Se não fosse volúvel como sou, seria um santo bem à moda das carolas mais fundamentalistas do século anterior ao meu. Tiro daí, então, advertência cruel segundo a qual uma das grandes perfeições do universo está exatamente na instabilidade do humano. A inconstância marca o passo da humanidade que se arrasta pelos becos e vielas do mundo, e não tem certeza da sua aposta no futuro que pertence tão somente a Deus.
Veio a mim gentil senhorita a dizer que a perfeição não é assunto a ser tratado comigo. Disse-me que muito me assemelho ao anjo exatamente porque tenho buscado ser o homem que anda nos trilhos com a certeza de que o trem não me atropelará. Tem razão a Isadora!
É por isto que vou vivendo e arrastando, com os andrajos mundanos, a volúpia do meu tempo chorão e ensaboado como a pele macia da morena da terceira fila, o quindim de jerimum da minha prosa poética, às vezes tão corrosiva ou sardônica ou irônica ou satírica.
Em outras ocasiões, está lá, estendida no chão duro da história, uma poesia tão esquelética e melíflua e bela e sensual e nua e crua, como o arroz sem sal com o que mamãe me alimentou aos onze meses. Quanto encantamento!
É verdade, senhora lucidez. Varri o barraco do chão. Derrubei a vela e a tapera conjugal pegou fogo. Resolvi, enfim, dar um basta no relacionamento. Vossa Mercê mesmo há de lembrar, certamente, aquela máxima segundo a qual o sujeito perdeu uma chave velha e mandou logo fazer uma novinha em folha. Passados uns dias, então, ele achou a chave antiga e, morrendo de amores tardios, resolveu guardar a chave recente no fundo do coração e passou a fazer uso da anterior… É aquela coisa do até que a morte os separe, se é que a Isabela me compreende.
Ah, pois bem. Certo é que voltei às velhas manias, ao amor mais antigo do mundo, pensando naquelas certas coisas que já não são comuns nos nossos dias, numa alusão à modinha bem conhecida, como o gesto singelo que é mandar flores à professorinha jeitosa e linda.
Há mais de vinte voltas, eu houvera abandonado o velho amor por um amor do finzinho dos anos oitenta, quase noventa, novinho de dar gosto. Pitéu. Uma delícia e uma carícia a cada minuto dessa vida bandida e devassa engendrada por Deus e mantida por Ele mesmo. Esse era o nosso diapasão de muitos filhos insolentes e orgias indizíveis, tendo em vista o horário contra pornográfico e os censores da época.
Era feliz, sim. Mas sou e serei volúvel, sempre e de uma vez por todas. Viver uma aventura a cada duas décadas, ou a cada três semanas, é sempre bom para fígado e para os olhos dos que têm a alma vadia vaca cara lavada com sabão neutro, como eu.
O caso de amor barulhento, que substituiu o primeiro, teve real início quando nós juntamos os panos de bunda, isso, em noventa e um. Eu não a conquistei. Ela me seduziu. Vivemos dias felizes ao redor dos filhos gerados, paridos e criados com muito gosto e austeridade. Ganhamos bastante dinheiro. Quase ficamos ricos juntos, um tirando proveito do outro. Eu usufruía o que ela podia me dar e ela comprava com o que podia gastar, a rodo, na fuzarca e no carnaval das ilusões mais pífias.
Ela me fez largar de beber, digamos assim, por uns cinco dias, como costumeiramente faço desde os tempos de devaneio. (Bebo às sextas e nunca aos domingos, sem nenhuma sobriedade, é lógico.) Com muito gosto, segui-lhe os conselhos e passei a receber, aos sábados e demais dias, visitas de filósofos e historiadores de outros mundos, de Platão a Lênin, de Heródoto a Marc Bloch. Fabriquei o bem querer da academia. Dei à luz teses acadêmicas laureadas e de muito fôlego. Filhos gloriosos que logo cedo ficaram adultos e adúlteros, como eu. Sem nenhum pejo.
Mas o tempo não se rendeu e o destino fez das suas. Foi-se embora a volúpia das primeiras épocas. A libido passou a andar de bar em bar à procura de um amor dos velhos ou de novos tempos. Havia chegado, então, a época em que o verdadeiro grande amor não é tão durável e quase vira incesto… (É sabido por todos que, com a convivência por tanto tempo, o marido passa a ver a esposa como se fosse a sua irmã intocável.) A Gaia Scienptia, meu segundo amor, já dera o que tinha de dar.
Larguei-a solenemente em meio a um desses rendezvous da vida. Já a alma sacana se apaixonara perdidamente por Artêmis Littera, uma deusa de rua ligada a uma família de literatos de cordel vindos do sertão do Ceará.
Gaia foi por mim repudiada. Era já terceiro milênio. O casamento era bom, mas fadado ao fracasso dadas as diferenças de objetivos entre as partes. Ela, já em média idade, quis de mim o rigor, a seriedade, o corte epistemológico sem desvios. Ao passo que Artêmis Littera, prima de Mnéster, é jovem e sensualíssima, principalmente, porque vai falando uma linguagem que renasce a cada dia de cada milênio.
Numa rodada de cerveja, então, no boteco do Pato Tropical, apareceu moça esguia, alta, loura e divinal na sua dança de ancas largas, vinda de uma longa viagem por mundos distantes de mim. O meu amor de infância havia feito plástica. Colocara seios zero bala, botox e bunda arrebitada de carne sintética, além do modelito a la Bündchen.
Por que não correr para aqueles braços de pelo em blondô? Por que não voltar? Voltei e hoje temos já quase mil e duzentos filhos que pensam em se tornar milionários, como nós, tão fúteis, mas tão cheios de amor pra dar e jamais para vender.
Em suma, na adolescência, namorei a bela e sensual literatura. Depois, já na idade adulta, tive um caso de doze anos com a filosofia. Hoje, mais uma vez, já ao cair dos dentes, estou de amores ensandecidos nos braços da sempre jovem poetisa que me quer de novo depois de se ter deitado com milhões de pulhas e poetas farsantes como hoje o sou.
Eu era sonso em um tom acima. Depois evolui e passei a volúvel, inconstante mesmo, habilidoso demais com a poesia feita de palavras voadoras que cortaram corações pulsantes sob seios juvenis.
Assim é a vida. Há amores novos que substituem os anteriores, e amores anteriores que ficam no lugar dos novos. A fila é grande e não nos é permitido perder o tempo que vale ouro enchendo-nos de tantos escrúpulos e atitudes vãs.
Um dia, então, um desses varões ilustres do meu século vinte, houve por bem falar que mulher é que nem bolacha, porque em todo canto se acha. Ao que a fêmea, inteligentíssima, pra lá de sacana, respondeu que homem é como biscoito, pois vai um e vêm dezoito…
Minha queridíssima madrinha Eulália Brasileiro. Que a vaidade não me enfeie e a verdade não me minta. Lembras? Foi bem no meio dessa gente que eu nasci e cresci cafajeste para um mundo cheio de bordões, picardias e mil malandragens próprias do gênio do labirinto e da moça despudorada e nua, que encanta os mil pretendentes fazendo uso de uma flecha voadora mágica e sensual.
Ah, os meus amores!
Era aquele um tempo fantástico e de paixões avassaladoras. Cruzes!Se não fosse volúvel como sou, seria um santo bem à moda das carolas mais fundamentalistas do século anterior ao meu. Tiro daí, então, advertência cruel segundo a qual uma das grandes perfeições do universo está exatamente na instabilidade do humano. A inconstância marca o passo da humanidade que se arrasta pelos becos e vielas do mundo, e não tem certeza da sua aposta no futuro que pertence tão somente a Deus.
Veio a mim gentil senhorita a dizer que a perfeição não é assunto a ser tratado comigo. Disse-me que muito me assemelho ao anjo exatamente porque tenho buscado ser o homem que anda nos trilhos com a certeza de que o trem não me atropelará. Tem razão a Isadora!
É por isto que vou vivendo e arrastando, com os andrajos mundanos, a volúpia do meu tempo chorão e ensaboado como a pele macia da morena da terceira fila, o quindim de jerimum da minha prosa poética, às vezes tão corrosiva ou sardônica ou irônica ou satírica.
Em outras ocasiões, está lá, estendida no chão duro da história, uma poesia tão esquelética e melíflua e bela e sensual e nua e crua, como o arroz sem sal com o que mamãe me alimentou aos onze meses. Quanto encantamento!
É verdade, senhora lucidez. Varri o barraco do chão. Derrubei a vela e a tapera conjugal pegou fogo. Resolvi, enfim, dar um basta no relacionamento. Vossa Mercê mesmo há de lembrar, certamente, aquela máxima segundo a qual o sujeito perdeu uma chave velha e mandou logo fazer uma novinha em folha. Passados uns dias, então, ele achou a chave antiga e, morrendo de amores tardios, resolveu guardar a chave recente no fundo do coração e passou a fazer uso da anterior… É aquela coisa do até que a morte os separe, se é que a Isabela me compreende.
Ah, pois bem. Certo é que voltei às velhas manias, ao amor mais antigo do mundo, pensando naquelas certas coisas que já não são comuns nos nossos dias, numa alusão à modinha bem conhecida, como o gesto singelo que é mandar flores à professorinha jeitosa e linda.
Há mais de vinte voltas, eu houvera abandonado o velho amor por um amor do finzinho dos anos oitenta, quase noventa, novinho de dar gosto. Pitéu. Uma delícia e uma carícia a cada minuto dessa vida bandida e devassa engendrada por Deus e mantida por Ele mesmo. Esse era o nosso diapasão de muitos filhos insolentes e orgias indizíveis, tendo em vista o horário contra pornográfico e os censores da época.
Era feliz, sim. Mas sou e serei volúvel, sempre e de uma vez por todas. Viver uma aventura a cada duas décadas, ou a cada três semanas, é sempre bom para fígado e para os olhos dos que têm a alma vadia vaca cara lavada com sabão neutro, como eu.
O caso de amor barulhento, que substituiu o primeiro, teve real início quando nós juntamos os panos de bunda, isso, em noventa e um. Eu não a conquistei. Ela me seduziu. Vivemos dias felizes ao redor dos filhos gerados, paridos e criados com muito gosto e austeridade. Ganhamos bastante dinheiro. Quase ficamos ricos juntos, um tirando proveito do outro. Eu usufruía o que ela podia me dar e ela comprava com o que podia gastar, a rodo, na fuzarca e no carnaval das ilusões mais pífias.
Ela me fez largar de beber, digamos assim, por uns cinco dias, como costumeiramente faço desde os tempos de devaneio. (Bebo às sextas e nunca aos domingos, sem nenhuma sobriedade, é lógico.) Com muito gosto, segui-lhe os conselhos e passei a receber, aos sábados e demais dias, visitas de filósofos e historiadores de outros mundos, de Platão a Lênin, de Heródoto a Marc Bloch. Fabriquei o bem querer da academia. Dei à luz teses acadêmicas laureadas e de muito fôlego. Filhos gloriosos que logo cedo ficaram adultos e adúlteros, como eu. Sem nenhum pejo.
Mas o tempo não se rendeu e o destino fez das suas. Foi-se embora a volúpia das primeiras épocas. A libido passou a andar de bar em bar à procura de um amor dos velhos ou de novos tempos. Havia chegado, então, a época em que o verdadeiro grande amor não é tão durável e quase vira incesto… (É sabido por todos que, com a convivência por tanto tempo, o marido passa a ver a esposa como se fosse a sua irmã intocável.) A Gaia Scienptia, meu segundo amor, já dera o que tinha de dar.
Larguei-a solenemente em meio a um desses rendezvous da vida. Já a alma sacana se apaixonara perdidamente por Artêmis Littera, uma deusa de rua ligada a uma família de literatos de cordel vindos do sertão do Ceará.
Gaia foi por mim repudiada. Era já terceiro milênio. O casamento era bom, mas fadado ao fracasso dadas as diferenças de objetivos entre as partes. Ela, já em média idade, quis de mim o rigor, a seriedade, o corte epistemológico sem desvios. Ao passo que Artêmis Littera, prima de Mnéster, é jovem e sensualíssima, principalmente, porque vai falando uma linguagem que renasce a cada dia de cada milênio.
Numa rodada de cerveja, então, no boteco do Pato Tropical, apareceu moça esguia, alta, loura e divinal na sua dança de ancas largas, vinda de uma longa viagem por mundos distantes de mim. O meu amor de infância havia feito plástica. Colocara seios zero bala, botox e bunda arrebitada de carne sintética, além do modelito a la Bündchen.
Por que não correr para aqueles braços de pelo em blondô? Por que não voltar? Voltei e hoje temos já quase mil e duzentos filhos que pensam em se tornar milionários, como nós, tão fúteis, mas tão cheios de amor pra dar e jamais para vender.
Em suma, na adolescência, namorei a bela e sensual literatura. Depois, já na idade adulta, tive um caso de doze anos com a filosofia. Hoje, mais uma vez, já ao cair dos dentes, estou de amores ensandecidos nos braços da sempre jovem poetisa que me quer de novo depois de se ter deitado com milhões de pulhas e poetas farsantes como hoje o sou.
Eu era sonso em um tom acima. Depois evolui e passei a volúvel, inconstante mesmo, habilidoso demais com a poesia feita de palavras voadoras que cortaram corações pulsantes sob seios juvenis.
Assim é a vida. Há amores novos que substituem os anteriores, e amores anteriores que ficam no lugar dos novos. A fila é grande e não nos é permitido perder o tempo que vale ouro enchendo-nos de tantos escrúpulos e atitudes vãs.
Um dia, então, um desses varões ilustres do meu século vinte, houve por bem falar que mulher é que nem bolacha, porque em todo canto se acha. Ao que a fêmea, inteligentíssima, pra lá de sacana, respondeu que homem é como biscoito, pois vai um e vêm dezoito…
Minha queridíssima madrinha Eulália Brasileiro. Que a vaidade não me enfeie e a verdade não me minta. Lembras? Foi bem no meio dessa gente que eu nasci e cresci cafajeste para um mundo cheio de bordões, picardias e mil malandragens próprias do gênio do labirinto e da moça despudorada e nua, que encanta os mil pretendentes fazendo uso de uma flecha voadora mágica e sensual. Ah, os meus amores!
Era aquele um tempo fantástico e de paixões avassaladoras. Cruzes!
*Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, à venda nas livrarias Paim e Nobel.