Sobre este assunto – a recente carta do Papa – outros colunistas nesta página já deram palpite, mas depois de ler a carta cujo título é igual ao deste artigo, senti-me comovido como ser humano e mais especificamente como cientista de dar o meu palpite também.
Em geral, fico um pouco distante de declarações de líderes religiosos, afinal, eles normalmente se dirigem ao seu rebanho. Mas o Papa Francisco escreveu no terceiro parágrafo da sua carta encíclica que “quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta”. Como resido no planeta Terra, me senti contemplado como parte da sua plateia pretendida.
Vários líderes do Partido Republicano nos EUA, candidatos para suceder o presidente Obama no ano que vem, me deram mais vontade de ler a carta, especialmente, depois de saber que criticaram o Papa por ter entrado numa área da ciência, mudanças climáticas, no lugar de ficar ´nos assuntos religiosos´. Não queria ficar aprendendo via segunda mão, especialmente de políticos republicanos, sobre o que o Papa quer dizer.
A carta publicada pelo Vaticano (ver o link no final do artigo), tem seis capítulos em 77 páginas de texto e 172 referências. É possível sentir que várias pessoas ajudaram no texto, mas também é claro que foi o Papa que deu a palavra final do texto que é altamente consistente para um documento tão extenso.
Mudanças climáticas são mencionadas, mas a carta focaliza muito mais sobre a deterioração das condições para vida neste planeta e a necessidade de “cuidar da casa comum”. Um eco da preocupação do Leonardo Boff, que recentemente notou num artigo no Jornal do Brasil a ligação entre esta carta com a Carta da Terra. Aliás, o Papa fez questão de mostrar que as suas conclusões refletem o espírito de papas anteriores, outros líderes religiosos e os bispos de vários países, além de citar resultados científicos.
Esta ligação faz sentido, dado que o Papa está propondo algumas revoluções. (É sempre melhor ter companhia nas trincheiras quando quer mudar o mundo.) O primeiro é o paradigma de como tratamos a Terra, mudando de usar o planeta simplesmente como uma fonte de recursos para tratá-la como “irmã” e “mãe”. Foi um tratamento de choque no primeiro parágrafo. No segundo, ele reforça a revolução de paradigma: “Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la…. Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra…. O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos”.
A segunda revolução é para percebermos que a pobreza e violência no mundo tem uma ligação direta com a degradação que estamos fazendo do planeta. Na parágrafo 16 ele afirma que os eixos da carta enfocam “…a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida”.
Não é pouca coisa que o Papa quer fazer, mas a sua ousadia é bem-vinda. Muitas vezes nesta página escrevo sobre as desgraças de desastres e as respostas que fazemos, mas sei que estou tratando dos sintomas de uma deterioração das condições do planeta.
Como pesquisador de ciências ambientais, estou ciente da degradação que está avançando; eu leio sobre isto em artigos científicos todo dia, uma atividade que é um pouco deprimente. Soluções existem, mas não tinha fé de que podemos implementá-las. Por isso, a terceira revolução do Papa é tão importante: a de esperança.
Atuo como um professor de pós-graduação e tenho muitos alunos que vão conhecer 2050. Sou também um avô e o meu neto mais novo vai ter minha idade em 2079. Não tenho o luxo de ficar sem esperança. A carta do Papa Francisco me ensinou a importância de ter fé e trabalhar para restaurar o planeta e as relações entre seres humanos e o resto da criação. Parece como “romantismo irracional” nas palavras do Papa, mas revoluções muitas vezes começam com sonhos aparentemente irracionais.
Recomendo para os preocupados com o futuro discutir a carta, afinal temos decisões para fazer sobre uma construção. Como o Papa colocou: “Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós”.
Um sítio para acessar a carta: http://w2.vaticana/contentá/Francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
Dedicatoria: Não sou católico, mas tenho como amigos vários padres católicos os quais considero exemplos para humanidade do que devemos ser em termos de compaixão para outros neste planeta. Dedico este artigo a dois destes mentores: Padre Heitor Turrini e Padre René Salizar. E também ao meu guia ao Antropoceno: Lou Gold.
I. Foster Brown*, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole Research Center, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Risco de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre.