Esta pergunta é que eu mais escuto, como cientista ambiental, especialmente depois das enchentes de alguns meses atrás. Na verdade, a pergunta é mais complexa do que parece, começando com quem somos nós e o que representa responsabilidade. É um pouco mais fácil responder a pergunta “Que proporção dos eventos extremos é devida a influência humana?”
No caso dos eventos extremos na região (secas prolongadas de 2005 e 2010, inundações do Rio Acre em 2012 e 2015 e do Rio Madeira em 2014), a minha resposta padrão tem sido que por causa de modificação da composição da atmosfera (aumento do gás carbônico) e da cobertura da terra (desmatamento), atividades humanas têm contribuído a estes, mas a ciência não determinou quanto. Um artigo publicado recentemente na revista científica Nature abordou a parte de quanto, pelo menos no nível global.
O clima sempre está mudando e eventos extremos como a seca de 1925-26 na Amazônia (pior em mais de um século) ocorrem naturalmente. Atividades humanas servem mais como amplificadores destes processos naturais, em parte por causa do aumento da temperatura da Terra nos oceanos e no ar.
Desde da época de 1970 a temperatura do ar da Terra tem aumentado, como causa principal a liberação de gases de efeito estufa, principalmente gás carbônico. Por exemplo, o ano passado a temperatura do ar foi o mais quente na história e este ano, se continuar a tendência, o ano de 2015 vai ser ainda mais quente. Isto significa mais energia na atmosfera, tanto para evaporar água e secar ambientes, quanto para ter chuvas mais fortes.
Drs. Fischer e Kunutti do Instituto para Ciência Atmosférica e de Clima de Zurich, Suíça publicaram na edição online da Nature de junho de 2015 uma analise de modelos de clima aplicado ao presente onde a anomalia de temperatura global já é de 0,85 graus C desde os anos 1800.
Eles focalizaram nos eventos extremos de temperatura e de chuvas na escala global para estimar quanto foi a contribuição de atividade humana. Eles encontraram que a influência humana afetou cerca de 75% das ondas de calor. A situação de chuvas fortes diárias foi menos, 18%, numa escala global. Para a nossa região, eles estimaram um aumento na ordem de 5 a 15% atualmente nestes eventos extremos de chuvas, comparado ao passado.
Mas o que foi mais surpreendeu foi para as chuvas intensas prolongadas atuais de 15 dias que tem 27% de influência humana. As previsões para um mundo mais quente, que é aonde estamos indo, indicam que as chances de eventos mais extremos, os extremos dos extremos com grande impacto, aumentarão muito rapidamente.
Apesar de esses dados serem para a média global, os autores alertam que atividades humanas já estão afetando eventos extremos no planeta, aumentando, consequentemente, os riscos de desastres naturais. As inundações têm alguns fatores complicadores, como desmatamento nas bacias e assoreamento nos rios, sem falar de ocupação humana das margens dos rios, que complicam a história.
Um artigo deste não prova que os eventos extremos dos últimos dez anos são somente um resultado de atividade humana, aliás, a variabilidade natural ainda predomina no caso de chuvas na escala global. Mas ele serve para nós alertar que já tem um componente humano significativo e a tendência é para que eventos muito extremos fiquem mais frequentes.
O desafio para todos é como podemos adaptar no curto prazo e mitigar no médio prazo. Talvez uma analogia ajudaria entender a situação: imaginar que o seu vizinho bebe de vez em quando e quando bêbado, canta horrivelmente durante a madrugada. Para poder dormir se coloca o travesseiro acima da cabeça para reduzir o barulho. Isto se chama adaptação.
Agora, via influência humana, o vizinho fica bêbado mais frequentemente (chuvas e secas mais frequentes) e alguém lhe deu um alto faltante (maior intensidade). Agora, nem um travesseiro mais espesso resolve a situação, então é preciso reduzir o fluxo do álcool do vizinho e cortar a energia do alto faltante. Isto se chama mitigação.
No caso de mudanças climáticas, adaptação é essencial mas tem seus limites. Precisamos pensar, juntamente, como podemos ter uma economia e meio de vida que enriqueça a Terra e não a degrade.
Foster Brown*, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Risco de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre