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O primeiro Natal na Cidade do Povo

Gilmara disse que sonha em ter um Natal com sua família, pela primeira vez em anos

O Natal pode ter um milhão de significados para cada pessoa. Família, presentes, folga, ceia, confraternização ou solidariedade. No entanto, para as mais de mil famílias que se mudaram neste ano para a Cidade do Povo, o dia 25 de dezembro vai ter um sentido especial: um novo LAR. Para quem já tem um bom lugar para morar, parece algo sem importância. Só que, para quem passou a vida lutando por uma moradia digna, não há nada melhor do que ter uma casa.

Pelo menos essa é a realidade que descobriu a dona de casa Gilmara dos Santos Souza, 25 anos. Ela se mudou, junto com seu marido e seus quatro filhos, para a casa 20 da quadra 16b da Cidade do Povo. Faz pouco tempo em que Gilmara e sua família estão no seu novo lar. Saíram de uma casinha minúscula em uma área de risco em um beco (que ela nem lembra mais o nome e nem faz questão de lembrar) do bairro Cidade Nova. O local era alto e todos se apertavam para caber nele. Dormir e comer com aconchego lá era uma missão impossível.

Quando chegava o final de ano, Gilmara conta que nem sequer lembrava em comemorar Natal. Tudo o que ela tinha era medo e preocupações. Dezembro não significa festas, mas sim chuva. Muita chuva. Além disso, era um preâmbulo de que meses de um inverno ainda mais rigoroso viriam pela frente. E isso deixava todo o barranco onde ela vivia enlameado. Liso. Perigoso. Não havia o quê celebrar. E um mês que deveria ser de planos e sonhos virava um grande pesadelo.

Mas agora tudo é diferente. Orgulhosa com o seu novo cantinho, Gilmara conta que já sonha, pela primeira vez em anos, em ter um Natal com sua família. Mesmo que seja modesto.

“Antes, nós passávamos muita necessidade. Foram mais de quatro anos lá e eu tinha medo de tudo. Por exemplo, nossa antiga casa ficava na beira do rio. Por isso, era muito alta e isolada. As crianças viviam brincando nas beiradas dela. Eu ficava apavorada em pensar que elas podiam sofrer um acidente ali e se machucarem. Meu maior medo é de que aquela casa desabasse com toda a minha família dentro”, recordou Gilmara, receosa.

Já na sua nova casa, Gilmara mostra a felicidade no rosto de seus filhos, dois meninos de 8 e 4 anos e duas meninas, uma de 6 anos e outra de 7 meses. Três deles não param de brincar nas áreas de lazer da Cidade do Povo. E a quarta espera só sair do colo para ter a mesma alegria. A mãe, feliz, afirma que é muito mais fácil criar seus filhos neste novo ambiente. As pessoas são mais direitas e eles têm até quartos para dividir entre eles. Chega de viver nos apertos.

“Tem muita diferença. Lá [na casinha de madeira, às margens de um rio que não a queria por perto], eu não tinha nenhuma perspectiva de nada pra eles. Nem de Natal. Hoje, eu penso em fazer um jantarzinho de ceia, e sonho que eles tenham presentes”, comentou a mãe.

Saindo de uma invasão para o maior conjunto residencial público do Acre

“Antes eu não planejava nada. Hoje está tudo melhor. Posso até dizer que dá pra pensar em ter um Natal”. Com essas palavras Eliene Silva da Conceicão, recém-moradora da casa 14 da quadra 16a da Cidade do Povo, distingue os dias passados no seu antigo ‘lar’ para o atual.

Eliene vive com seus três filhos, de 8, de 6 e de2 anos, e com sua mãe. O ‘antes’ a que ela se refere era um casebre de madeira e lona praticamente inacessível na invasão do Buriti, uma área localizada no Bairro Quinze. Somado com outro lugar em que a família de Eliane morava, ela lembra que foram quase 4 anos vivendo de forma subumana.

“Tínhamos muito medo de assalto. Era uma região perigosa. Nossos vizinhos eram roubados o tempo todo e perdiam o pouco que tinham. Além disso, quando chovia não dava para chegar lá de forma alguma, nem carro, nem moto. A casa era alta e uma parte do nosso piso era feito de lona. Eu viva brigando com meus filhos para eles terem cuidado de não cair dela. Sem falar que nos entornos havia muito mato. De vez em quando, aparecia uns bichos perigosos. Uma vez eu cheguei em casa e tinha uma cobra nela”, lembrou Eliene.

Outra lembrança pior, segundo a dona de casa, foi a vez em que sua antiga casa quase foi incendiada. O fogo começou na lona e, por sorte, eles viram antes que pudesse se alastrar para a parte de madeira. “As coisas aqui são bem diferentes. Temos condições para viver. Acabou todos aqueles medos. Meus filhos vão crescer num local melhor, longe de bandidos e de outras coisas ruins”, declarou Eliane, acrescentando que este será o melhor Natal da sua família.

Os anos de alagação ficaram no passado
Quem também fala sobre as perspectivas de um Natal mais feliz é o casal Neci Lopes Braga, que trabalha com serviços gerais, e o pedreiro Aguinaldo Alves da Silva. Eles moravam com seus dois filhos em uma área de risco no bairro Seis de Agosto. Quase todo ano ficavam alagados. Dezembro, para eles, era nada mais do que o mês onde começava a agonia do inverno. Em várias ocasiões, o rio os expulsou de casa. E foram longos 14 anos nessa rotina anual.

Mas Aguinaldo conta que tudo aquilo que sua família viveu ficou no passado. “É uma página virada. Quando começava o período de chuvas, ficava muito ruim lá onde morávamos. Ficávamos com um grande receio de perder nossas coisas. E foram 14 natais assim. Agora, tudo mudou. Aqui é uma maravilha. Só temos a agradecer”, frisou o pai da família.

O casal Neci e Aguinaldo também falaram sobre a adaptação à nova vizinhança. Eles contam que algumas das pessoas que moram perto deles na Cidade do Povo são conhecidas. Gente que já vivia perto deles na Seis de Agosto. Isso acontece porque na hora de alocar as famílias nas casas do programa, há prioridade para a questão dos laços de comunidade. Ou seja, quem morava perto e enfrentou junto às dificuldades das áreas de risco, deve também ser vizinho na Cidade do Povo.

E é com este espírito de vizinhança e de aproximação com as pessoas que o casal conta o quanto estão mais seguros e confiantes para criar seus dois filhos, um de 10 anos e uma moça de 16. Aguinaldo e Neci afirmam, categoricamente, que onde eles estavam não é um lugar para se educar os filhos. Havia muitos bandidos e maus elementos. Os dois temiam muito que os filhos crescessem em um ambiente ruim e tivessem seus caminhos na vida desvirtuados.

“O Natal dos nossos filhos será bem melhor aqui [na Cidade do Povo]”, disse Aguinaldo. Ele e Neci contaram que, para a data, a família, a partir deste ano, vai criar uma tradição diferente. “Antes, nossa casa ficava num lugar muito difícil de chegar. Por isso, sempre passávamos o Natal na casa dos pais da Neci. Neste ano, acho que vamos passar o Natal aqui em casa.  É a primeira vez que planejamos isso”, comentou Aguinaldo.

A nova tradição é um orgulho da família em estar em uma casa digna. A mãezona do lar, Neci Lopes Braga, fala também da diferença entre cuidar da casa de hoje e da de um tempo negro na sua família. “Ah, é bem mais fácil. Mais rápido. Alvenaria é bem mais fácil de cuidar, lavar, fazer tudo. Além do mais, a gente se sente mais feliz cuidando de uma casa assim, bem mais do que aquela velha casinha de madeira. Ela é uma recompensa pra nós”, finalizou Neci.

Sobre a Cidade do Povo
A Cidade do Povo é o maior programa habitacional da história do Estado. Ao todo, serão construídas 10.518 unidades habitacionais (termo mais técnico para denominar ‘casas’) em uma área de 700 hectares, localizada no km 5 da BR-364. A obra vai custar mais de R$ 1,1 bilhão, recursos adquiridos através do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) do Governo Federal. Uma cifra que, sem dúvida, vai gerar muita renda e mã0-de-obra para os acreanos.

Em outras palavras, serão 10.518 famílias (mais de 50 mil pessoas) que passarão a viver num conjunto residencial planejado. Muitas delas, inclusive, saindo de locais insalubres, com casas em alto risco de desabarem ou de serem tomadas pelo Rio Acre em tempos de enchente, pouca ou nenhuma acessibilidade e distante da vida em sociedade.

Até agora, foram feitas três etapas de entregas de casas no local. A primeira delas foi de 392 casas e aconteceu no dia 22 de maio. A segunda foi no final de junho e contemplou 509 novos moradores. A terceira e maior entrega foi de 771 moradias e ocorreu no dia 29 de novembro.

Mas o que significa estas entregas? Um ponto de partida. De acordo com o sociólogo da Cidade do Povo e prestador de serviços para a Secretaria Estadual de Habitação Social, Marlon Jonas Pereira, muita gente pensa que, quando é feita a entrega, todos os beneficiados já vão receber as chaves e morar na sua casa no empreendimento. Não é bem assim. Na verdade, é a partir da cerimônia que as pessoas começam o processo para se mudar para a Cidade do Povo.

Marlon conta que, atualmente, há famílias que já moram no local há 8 meses. São aquelas que foram beneficiadas em maio, na 1ª etapa. As mudanças estão sendo feitas para as famílias da 3ª etapa (771 casas). A cada dia, cerca de 30 a 40 delas, aos poucos, vão ocupando seus novos lares. Paralelo a isso, Marlon conta que o governo está fiscalizando para garantir que nenhum titular beneficiado tente vender, trocar ou repassar a sua casa, além de fazer um cadastro completo para dar mais segurança, identificar o perfil e analisar as carências sociais das famílias.

(Fotos: Odair Leal/ A GAZETA)

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