Quando aplicado na classificação de florestas, o termo ‘estacional’ sugere que a floresta localiza-se em regiões onde o clima apresenta duas estações climáticas bem distintas: uma chuvosa e outra seca. Nesse ponto acreditamos que não se pode negar que no Acre, pelo menos em sua região leste, o clima é exatamente esse: muita chuva entre meados de setembro e abril, e um período seco entre meados de abril a setembro, com estiagem severa nos meses de julho e agosto, quando, em alguns anos, pode acontecer de não cair chuva ou chover pouco durante algumas semanas.
A maior ou menor duração e intensidade do período seco determina o percentual de plantas arbóreas das florestas estacionais que perderão suas folhas. No sistema brasileiro de classificação da vegetação publicado pelo IBGE, as florestas estacionais são classificadas como semidecíduas (ou subcaducifólias) quando a percentagem de indivíduos arbóreos que perdem as folhas na estação seca situa-se entre 20% e 50% do total. Se o percentual é superior a 50% as florestas são classificadas como decíduas (ou caducifólias). As formações florestais que apresentam menos de 20% de indivíduos desfolhados no período seco são consideradas “sempre-verdes” (ou perenifólias).
Segundo o IBGE, florestas estacionais deciduais caducifólias já foram encontradas em diferentes regiões do Brasil e caracterizam-se por apresentar o estrato superior com árvores de médio e grande porte predominantemente caducifólias, com mais de 50% dos indivíduos despidos de folhagem no período mais seco do ano. Na Amazônia elas já foram encontradas na região de transição entre a floresta ombrófila aberta (perenifólia) e as Savanas.
E no Acre? Aonde podemos encontrar as florestas estacionais?
Durante os trabalhos de campo para a elaboração do plano de manejo da Estação Ecológica Rio Acre, realizados no mês de setembro de 2005, observamos que a maioria dos indivíduos arbóreos de maior porte nas florestas de encosta e do topo das elevações era decídua. Inicialmente pensamos que aquela situação – que considerávamos anormal – era consequência da seca de 2005, a mais intensa registrada em nossa região nos últimos 100 anos. A continuação dos estudos da flora da Estação Ecológica, ocorrida no período chuvoso subsequente, indicou que mais de 60% dos indivíduos arbóreos encontrados eram deciduais. A ocorrência de florestas com comportamento caducifólio também foi observada no Parque Estadual Chandless, localizado ao norte da Estação Ecológica.
As florestas com comportamento caducifólio encontradas no leste do Acre estão geograficamente no limite sul do domínio da Floresta Amazônica Ombrófila (perenifólia), ou seja, adentrando a Bolívia ou parte do território peruano na região de Assis Brasil e seguindo na direção Sudeste, em menos de 200 km a floresta dá lugar a savanas. É importante ressaltar que as florestas estacionais acreanas não devem ser entendidas no sentido estrito da palavra, pois apenas o componente arbóreo emergente apresenta comportamento esta-cional. Os estratos intermediários e inferiores são perenifólios. As palmeiras, o bambu (Guadua spp.) ou uma combinação desses dois tipos de plantas, por exemplo, são perenifólios e dominam o sub-bosque de grande parte das florestas estacionais do leste do Acre.
A presença de espécies deciduais no leste do Acre reflete relações florísticas com outras florestas estacionais, Cerrados e matas secas. De fato, o relatório sobre a vegetação da Estação Ecológica do Rio Acre afirma que as florestas abertas com palmeiras associadas com bambu apresentam elementos comuns entre as florestas semidecíduas e o cerradão, que é o elemento chave na relação entre florestas estacionais e o Cerrado. Acreditamos também que a existência dessas florestas estacionais no leste do Acre é decorrência das condições climáticas. Nessa região o índice pluviométrico em anos normais é de 1.900 mm, podendo, entretanto, recuar para menos de 1.500 mm em anos muito secos. A sazonalidade da precipitação é bastante pronunciada e o período seco, por exemplo, chega a se estender por até cinco meses, mesmo em anos considerados climaticamente normais.
Um inventário que realizamos na vegetação em uma floresta estacional na Estação Ecológica Rio Acre resultou em informações que reforçam nossa sugestão do caráter estacional da floresta na região. O inventário avaliou todas as plantas com diâmetro a altura do peito igual ou superior a 5 cm. As espécies com maior número indivíduos foram o arbusto Rinorea viridifolia, conhecido popularmente como ‘canela de velho’, com uma densidade equivalente a 860 plantas/hectare, e a palmeira jarina (Phytelephas macrocarpa), com densidade equivalente a 710 plantas/hectare. Além dessas, foi registrada grande ocorrência da palmeira murmuru (Astrocaryum ulei) e da palmeira jaci (Attalea sp.). Juntas, essas espécies representaram mais de 70% de todas as plantas inventariadas.
Esse resultado foi surpreendente porque as espécies dominantes eram do estrato intermediário ou do subosque da floresta. E essa dominância tem relação com o comportamento das espécies do estrato superior da floresta que, ao perder as folhas no perído mais seco do ano, permitem que uma maior quantidade de luz chegue ao solo da floresta. Além de favorecer a dominância de algumas espécies do estrato inferior, o excesso de luz no interior da floresta, combinado com a ausência de uma grande quantidade de indivíduos arbóreos de grande porte, torna o ambiente no interior da floresta mais ventilado e seco, favorecendo o crescimento de plantas adaptadas em regime de maior insolação e menor disponibilidade de água.
Para quem conhece apenas as florestas do leste do Acre, adentrar em uma floresta virgem no vale do Juruá é como visitar o paraíso, tal a diferença de riqueza florística entre elas. E isso é particularmente evidente quando se observam as plantas arbustivas e herbáceas. Isso se confirma pelo resultado do índice de diversidade encontrado (índice de Shannon) na floresta da Estação Ecológica. Em florestas temperadas esse índice varia entre 2 e 3. Na Estação Ecológica ele foi de apenas 3,78, um número baixo se comparado com os resultados de outros inventários realizados em florestas maduras no Acre, que invariavelmente são quase sempre superiores a 4, com alguns se aproximando de 5.
No inventário realizado na Estação Ecológica Rio Acre, a dominância de duas espécies do estrato arbustivo e intermediário, com uma delas – o arbusto ‘canela de velho’ – se apresentando com um comportamento claramente oligárquico, reforça a sugestão de que a ocorrência de florestas estacionais no extremo leste acreano é um fato. Infelizmente sabemos pouco sobre sua extensão na região. Por essa razão, estas formações florestais merecem maior atenção da comunidade científica em razão da cobertura florestal do leste do Acre ser a mais antropizada e ameaçada pelo avanço da exploração madeireira e da agropecuária.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC