O perigo da invasão do bambu na Amazônia ocidental não decorre apenas da exploração madeireira. Outra ameaça é a ocorrência de fogo de origem natural ou decorrente de atividades humanas.
É possível que as mudanças climáticas em curso tenham contribuído de forma significativa para a seca que afetou severamente o sudoeste da Amazônia em 2005, uma das mais intensas dos últimos 100 anos (19; 20). Este evento pode ter sido um prólogo do que deverá acontecer nas próximas décadas, pois mais de 75% dos modelos climáticos propostos para a região sugerem que, até 2100, parte da extremidade leste e sul da Amazônia atualmente ocupada por florestas se tornará climaticamente imprópria para essas florestas, que serão substituídas por um tipo de vegetação parecido com as savanas (21).
A alta suscetibilidade dessa região às mudanças climáticas revelada pelos modelos climáticos (20) se deve, em parte, ao fato da tipologia florestal predominante ser do tipo “aberta”, como são as florestas com bambu. No âmbito do sistema brasileiro de classificação da vegetação, elas são consideradas como “florestas ombrófilas abertas” (22). Elas predominam na parte sul da Amazônia e são consideradas como transição entre a floresta amazônica e áreas extra-amazônicas. Elas se distinguem fisionomicamente das florestas densas por apresentar dossel com árvores mais espaçadas (aberto) e ocorrer em regiões com climas sazonais onde a estação seca varia entre 2 e 4 meses (23).
O dossel mais aberto das florestas do sul da Amazônia favorece a predominância de alguns grupos de plantas no subosque, com destaque para as palmeiras (várias espécies) e o bambu (principalmente G. sarcocarpa e G. weberbaueri), resultando na ocorrência generalizada de florestas com palmeiras e bambu por toda a região.
A exploração madeireira, especialmente das árvores de maior porte, abre clareiras nessas florestas e contribui para ampliar a abertura do dossel florestal (24). Além de contribuir para aumentar a dominância do bambu nos locais em que já está presente e favorecer a sua expansão para áreas onde estava ausente (25; 26), a exploração madeireira também aumenta a suscetibilidade ao fogo (26-28), pois o microclima no interior das florestas abertas é mais seco e a serrapilheira que se acumula sobre o solo não conserva a umidade da mesma forma que nas florestas densas, onde o dossel é mais compacto (29; 30).
Pesquisadores que estudam florestas com bambu na Amazônia e em outras regiões já alertaram que a remoção de árvores madeireiras de grande porte é problemática não apenas porque elas tem naturalmente baixo volume de madeira e área basal, mas também porque isso aumenta os riscos de incêndios florestais (27-28; 31-32), especialmente após a exploração da madeira (16).
A seca de 2005 no sudoeste da Amazônia proporcionou condições para a ocorrência de numerosos incêndios florestais espontâneos (33-35) e contribuiu para tornar as florestas da região ainda mais suscetíveis ao fogo (36-38). As florestas impactadas pelo fogo tiveram sua estrutura alterada, pois o fogo afetou severamente as plantas do subosque, diminuiu a diversidade florística e causou a mortalidade de árvores de grande porte (39-42). Nessas condições, é possível que tenha havido uma expansão do bambu para o interior dessas florestas. A recorrência da ocorrência de incêndios florestais causados pelo homem na região, especialmente os derivados da queima de áreas agrícolas adjacentes às áreas florestais, é outro fator que deve contribuir para a expansão e dominância do bambu no sudoeste da Amazônia (26).
Florestas com bambu são estacionais?
Entre 2005 e 2008 diversos sobrevoos foram realizados entre as cidades de Rio Branco e Santa Rosa do Purus, no Acre, por ocasião da elaboração do plano de manejo do Parque Estadual (PE) Chandless, que fica localizado no centro da “província” de bambu no su-doeste da Amazônia. Fotografias aé-reas da floresta tomadas no auge do período seco (julho-agosto) durante esses sobrevoos revelaram algo intrigante para os pesquisadores: em todas as ocasiões, mais de 50% dos indivíduos arbóreos emergentes ou integrantes do dossel da floresta encontravam-se desprovidos de folhas ou mostravam apenas folhas novas, expondo a maior parte do subosque florestal dominado por bambu e/ou palmeiras abaixo.
Os primeiros indícios do caráter estacional das florestas naquela região remontam ao trabalho de caracterização da vegetação da Estação Ecológica (EERA) Rio Acre, localizada nas cabeceiras do Rio Acre, no extremo leste do Estado. Durante a estação seca de 2005 observou-se que a maioria dos indivíduos arbóreos nas florestas de encostas e topos de elevações na EERA Rio Acre estava desprovida de folhas (43). Como 2005 foi climaticamente atípico em razão da seca severa que atingiu a Amazônia Ocidental (20), se pensou que o comportamento estacional observado era consequência desse fenômeno. Entretanto, estudo florístico realizado no período chuvoso que se seguiu constatou que 61% dos indivíduos arbóreos encontrados correspondiam a espécies deciduais (44).
A EERA Rio Acre e o PE Chandless estão separados por uma faixa de floresta com cerca de 40 km de largura e por isso compartilham condições climáticas semelhantes, com pluviosidade de 1.900 mm em anos normais, mas que pode cair para menos de 1.500 mm em anos muito secos (45). A sazonalidade da precipitação é bastante pronunciada e o período seco pode se estender por até cinco meses (meados de abril a meados de setembro), mesmo nos anos considerados climaticamente normais (40; 45). Dessa forma, a possível explicação para o comportamento caducifólio das árvores emergentes e integrantes do dossel das florestas com bambu no Acre é climática, pois as plantas, especialmente as de maior porte, perdem as folhas em resposta à falta de água no solo durante a longa estiagem evitando, dessa forma, estresse hídrico e possível colapso.
Sem ter como manter a copa enfolhada, os indivíduos arbóreos, especialmente os emergentes, tendem a entrar em repouso fisiológico por um curto período de tempo e o seu crescimento, especialmente o radial, diminui ou para por completo dependendo da intensidade e da duração da estiagem. A retomada do crescimento após o surgimento de novas folhas resulta na formação de anéis de crescimento, fato observado em algumas espécies nativas do leste do Acre como a copaíba (Copaifera sp.). Esta condição tem levado pesquisadores locais (46) a tentar desenvolver modelos matemáticos para estimar o crescimento de espécies madeireiras locais com base em seus anéis de crescimento.
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Nota: Os números entre parênteses referem-se às referência bibliográficas consultadas, disponíveis na íntegra do artigo, publicado na revista Ciência e Cultura, Vol. 66, p. 46-51, jul.-set. de 2014.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC