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O bambu é um desafio para a conservação e o manejo de florestas no sudoeste da Amazônia (final)

A ocorrência de florestas com comportamento caducifólio no sudoeste da Amazônia não está citada na literatura. Entretanto, as características dessas florestas se enquadram na definição de floresta tropical caducifólia (22; 47): formações ocorrentes em regiões onde a estação chuvosa é seguida por um longo período seco e com o estrato superior (dossel) formado de macro e mesofanerófítos predominantemente caducifólios, com mais de 50% dos indivíduos despidos de folhagem no período desfavorável. É interessante notar, no entanto, que o estrato inferior das florestas com comportamento caducifólio no sudoeste da Amazônia – dominado por bambu e/ou palmeiras – são perenifólios.

As florestas com comportamento caducifólio do sudoeste da Amazônia estão no limite sul do domínio da floresta ombrófila aberta da Amazônia e devem representar uma transição para outras formações pré-andinas e de regiões mais secas como o cerrado. Entretanto, se elas forem apenas enclaves não é incomum a ocorrência de florestas estacionais em meio a formações de florestas ombrófilas na Amazônia (48). Um indicador que reforça o caráter estacional das florestas com bambu no Acre é a ocorrência anormalmente elevada da palmeira Syagrus sancona e a quase ausência da palmeira açaí (Euterpe precatoria) (49). Syagrus é um gênero mais diversificado e abundante em regiões de cerrado ou em florestas de transição entre a Amazônia e o cerrado, e raro em florestas primárias da Amazônia (50).

Estacionalidade da floresta favorece o bambu
A admissão da ocorrência de florestas estacionais no sudoeste da Amazônia implica na reclassificação de parte considerável das florestas acreanas, consideradas em sua quase totalidade como dos tipos “ombrófila densa” e “ombrófila aberta” (3; 51), e suscita uma importante questão fitoecológica relacionada com a dominância do bambu na região: será que existe um favorecimento climático para o estabelecimento e a manutenção das extensas áreas de florestas com bambu na região? Nenhuma das hipóteses até aqui levantadas para explicar a presença do bambu na região considerou a sazonalidade climática e sua influência sobre a vegetação local: (i) ações antropogênicas (52), (ii) eventos naturais catastróficos como incêndios florestais massivos ocorridos no passado (53), (iii) oportunismo da espécie na colonização de clareiras e supressão da regeneração de outras espécies (7; 8), (iv) danos cíclicos-permententes no dossel da floresta (7) e (v) ocorrência associada a tipos específicos de solo (1).

Um fator que limita a aceitação da primeira hipótese é o fato dos registros históricos indicarem que a presença de assentamentos indígenas pré-colombianos na Amazônia está mais concentrada nas áreas de vár-zeas e florestas adjacentes do que nas florestas de terra firme dos interflúvios, onde as florestas com bambu do sudoeste da Amazônia são mais frequentes (7). Uma exceção a isso talvez sejam os povos de terra firme responsáveis pela construção de centenas de geoglifos em áreas de terra firme da Amazônia ocidental (54). As demais hipóteses são válidas, mas individualmente não explicam a resiliência do bambu na região.

Se for considerado que o fator climático desencadeia o comportamento caducifólio das florestas com bambu, condições ideais de luminosidade e espaço físico no dossel da floresta estarão disponíveis em bases anuais para o crescimento do bambu durante o período de estiagem. É importante ressaltar que mesmo com restrição de água no solo na estiagem, os colmos de Guadua weber-baueri são capazes de crescer 1,2 m/mês (2) porque acumulam água em seu interior (7). Dessa forma, independente de ações antropogênicas, eventos naturais catastróficos, oportunismo para ocupar clareiras abertas na floresta pela queda natural de árvores ou por blowdowns (rajadas de ventos muito fortes), e abertura de espaço no dossel da floresta via danos físicos causados na copa de árvores de sustentação, a estacionalidade das florestas do sudoeste da Amazônia funciona em favor da manutenção do bambu como o elemento dominador do subosque das florestas locais.

O fator climático também deve ser um dos principais fatores que limitam a expansão do bambu para áreas florestais adjacentes à sua atual zona de ocorrência no sudoeste da Amazônia, pois em todas essas áreas adjacentes se verificam aberturas de milhares de clareiras por razões naturais (queda de árvores e blowdowns) ou decorrentes da ação humana (desmatamento, exploração seletiva de madeira).

Considerações finais
As florestas com bambu no sudoeste da Amazônia são formações que demandam extremo cuidado durante as intervenções para a exploração de seus recursos florestais, especialmente a exploração madeireira, pois o bambu, por sua agressividade e rapidez na colonização de novos espaços no interior da floresta, pode comprometer a regeneração natural de outras espécies e alterar a estrutura e a composição florística.

O fato das florestas com bambu serem do tipo abertas as tornam naturalmente muito mais suscetíveis ao fogo do que outras formações florestais amazônicas, como as florestas densas. Além disso, a mortalidade sincrônica e em massa do bambu, cujas populações podem ocupar extensões superiores a 2.700 km2, aumenta de forma dramática o risco de incêndios florestais na região.

A seca de 2005 favoreceu a ocorrência de numerosos incêndios florestais no sudoeste da Amazônia que alteraram a estrutura e a diversidade das florestas locais. Essas modificações estruturais e florísticas tornaram as florestas impactadas pelos incêndios florestais mais suscetíveis ao fogo e, provavelmente, favoreceram a expansão do bambu para novas áreas.

O longo período de estiagem que ocorre no sudoeste da Amazônia induz a maioria dos indivíduos arbóreos das florestas com bambu a se comportar de forma estacional, perdendo as folhas anualmente. Essa condição, independente de outras estratégias de crescimento e expansão que o bambu possui, é um dos fatores determinantes para a sua perpetuação nas florestas da região.

Nota: Os números entre parênteses referem-se às referência bibliográficas consultadas, disponíveis na íntegra do artigo, publicado na revista Ciência e Cultura, Vol. 66, p. 46-51, jul.-set. de 2014.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa/AC e do Parque Zoobotânico da Ufac.

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