quando nos são tirados os prazeres, sejam os naturais e necessários (comer, beber água, dormir, etc.) sejam os naturais não necessários com suas variações supérfluas; sejam os naturais e vãos, como as riquezas e o poder.
Quando estamos acostumados com algum bem-estar e repentinamente perdemos, principalmente de forma trágica como foi o caso dessas famílias que viram anos de trabalho ser arrastados em poucos minutos pela violência das águas, na recente enchente do Rio Madeira, em grande volume e velocidade levando tudo e a todos de roldão, trazendo destruição e morte, então padecemos. O mesmo drama e tragédia vive agora a população da maioria das cidades do Estado do Amazonas, com a subida desproporcional dos rios.
Tem ao mesmo tempo a questão afetiva: a casa e o lugar ou qualquer outro bem de consumo; os animais de estimação; a pessoa amada que se vai porquanto quis ir ou porque morreu. Essas perdas nos trazem pequenos e grandes sofrimentos. Em outras palavras, o sofrimento humano é ocasionado pela privação daquilo que nos traz felicidade, prazer ou alegria: a prisão é a negação da liberdade; a morte é a privação da vida; a fome é a ausência do alimento; a sede é a privação do saciar-se com a água; a escuridão é a privação da luz; o caos é a negação da ordem; a doença no corpo humano é a falta de saúde plena. Essa realidade humana sempre existiu de fato. Contudo, nos dias atuais se multiplica tragicamente.
*Pesquisador Bibliográfico em Humanidades.
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