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Frigorífico promete ser um marco para consolidar a cadeia de Piscicultura do Acre

Frigorífico foi construído com R$ 17 milhões e vai ter capacidade para preparar, inicialmente, 70 toneladas de peixes por dia; ele será testado pela primeira vez nesta quinta-feira

Peixe de água doce. Ao longo da história, os acreanos sempre o tiverem em sua mesa. Só que a forma de abatê-lo sempre foi manual. Muitas vezes até primitiva. Uma cadeia baseada na atividade de subsistência de pequenos produtores, ribeirinhos e pescadores. Só que este ano o Acre deve dar um passo largo para mudar isso. E fazer com que as pessoas enxerguem os peixes amazônicos de forma diferente. Com um olhar em escala mais industrial.

O Governo do Estado vai testar hoje, 29, pela primeira vez, as máquinas do Frigorífico do Complexo de Piscicultura Peixes da Amazônia S/A. A ocasião vai contar com a presença do governador Tião Viana e do ministro da Pesca e Aquicultura, Helder Barbalho.

A partir de 15 de março (também trabalham com a hipótese de antecipar esta data para o dia 25 de fevereiro), o frigorífico passará a operar em caráter experimental. Serão meses assim até que o frigorífico passe de fato, funcionar comercialmente. E, desta forma, os acreanos vão conhecer melhor o que se passa dentro do amplo galpão localizado no km 30 da BR-364. Um galpão que vai empregar 260 pessoas e que vai ter capacidade para preparar, inicialmente, 70 toneladas de peixes por dia (ou 20 mil toneladas por ano).

No entanto, para entender a importância desta agenda de quinta-feira é preciso conhecer melhor o empreendimento. Em linhas gerais, o frigorífico foi construído com cerca de R$ 17 milhões em recursos estaduais e federais. Seu objetivo maior é consolidar as políticas públicas de incentivo à Piscicultura no Estado. Ainda complicado? Para simplificar, o frigorífico é o passo final para esta cadeia produtiva do peixe que o Acre está tentando consolidar.

Para entender melhor, é preciso voltar um pouco no tempo. Desde 2010, o governo acreano começou a apostar alto no potencial produtivo e econômico do peixe amazônico. A partir daí, produtores de animais (inclusive, aqueles que geravam mais carne bovina e até de aves) passaram a ser incentivados a criar peixes. O poder público os ajudou fazendo tanques adequados em suas propriedades, além de entregar quantidades determinadas de alevinos. E a medida deu certo. Logo, os tanques e açudes começaram a se encher de vários tipos de peixes.

A Secretaria de Indústria do Estado (Sedens) acompanhou toda a evolução produtiva destas propriedades. E viu que o êxito nas primeiras experiências dava margem para implementar um ‘pensamento de grandeza’ no projeto de Piscicultura. A visão de gerar peixes só para abastecer o mercado interno (ideia inicial) ficou pra trás. Estendeu-se à uma proposta maior: produzir para o mercado externo (exportação). Para a Bolívia, para os demais estados da região Norte e até para o mercado europeu (ávido por produtos exóticos da Amazônia).

Só que, para tanto, o peixe de água doce do Acre precisa ter um preço atrativo e um alto padrão de qualidade da sua carne, até mesmo com um prazo de validade maior para chegar a mercados cada vez mais distantes. Para tanto, havia a necessidade de ter uma linha de industrialização completa do peixe produzido nos tanques e açudes do solo acreano. Ou seja, a cadeia local só iria pra frente se houvesse um lugar para abater os peixes. Foi daí que surgiu o Complexo de Piscicultura, que possui o frigorífico, fábrica de rações e indicativos para ‘mais coisas’.

O que, então, isso resume sobre o frigorífico, em especial? Primeiro, que ele foi idealizado para receber a maior parte da produção de peixes criados em cativeiro no Estado. Lá, os peixes vão passar por um amplo processo de industrialização, até saírem prontos, como um produto final, para serem vendidos no mercado local e até estrangeiro.

O processo produtivo prima pela segurança alimentar

Industrialização começa a partir desta plataforma/ tanques

Agora é hora de mostrar como vai funcionar o novo empreendimento da Peixes da Amazônia S/A. Para isso, não há ninguém melhor do que o gerente de operações frigoríficas, Jair Bataline.  De acordo com ele, tudo começa em uma plataforma na área externa que fica colada com 10 tanques metálicos.

Os peixes vão chegar dos produtores até o frigorífico de duas formas: vivos ou mortos. Os que chegarão vivos vão passar pelos tanques e serão direcionados por eles até a parte de dentro da ‘indústria’. Eles poderão ser separados em cada tanque tanto por espécies, tanto pelo nome do produtor que os trouxe. Como são 10 tanques, a capacidade é de separá-los em até 10 categorias. Já os peixes que chegarão mortos, já abatidos, deverão estar armazenados em um grande container azul, denominado de caixa para transporte. É especifico do frigorífico.

Qual é a diferença? Jair Bataline explica que a forma com que o peixe é abatido conta, e muito, para a qualidade do produto final da sua carne. Se o produtor levar o peixe vivo, ele terá um custo a mais para a Peixes da Amazônia abater o animal. Se levá-lo já morto, ele ganha mais. No entanto, caso haja algo de errado na forma com que os peixes foram abatidos, o produtor pode não receber nada e terá de pegar seus peixes de volta.

Daí é que se começa a ver o alto padrão de qualidade do frigorífico. Quando o peixe chega vivo, nos tanques, ele é colocado em uma água com a temperatura ideal, com a quantidade certa de oxigênio e Ph (nível de acidez) para que o peixe não morra, nem fique estressado. Pensar no grau de stress pode parecer um detalhe tolo. No entanto, isso faz a diferença na sua carne.

Ao passar pelo tanque, o peixe sobe em uma esteira e toma um choque elétrico para ser imobilizado. Em seguida, ele é pescado e levado para o resfriamento e para a sangria. Neste momento, os funcionários cortam as guelras e sangram o peixe. Por que sangrá-lo? Jair explica que o sangue proporciona mais riscos de microorganismos/patógenos infectarem a carne do peixe.

“Neste processo, a carne fica mais clara, mais gostosa, rende mais carcaça (que podem virar subprodutos) e dá mais vida de prateleira ao comerciante. O peixe que é abatido de forma inadequada tem de 6 a 7 dias de validade. Os que são mortos da maneira correta podem durar de 14 até 17 dias. Além disso, há o fator do rigor mortem, ou seja, quando o peixe morre com muito sangue e músculos, eles se transformam em ácido lático, que prejudica a carne”, detalhou o gerente.

Estes passos todos duram cerca de 15 minutos. Mas os peixes morrem em torno de 3 minutos.

Passada a sangria e resfriamento, o peixe vai para a evisceração (onde ele é aberto e separado). A partir desta fase, toda a área física é extremamente limpa e o ambiente é controlado. A temperatura sempre fica em 12º C a 16º C para não ter moscas, nem bactérias para contaminar o peixe. Dependendo das exigências do mercado, os peixes podem ir para a esteira de pequeno porte ou de grande porte. Eles podem ser de couro ou não, podem pedir o peixe sem cabeça ou inteiro. Tudo depende da demanda dos compradores. Também é retirado o ânus (por motivo também de evitar riscos de exposição a patógenos) e o abdômen é aberto.

Terminada a evisceração, vem a filetagem. Antes de um passo para o outro, a carne do peixe passa por um túnel de limpeza e vai para cabines higienizadas. Daí, é feita a posta ou o filé do peixe. As partes do bicho (exemplo: a cabeça e as vísceras) que são descartadas são enviadas em um tubo direto para a fábrica de ração. Já a pele e as escamas serão separadas para serem enviadas para outros fins industriais/comerciais (fazer bolsa, calçado, etc).

O filé/posta do peixe é lavado novamente e depois é classificado e pesado. Os resíduos que podem ser reaproveitados são também enviados para a fábrica de ração e a outra parte é levada a uma máquina chamada de CMF (que separa os ossos da carne). Esta carne separada é despejada em uma bandeja verde e pode virar outros produtos, como carne moída. Os filés são depositados em uma caixa de até 18 kg de volume, junto com gelo. São congelados ou resfriados, depende de como o cliente quer. A seguir, vão para uma câmara de estocagem para serem carregados. A câmara fica a um temperatura de 6 a 9ºC e tem capacidade para receber até 70 toneladas.

Por fim, eles são limpos mais uma vez e depois rumam para dois tunéis para serem embalados. São tirados da estocagem e serão carregados nos caminhões de transporte para os mercados.

Maior indústria para peixes de água doce do país… e é no Acre

Empreendimento será o maior para peixes de água doce do Brasil e deve garantir a qualidade do produto

O processo de produção do frigorífico é bem complexo, apesar de ser rápido e eficiente. Mas o ponto principal que Jair Bataline, tecnólogo formado em processamento de carnes e derivados pela Universidade Federal Fluminense/RJ e pelo Centro Tecnológico de Vassouras/RJ, ressalta é a preocupação constante com o padrão de qualidade da carne produzida. “A finalidade será assegurar a saúde alimentar ao consumidor”, complementou o gerente.

Neste sentido, Jair conta que haverá um controle organoléptico no frigorífico, mais conhecido popularmente como o flavor (traduzindo: ‘sabor’) do peixe. Assim, o programa da Peixes da Amazônia S/A vai coletar amostras dos peixes nas propriedades e trazer para uma degustação dentro do frigorífico. Vão analisar a textura da carne produzida, o cheiro, a cor e o sabor. Caso identifiquem algo diferente nela, as equipes técnicas vão tentar identificar o problema com os produtores. Mesmo antes de receber os carregamentos de peixes, esta mesma equipe vai colher a amostra um mês antes e agendar quando o frigorífico pode receber os peixes para o abate.

Jair Bataline trabalha no ramo de frigoríficos desde 1992. Passou 3 anos mexendo com carne de boi na Sadia. Doze anos na Seara com carne de aves e suínos. E foram mais 7 anos na Peixe Mariterra. Neste último local, a propósito, ele atuou na equipe que fez o processamento do pirarucu da Amazônia para ser exportado em escala industrial, pela primeira vez no Brasil. E conta que nunca viu um projeto tão grandioso e bem pensado como este no Acre.

“A sociedade acreana deveria, em geral, se interessar mais pelo que está sendo feito aqui. Há muitos grupos de fora que estão de olho neste complexo. Este será o maior frigorífico para peixes de água doce do Brasil. No resto do país, há indústrias de porte maior, só que para peixes de água salgada. Hoje em dia, o mercado saiu daquele patamar de peixes intermediários. As demandas maiores são por um produto final mais sofisticado. Mais acabado. E é isso que o frigorífico vai garantir ao mercado acreano”, finalizou Bataline.

O maior reflexo disso estará no bolso do acreano que não abre mão de ter peixe na sua mesa. Com o frigorífico em pleno funcionamento, a expectativa é que os custos de peixes se tornem mais acessíveis. Até espécies mais exóticas locais poderão ser vendidas a um valor menor. O que acontece hoje é que o quilo do peixe é mais caro porque há pouca produtividade no mercado daqui. A partir do Complexo de Piscicultura, isso certamente vai mudar.

(Fotos: Tiago Martinello/ AGAZETA)

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