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A importância da gestão de riscos de desastres naturais

A ocorrência de desastres naturais,  especialmente aqueles derivados de fenômenos climáticos, está se tornando mais frequente no Acre nestes últimos anos. Cheias excepcionais nos rios acreanos, que ocorriam esporadicamente em cada década ou algumas dezenas de anos, agora ocorrem em intervalos bem menores. Em Rio Branco o transbordamento do Rio Acre tem ocorrido quase todos os anos e o assunto tem sido pauta obrigatória na imprensa local entre os meses de janeiro e março.

Uma nova cheia do Rio Madeira e o possível isolamento terrestre do Acre neste ano de 2015 também tem sido amplamente debatido. A discussão mais acalorada parece envolver a determinação da influência que as usinas hidrelétricas construídas naquele rio tiveram na ocorrência da grande cheia de 2014 e na possível repetição do fenômeno agora em 2015. Independente da opinião que venha prevalecer ao final desse debate, temos observado uma mudança do senso crítico da sociedade local sobre a recorrência desses desastres naturais.

Para muitos, ler ou assistir as matérias jornalísticas noticiando a ocorrência e as consequências dos desastres, com a descrição detalhada de um ou outro drama vivido por alguns dos afetados não é suficiente. É preciso ir mais fundo. Alguns querem saber as razões que levaram à ocorrência do fenômeno, se o mesmo irá se repetir e quais as possíveis atitudes que devem ser tomadas para evitar a sua recorrência. Outros querem saber se as autoridades públicas estão preparadas para enfrentar as consequências dos desastres, se tem planos de ação factíveis e adequados. Enfim, a ocorrência sem prévio aviso e a minimização dos prejuízos decorrentes desses desastres parecem ser prioridades para uma parcela considerável da sociedade na atualidade.

Essa mudança na percepção dos desastres naturais pode estar relacionada com uma possível aceitação de que as alterações climáticas globais estão realmente afetando o ambiente. Outro aspecto a ser considerado é uma possível conscientização de que os benefícios econômicos de obras de grande impacto ambiental muitas vezes são relativos, ou seja, parte da sociedade é efetivamente beneficiada enquanto que outra, geralmente minoritária, é sacrificada. Um bom exemplo disso é a ameaça de isolamento do Acre em caso de cheia no Rio Madeira cuja gênese parece estar relacionada com a construção de usinas hidrelétricas que beneficiam prioritariamente outras regiões do país.

Tudo indica que um novo paradigma se coloca para os setores governamentais que lidam diretamente com desastres naturais na região. De um papel que na atualidade se mostra quase que totalmente reativo e reparador, esses setores deverão atuar também de forma proativa na possível prevenção e planejamento prévio de ações mitigadoras dos efeitos dos desastres. Um novo campo de atuação se impõe nas políticas públicas dos governos estaduais e municipais: a gestão de riscos de desastres naturais.

Desastres naturais no Acre tem tradicionalmente afetado parcelas vulneráveis da sociedade: em zonas urbanas os habitantes empobrecidos das zonas de risco e na zona rural os ribeirinhos, responsáveis por parte considerável da produção agrícola e extrativista do Estado. E as perspectivas futuras não são nada animadoras. As zonas urbanas deverão se expandir ainda mais, a exploração e degradação das áreas florestais, bem como os efeitos globais e regionais das mudanças climáticas deverão se intensificar.

Um artigo publicado no início desse ano na revista Natural Hazards (Desastres Naturais) por um pesquisador da Universidade Federal do Pará avaliou a gestão de desastres naturais na Amazônia brasileira, nos estados do Acre, Amazonas e Pará. Depois de entrevistar os gestores de instituições relacionadas com desastres naturais nestes três estados, o autor observou alguns temas recorrentes, os quais denominou ‘desafios para a gestão de riscos na Amazônia’: (a) Percepção – desastres são considerados, de forma conveniente pelos governantes, como elementos de origem natural nos quais a sociedade tem poucas possibilidades de intervir em suas causas ou na mitigação de seus impactos. As mudanças climáticas são vistas como geradoras de oportunidades (ex. economia verde) e não como possíveis causadores de eventos extremos; (b) Recursos financeiros – os orçamentos dos estados são escassos e a maioria dos recursos utilizados em ações e programas depende de repasses do Governo Federal. Esta situação torna vulnerável a gestão de riscos de acidentes, podendo causar descontinuidade ou paralisação das ações e aceitação de estratégias e ações nacionais e internacionais não adequadas à realidade local. A falta de recursos pode resultar em poucas e precárias instituições civis ativas e dirigentes desinteressados ou desinformados; (c) Dados e informações: escassas informações sistematizadas de risco, como vulnerabilidades e perigos, bem como bases cartográficas em quantidade e qualidade; (d) Institucional – as instituições diretamente relacionadas à gestão de riscos estão concentradas nas capitais e se dedicam mais à mitigação do que ao planejamento e prevenção.

O artigo conclui identificando quatro principais elementos que dificultam a implementação de ações preventivas na gestão de risco na Amazônia: (a) Os governantes não consideram a gestão de risco uma prioridade durante a elaboração das políticas de desenvolvimento sustentável, provavelmente em razão da necessidade de dar maior visibilidade a outras políticas e medidas; (b) Prever eventos climáticos extremos na Amazônia ainda é muito difícil; (c) Não existem indicadores robustos para avaliar estratégias e ações de gestão de riscos; (d) A subordinação dos órgãos de coordenação de defesa civil aos corpos de bombeiros militares é problemática porque isso leva à associação dos objetivos dessas organizações aos das organizações militares, que é resolver problemas que foram gerados pelos desastres naturais. O autor ressalta ainda que o financiamento de ações visando a prevenção de desastres é difícil considerando o alto grau de incerteza que ronda a ocorrência dos desastres naturais, o rigor da legislação, e a complacência das autoridades locais em relação aos benefícios econômicos e administrativos quando da aprovação de atividades potencialmente desastrosas.

Os problemas apontados pelo pesquisador da Universidade Federal do Pará são parcialmente decorrentes da inexistência de pessoal capacitado no tema de gestão de riscos de desastres naturais. Na atualidade o mesmo é tratado de forma muito limitada em cursos de graduação em gestão ambiental ou correlatos. Diante dessa situação, no âmbito do Parque Zoobotânico da Ufac o Dr. Foster Brown, coordenador do setor de mudanças climáticas globais (Setem), está liderando a elaboração de um projeto para viabilizar acadêmica e financeiramente a realização de um inovador curso de pós-graduação focando a gestão de riscos de desastres naturais. A intenção é capacitar gestores públicos e outros interessados no tema, criando uma massa crítica que possa ajudar a integrar efetivamente o mesmo às políticas públicas e atividades desenvolvidas por entidades públicas e privadas no Acre e outras regiões da Amazônia Sul-Ocidental.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.

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