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Ao Point do Pato, um poema notívago

Um poema para a boemia talvez jamais venha a ser cartesiano, exatamente, pelo pouco equilíbrio constante, já, a partir das próprias palavras trôpegas de quem o engendrou em meio a talagadas generosas de uma caipirinha de kiwi. Mas aqui, neste caso, o René Descartes vai ter que dançar o tango no compasso que eu quiser. Foi esse francês fenomenal que deixou um mimo mais ou menos parecido com as frases que seguem. Os homens que se emocionam com as paixões são capazes de ter mais doçura na vida. Muito provavelmente tudo isto foi dirigido a mim… Saúde!

E sobre as paixões, pensando bem, há homens que se apaixonam unicamente por uma ou muitas mulheres. Ao par destes, observo aqueles que são apaixonados por certos lugares. Eu, cá de minha parte, também fico extasiado ante o belo sexo, todos os dias, ainda cedo, quando abro os olhos e os esfrego pensando ser miragem a musa que está ressonando ao meu lado. Tudo isto, sem falar dos meus amores platônicos pela maravilhosa cidade de São Sebastião, lá na velha Guanabara.

Mas eu preciso ir além sempre, muito mais adiante. Em verdade vos digo que há certos botecos que foram marcando, indelevelmente, a minha alma fugaz pela vida afora. Eles, cada um ao seu tempo, são a minha cara, dependendo da época desta existência descuidada e marota.

Por último, há uns doze anos, tenho ficado e gostado bastante desse tal Point do Pato,depois de perambular feito andarilho em busca do algo melhor que muitos encontram em poucos locais que lhes agradam deveras. Enfim, achei o meu ninho, a paz de um boteco generoso que me faz degustar a cerveja numa temperatura entre o ponto de bebericar e o de congelar. Uma beleza!

Lá estou sempre às sextas, depois de percorrer nove quilômetros entre a minha vivenda e o boteco amado. Uma viagem feita em ansiedade, posto que todos os pecadores que conversam com a cerveja, nesta dada hora e neste justo momento, já se encontram aflitos ou com água na boca à procura de algo muito óbvio que lhes refresque a goela e aguce o pensamento e o sentimento e as ações que estreitam cada vez mais um convívio de alguns dos mesmos, inclusive, um que propõe seja formada a Confraria do Point do Pato. Dá-lhe, garoto!

Enquanto outros recintos do gênero abrigam uma clientela bem diversificada, em termos de origem natural, lá, a acreanidade lateja, é pulsante, reverbera, brilha nos olhos de tantos quantos se cumprimentam e, neste momento, perguntam sobre como estão os familiares, os amigos mais antigos, os velhos professores, os locais e as relações de trabalho, dentre outras indagações.

Como parte das obrigações do agente de desenvolvimento de recursos humanos na Ufac, tenho a função de dar as boas-vindas a todos quantos são contratados pela Casa, ou vou mandando bem de cicerone dos que nos visitam em viagens de trabalho ou estudo. Se a minha argúcia observa que o cara pálida é do ramo das espumosas, entre uma vírgula e outra, já o convido para conhecer um boteco com a cerveja mais gelada do mundo e música de altíssimo nível, na sexta, é claro. Como o cidadão tem, no mais das vezes, a cara e o jeito de inteligente, a ele digo que lá há um camarada meu que se auto adjetivou enquanto um chicólatra. Aí, nós já estamos a caminho, às vezes, inclusive, com a esposa e os filhos a tiracolo. Vá entender!

O moço do violão, sim, é um capítulo à parte. Nada que lembre uma toada sertaneja ele terá vontade de tocar. Tudo o que remeta a Chico, Gil, Caetano e Fagner ele faz questão de colocar o seu talento e o seu bom gosto nas notas sempre muito bem arranjadas no instrumento.

Manobreiro de palavras, escrevinhador de rotinas, esquadrinhador de frases, metido a artista em prosa e verso sou eu. Por isto, fico de queixo caído com a habilidade musical do mago do violão, que não sabe se é do Maranhão, do Pará ou do Acre. A ele, aplausos mui demorados e de pé. Bravo!

Dias desses, então, encontrei um bom homem no supermercado. A mim ele perguntou se eu ainda andava no Point do Pato. Ao que assenti. Daí ele foi adiante e indagou sobre se ainda lá estava o mesmo Galvão, se o Lima ainda cantava a mesma Valsinha, do Chico Buarque, se a cerveja ainda habitava a casa dos três graus, e assim por diante. Eu disse que sim. É já tradição. Tudo ainda acontece como na época em que ele era um dos partícipes do convívio etílico-gastronômico-musical. Por isto é que é bom.

Mas houve um certo desrespeito. Advogo que estamos tratando de um local onde a cultura acreana se faz efervescente. Por isto, exijo que o poder público tenha um pouco mais de carinho para com o meu boteco. É um erro crasso da autoridade que lá chegou e já foi aplicando uma pena segundo a qual o Pato cerraria as portas. O correto seria, antes, apenas uma recomendação e, em quinze dias, tudo estaria acertado. Não há nenhum prazer em gerar prejuízo para quem não merece.

Não, irmão bacana! Eu não tenho a necessidade nem de comprar fiado. Sou do tempo em que comida e bebida devem ser compradas à vista, no cache. A minha intenção não é obter privilégios como uma cerveja de brinde. Jamais. Afianço-te que crônica como esta existe porque se trata de um retrato da minha boemia e um esboço de uma das partes mais deliciosas da minha vida. Ademais, uns poucos homens e mulheres de bom coração até já notaram que cometo alguns exercícios bem pródigos nas artes da literatura. É isso o que dá!

Os mais sensíveis hão de notar que os humanos que praticam as coisas com carinho desmedido têm sempre o prazer de fazer bem feito, ou pelo menos do jeito que a maioria gosta. Bom é ouvir, então, o que um dia me disse a senhora Jorge, minha amiga, proprietária daquela casa de deleite intenso:

Há dezessete anos, surgia o Point do Pato. Já no início, se fez muito bem frequentado. Tornou-se ponto de encontro de empresários, jornalistas, médicos, escritores, dentre outros. Em suma, o Pato tornou-se o Point de todos. Quando a questão turística começou a ser tratada por aqui, o Point virou um polo de turismo gastronômico. Daí vieram os prêmios, como os do Guia 4 Rodas. Depois, fui entrevistada pela revista Gula. Em seguida, dei entrevista para o programa Mais Você, da Ana Maria Braga. Enfim, ganhei vários prêmios, certamente porque coloco o ingrediente insuperável que é o amor à arte de bem atender.

Por tudo isto e por muito mais, grafei em bom papel os versos toscos abaixo. Esta, sim,  uma irresistível vontade de demonstrar o meu afeto de homem da noite por todos os que por ali pululam.

UM POEMA NOTÍVAGO
Viola feita do pinho,
Só mesmo muito carinho,
E um talento afinadinho,
Para fazê-la chorar.
Uma canção gota a gota,
Entre uma nota e outra,
A vida corria solta,
Nos acordes do Ademar.
Meia-noite, lua a pino,
Discutíamos o destino
Daquele sertão menino,
Desta terra, deste lar.
Ali, quase atei a rede,
Era muita a minha sede,
Em casa era como estar.
Depois do último solfejo,
Ainda mandei um beijo,
Só pra matar meu desejo
E um poema pra embalar.
Daí a noite se fez fria
E a rua ficou vazia
Antes de raiar o dia
Em casa me vi chegar.

*Autor de Janelas do tempo, livro de crônicas, de 2008; e O inverno dos anjos do sol poente, romance, de 2014, à venda na Livraria Nobel do Via Verde Shopping.

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