Ao longo do tempo a região que conhecemos atualmente como Amazônia sofreu profundas transformações antes de ser definitivamente ‘ocupada’ pela floresta tropical exuberante que conhecemos na atualidade.
Durante a era Paleozóica, que se estendeu entre 540 e 260 milhões de anos atrás, a massa de terra não recoberta por água no nosso planeta estava unida e formava um único continente – ou supercontinente – conhecido como ‘Pangéia’, um nome que combina as palavras gregas pan (=todo) e gea (=terra). Nessa época a região hoje ocupada pela Amazônia provavelmente era inundada por água salgada.
Mais tarde, entre 225 e 200 milhões de anos, no decorrer da era Mesozóica, o supercontinente Pangéia começou a se dividir, dando origem à Laurásia, que englobava a América do Norte, Europa e norte da Ásia, e Gondwana, que incluía a América do Sul, Antártica, África, Índia e outras grandes ilhas localizadas nos Oceanos Pacífico e Índico.
Há cerca de 150 milhões de anos o supercontinente Gondwana começou a se fragmentar dando origem, alguns milhões de anos depois, à América do Sul, África, Austrália, Artártica e Índia. A separação da América do Sul e África não foi imediata e eles continuaram juntos por cerca de 15 milhões de anos. A fratura que originou a América do Sul e África dividiu gigantescas bacias hidrográficas, extensas áreas florestais, desertos e outros biomas outrora contínuos no extinto continente Gondwana. Ela também deu origem ao Oceano Atlântico.
Por volta de 100 milhões anos atrás a vegetação que predominava na região hoje ocupada pela Amazônia era formada por plantas sem flores, especialmente as coníferas, cicadáceas e as samambaias. No final da era Mesozóica, há cerca de 65 milhões de anos, os dinossauros foram extintos e os primeiros mamíferos com placenta e as aves surgiram. Paralelamente as plantas com flores, também conhecidas como fanerógamas, começaram a evoluir e em pouco tempo dominaram quase por completo o reino vegetal sobre o planeta. Tanto que no início da era Cenozóica – sucedânea da Mesozóica há 65 milhões de anos – as florestas existentes na região Amazônica já eram dominadas por famílias de plantas com flores. É bom esclarecer que embora o clima favorecesse a existência de vegetação na região, ela não era como a atual, pois a aridez excessiva impedia o crescimento de florestas de grande porte.
Nessa época os rios que drenavam a região ocupada atualmente pela floresta Amazônica corriam no sentido Leste-Oeste em direção ao Oceano Pacífico. Alguns pesquisadores advogam que o sentido Leste-Oeste dos rios derivava do fato de os mesmos integrarem uma mega bacia hidrográfica no extinto continente Gondwana originária na região que hoje corresponde ao interior da África e que tinha como rio principal o Congo, ainda hoje o mais caudaloso rio africano e o segundo em extensão naquele continente.
A separação da África e América do Sul manteve o sentido Leste-Oeste da drenagem na região, mas o surgimento dos Andes, há cerca de 15 milhões de anos, provocou profundas mudanças na região. A elevação dos Andes, que se estende da Patagônia até o Caribe, formou, em conjunto com o escudo do Brasil Central e das Guianas, um bloqueio que transformou a Amazônia em um vasto mar interior.
Entre onze e dez milhões de anos atrás as águas represadas no interior da Amazônia finalmente conseguiram erodir e abrir passagens nas elevações localizadas na parte leste da região e lentamente o sentido da drenagem foi se invertendo para, com o tempo, se firmar na direção Oeste-Leste. Estudos indicam que a origem do rio Amazonas coincide com esses eventos, mas o seu curso atual se estabeleceu em data mais recente, 2,4 milhões de anos.
A drenagem definitiva do lago que existia na Amazônia foi acelerada durante as glaciações, ou resfriamentos que ocorreram no planeta desde a elevação dos Andes. Durante as glaciações uma parte considerável da água existente nos oceanos se transformava em gelo, causando uma diminuição em seu nível. Isso permitia o escoamento da água represada na Amazônia em direção ao Oceano Atlântico. Neste processo formaram-se lagos menores e a calha de rios que mais tarde integrariam a bacia hidrográfica amazônica. Desde então a região pantanosa que se formou no lugar do grande lago amazônico foi e continua a ser lentamente aterrada por sedimentos vindos de regiões periféricas mais elevadas, notadamente os Andes. É um processo que perdura até os dias atuais.
O resultado da substituição da água por sedimentos resultou na formação do que hoje conhecemos como a grande ‘planície amazônica’. E essa origem sedimentar explica a fragilidade dos solos amazônicos à erosão e sua pobreza em nutrientes. O caráter sedimentar da região também justifica a facilidade com que os cursos dos rios na região mudam com tanta frequência, afinal solos arenosos não tem como resistir à força da água. Por isso se diz que a majestosa e imponente floresta amazônica é tão frágil. Ela vive, literalmente, sobre o fio da navalha, tendo que se adaptar para crescer e prosperar – de forma quase inexplicável – sobre um solo pobre e extremamente frágil.
Mas como uma região como solos tão pobres e fragilizados deu origem a uma floresta tão rica em biodiversidade?
Entre aproximadamente 23,8 e 5,3 milhões de anos atrás as condições ideais para existência de uma floresta tropical estavam presentes na região hoje ocupada pela Amazônia: alta precipitação, pouca variação climática, solos heterogêneos. Diz-se que a vegetação dessa época foi a predecessora da atual, mas a explicação para a alta biodiversidade que se estabeleceu, no entanto, é motivo de disputa no meio científico.
Sabe-se que durante o período Neogênico da escala geológica (entre 23,8 e 2,6 milhões de anos atrás) ocorreu um resfriamento planetário que diminuiu a extensão das áreas florestais e favoreceu a expansão de savanas na região Amazônica. Na época geológica que se seguiu (Pleistoceno, entre 2,6 milhões e 11 mil anos atrás), os vários períodos de secas severas que ocorreram provocaram a divisão da floresta existente na Amazônia em fragmentos isolados, provavelmente separados por áreas de savanas ancestrais.
Esses remanescentes florestais serviram como ‘refúgios’ para populações de plantas e animais que passaram a evoluir separadamente. Com a volta da normalidade climática, as florestas se expandiram e se reconectaram, permitindo o contato de plantas e animais antes isolados. Esses processos de separação-junção, cada um com duração de centenas ou talvez milhares de anos, provavelmente se repetiram muitas vezes e são considerados por alguns, incluindo o autor deste texto, como o responsável pelo legado de alta diversidade de plantas e, especialmente, animais na Amazônia atual.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC