As duas espécies da Amazônia brasileira são amplamente conhecidas por seus usos tradicionais: do crajiru (Arrabidaea chica) há muito se tira o corante vermelho-vinho para dar vida aos sorvetes, produzidos na Europa inclusive, e do mulateiro-da-várzea (Calycophyllum spruceanum) se obtém chá e banho de assento para o resguardo pós-parto, sobretudo das moradoras de comunidades isoladas. Mas é graças às pesquisas sobre as propriedades e particularidades das substâncias encontradas nas duas plantas que hoje também se fabricam xampus, condicionadores, cremes para tratamento capilar e até tônicos para estimular o crescimento de cabelos.
O crajiru é uma trepadeira de folhas estreitas e longas, fácil de “plantar de galho” como se diz popularmente. É bastante cultivado em jardins e roças. Tanto o corante alimentício como o extrato dos cosméticos são obtidos das folhas, embora os produtos para cabelos não sirvam para tingir, pois o protocolo de extração é diferente.
O mulateiro-da-várzea é uma bela árvore de trinta metros de altura, com tronco liso e reto, de cuja casca se extraem compostos fenólicos antioxidantes e clareadores, usados contra rugas e manchas da pele. Sua área de ocorrência natural se estende pelas várzeas do Acre, Amapá e Amazonas, em concentrações de até 30 árvores por hectare (só para efeito de comparação, as espécies madeireiras devem ter um mínimo de três árvores por hectare para serem exploradas legalmente e o mulateiro tem 10 vezes mais). A madeira é densa e tem bom poder calorífico, por isso é bastante usada como lenha para cozinhar, pelas populações tradicionais.
Minha família veio da França e Amsterdã nos anos 1890 e se instalou no Acre, antes do Acre ser do Brasil”, conta o químico e empresário Paulo Tasso, justificando, em tom de brincadeira, como nasceu ‘índio de olhos azuis’. Desde criança, ele sempre viu a mulherada tomando chá de mulateiro e passando na pele para não envelhecer. E pode comprovar o efeito nos rostos lisos e sem rugas delas, com destaque para uma tia, Terezinha, hoje com 91-anos-que-ninguém-diz.
Por isso, Tasso investiu numa fábrica de creme facial antirrugas, chamada Casa de Mulateiro. Depois, tomou conhecimento de pesquisas realizadas com as duas espécies – mais de 40 teses de doutorado, só sobre o mulateiro – e criou também uma linha para cabelos, utilizando os extratos e a mucilagem de mulateiro e crajiru, com reforço de amor-crescido (Portulaca pilosa).
O mulateiro é fungicida, o crajiru é bactericida e o amor crescido fecha a cutícula do cabelo e dá brilho. Todos juntos garantem a limpeza e fortificam o couro cabeludo e os cabelos, sobretudo após tinturas à base de formol, amônia, guanidinas, peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e hidróxidos.
“Como sou um pouco careca, comecei a desenvolver um tônico capilar para mim, à base de mulateiro e outro ativo vegetal. Deu muito certo – fez nascerem novos fios! – então agora estou preparando o lançamento desse tônico no mercado”, comemora o químico-empresário. Isso deve ocorrer assim que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) apreciar a documentação, talvez até meados deste ano.
“Todos os nossos produtos são orgânicos, sem parabenos e sem petrolatos”, acrescenta.
Pelo jeito, a aposta na dupla da biodiversidade amazônica compensa, sobretudo para quem tem problemas cabeludos. Ou melhor, capilares! (Liana John, do blog Biodiversa – Planeta Sustentável)