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Os rastros de lixos deixados pelas greves

Movimentos grevistas invadem Rio Branco  e deixam rastros de lixo pelo caminho

Atualmente, Rio Branco vive o período das greves. Várias categorias de funcionários públicos vão às ruas todas as semanas fazer manifestos por melhores salá-rios, mais direitos trabalhistas, entre outras solicitações. Passado o protesto, que geralmente é feito no Centro da cidade, ficam as marcas pelo chão, ou melhor, lixo por toda a parte. Horas depois, no entanto, toda aquela sujeira desaparece como mágica. Na verdade, há trabalhadores responsáveis por esse feito, que nem sempre são lembrados pelas pessoas que jogam lixo na rua.

Os educadores ambientais, mais conhecidos como garis e margaridas, tentam manter todos os dias a cidade limpa. Apesar de tanto trabalho, muitos alegam encontrar dificuldades em relação à educação das pessoas. Isso parece se atenuar em alguns casos de greve.

A margarida Rosinete Araújo, 42 anos, aponta que teve muito desgosto em relação aos manifestos dos professores da Capital. Segundo ela, são os que deixam as ruas e praças mais sujas após o protesto. Por isso, devido a alguns maus exemplos, ela e outras colegas veem muitas das greves de forma negativa.

“A gente pensa assim: ‘Meu Deus, como o pessoal não zela a própria cidade’? Ficamos nos perguntando isso porque eles são educadores e não jogam lixo no lixo. Quando vamos falar, ainda ouvimos frases do tipo: se não quiser trabalhar se demite. Quando isso acontece, a gente se sente humilhado. Eles são educadores, deveriam dar exemplo”, lamenta.

Em um dia comum, um local como a praça em frente ao Palácio Rio Branco, por exemplo, três margaridas levam cerca de 30 minutos para deixar tudo limpo. Em dias de greve, esse tempo salta para 2h de serviço, devido ao tanto de papeis, garrafinhas de águas e outros lixos deixados no chão.

Rosa destaca que nem todos os eventos com grande público deixam a cidade como se um vendaval tivesse passado por ali. Ela cita os acontecimentos religiosos. “O pastor pede para que os fiéis juntem seu lixo. Eles saem catando tudo o que está no chão e nos ajudam”.

A margarida Conceição Gomes, 29, afirma compreender os direitos dos outros servidores que buscam melhorias trabalhistas. O que ela questiona é a educação no momento de exigir isso.

“Tudo bem que eles lutem pelos direitos deles, mas que se conscientizem que dali mais alguns minutos vai vir uma pessoa que vai recolher o lixo. Então, que faça a manifestação, mas que colha o seu lixo, jogue na lixeira ou guarde na bolsa até encontrar uma. É a nossa obrigação fazer a limpeza, mas é também obrigação do cidadão zelar pela cidade onde ele mora. A gente fica chateada, pois quando tentamos orientá-los, eles pensam que a gente não quer trabalhar”, declara.

“Nos tratam como se a gente fosse invisível”

Conceição Gomes e Rosinete Araújo
pedem
que a
população
tenha mais
zelo pela cidade. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)

Manter a cidade limpa, apesar de toda a sua importância, nem sempre tem o reconhecimento merecido. A margarida Rosinete Araújo já perdeu as contas de quantas vezes se sentiu humilhada durante os 9 anos em que trabalha na Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur).

Em todo esse tempo, Rosinete alega que sentiu vontade de deixar a profissão uma única vez ao ser ‘diminuída’ por outra mulher. “Ela me chamou de lixeira”.

A margarida Conceição Gomes explica que a palavra usada por muitos para se referirem a elas não agrada. “A gente não fica chateada de nos chamarem de margarida, pois essa é a nossa profissão. Mas, o que acontece muito é a pessoa falar assim ‘meu filho, lá vem a lixeira’. A própria mãe está ensinando o filho a ser assim, uma criança mal-educada. Nós não somos lixeiras. Somos educadoras ambientais, ou, como as pessoas gostam de chamar a gente, garis. Não ficaremos ofendidos com isso. Mas, lixeiro deixa a gente lá embaixo. A maioria aqui estuda, já terminou o ensino médio ou faz curso técnico superior. Ninguém aqui é analfabeto, burro ou mal-educado”.

Conceição lembra-se do dia em que estava com muita sede e pediu água para uma moradora. “A mulher deu a água e depois jogou o copo na lixeira. Muitos acham que pelo motivo de a gente trabalhar com o lixo temos alguma doença contagiosa. E não é verdade. Quando entramos na empresa fazemos todos os exames necessários. Todo mundo é super saudável”, alega.

As margaridas garantem receber um bom salário. No caso da Rosinete e da Conceição, a carga horária também é adequada. Elas entram às 6h da manhã e saem às 16h, sendo que têm direito a duas horas de almoço. Além disso, ainda recebem o café da manhã e a refeição principal.

“Eu me sinto valorizada aqui no meu trabalho e não me sinto valorizada lá pelo cidadão. Acham que a gente é tão pequeninho, que passa pela gente de manhã e não dá nem um bom dia. Em alguns momentos está só eu e ele ali. O que custa dar um bom dia? Muitas vezes, eu cumprimento para ver se a pessoa reage. Nos tratam como se a gente fosse invisível”, desabafa Conceição Gomes.

Ainda de acordo com a margarida, trabalhar com a limpeza da cidade é uma escolha dela devido às condições de trabalho que ela julga adequadas. Mas, a valorização nem sempre chega.

“As pessoas acham que nós estamos aqui nesse trabalho porque não temos opção, ou porque somos burros, analfabetos. Se nós não fizermos, vai vir outro e fazer. É uma profissão que tem que existir, independente de quem o faça. Se nós ficarmos um dia sem fazer a limpeza no Centro, por exemplo, você ficaria horrorizada. A impressão que dá é que o local passou uma semana sem ser limpo. Principalmente no Calçadão, Terminal Urbano e Mercado Elias Mansour, que, para mim, são os piores lugares em termo de acúmulo de sujeira. Nesses locais, a manutenção é essencial, pois se ficar uma manhã sem passar por limpeza você não consegue andar”.

Manifestações mexem na logística da limpeza urbana
Atualmente, no setor de varrição da Semsur, que engloba a área central da cidade e as avenidas, atuam 40 margaridas e 26 garis. Essa turma tem que se redobrar para manter a cidade limpa.

O coordenador de Limpeza Pública da Semsur, Clemildo Barbosa Lima, explica as dificuldades enfrentadas pela equipe quando tem manifestação. “Geralmente, essas greves pegam a gente de surpresa. Elas não estão no nosso planejamento de limpeza pública. A questão é que nós poderíamos estar limpando uma praça, por exemplo, mas precisamos resolver a sujeira deixada após esses protestos”, aponta.

A situação gera certo transtorno aos educadores ambientais, porque, na maioria das vezes, as greves são realizadas próximas aos horários de pico. “Às vezes, isso acontece em horário de descanso dos nossos companheiros, no momento do almoço. Então, a gente tem que se redobrar, fazer hora extra. Tudo isso requer um planejamento, uma conversa com a pessoa, pois não é todo mundo que quer trabalhar no horário de meio-dia, debaixo do sol forte”.

Eventos realizados anualmente também deixam um rastro de sujeira incalculável. No entanto, nesses casos, o coordenador afirma que há um planejamento prévio em acontecimentos como o Carnaval, Parada Gay, Festival Caipira e Cavalgada.

Clamildo Barbosa pede sensibilidade às pessoas que vão às manifestações. Ele apela para que o lixo de cada um seja jogado na lixeira e que o exemplo seja estendido aos outros protestantes.

“Não sou contra nenhuma manifestação, nenhum tipo de greve, que é um direito democrático da gente. Inclusive, já fiz também algumas manifestações. É um direito de todo cidadão. A questão é que o nosso meio ambiente requer um trabalho de educação do povo. É preciso haver a reeducação no sentido da limpeza urbana, porque tudo aquilo ali vai para o bueiro e causa um dano na cidade. Por isso, temos que agir rápido, porque na medida em que passam os carros, a sacolinha, a garrafa pet e os papeis vão indo para a boca do bueiro e o problema se torna pior ao meio ambiente e ao cidadão que paga os seus impostos, porque entope e causa um transtorno grande”, justifica.

Aumento do lixo jogado nas ruas causa impactos ao meio ambiente

BRUNA MELLO

Nos últimos meses, Rio Branco tem sido tomada pelas greves da Educação, da Suframa, da Justiça Federal e dos servidores municipais. Além disso, a classe de motoristas e cobradores de ônibus, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar também vêm cobrando melhores condições de trabalho e ameaçam deflagrar greve. Em meio a tantos protestos um pequeno (grande) detalhe, às vezes, passa despercebido. Mas, nem tanto.

Acontece que, durante os protestos, muito papel, garrafas de plásticos e outros resíduos estão sendo deixados para traz, ou melhor, jogados pelo chão da cidade. O trabalho pesado fica para os garis e margaridas, e, ainda assim, nem todos os resíduos conseguem ser recolhidos.

E para onde vai esse lixo que sobra? Quais os impactos que podem causar ao meio ambiente?

Para esclarecer algumas dúvidas, o jornal A GAZETA procurou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia). Em um bate-papo com a diretora do Departamento de Educação Ambiental, Cheila Lima, e a diretora do Departamento de Controle Ambiental, Márcia Oliveira, algumas dúvidas foram esclarecidas.

Segundo Oliveira, o impacto no meio ambiente é muito grande, não só com os resíduos deixados durantes esses eventos, mas, também, com a quantidade exagerada deixada diariamente pelas ruas da Capital. “Além das grandes enchentes, não é preciso estar numa situação de alagação para observar os efeitos. Uma chuva forte leva todo esse lixo para os bueiros, para as bocas de lobo, e aí alagam as ruas e as residências”, explicou.

Além do impacto direto, essa grande quantidade de resíduos recolhidos são levados para o aterro sanitário, diminuindo a vida útil do aterro. “Outras áreas vão ter que ser abertas para tratar e enterrar esse lixo, ou seja, outro grande impacto no meio ambiente que vamos ter”, acrescentou a diretora do Controle Ambiental.

Cheila Lima destaca que o tempo para decomposição de todo esse lixo é longo e pode levar mais de 100 anos, por exemplo. Uma lata de alumínio leva 200 anos para se decompor. “Essa responsabilidade com o lixo é compartilhada. Não é somente responsabilidade do poder público. O lixo que eu produzo na minha casa é minha responsabilidade”, ressaltou.

A Semeia ainda não possui nenhuma campanha de conscientização voltada para esses tipos de eventos, e também às grandes festas como Parada Gay, realizada no último domingo, 28, ou a Cavalgada, que acontecerá no próximo dia 27. Essas realizações aglomeram uma grande quantidade de pessoas, e, certamente, de lixo.

Campanha de educação ambiental
A Secretaria de Meio Ambiente realiza diariamente campanhas voltadas para a educação ambiental. Para Cheila Lima, essa educação é adquirida ainda quando criança. É um trabalho de “formiguinha” e, aos poucos, um público maior é alcançado. “Nós fazemos diariamente campanhas educacionais nas escolas. Temos o Projeto Crescer Reciclando nas escolas sustentáveis. Nós fazemos isso nas visitas orientadas, nas campanhas de porta em porta”, explicou.

O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos ainda é só um projeto, mas com grande potencial. Ele visa estabelecer algumas normas do que é correto fazer com os resíduos e distribuir as responsabilidades de cada órgão, entidade, empresário ou cidadão. “Por exemplo, o pneu. Ele faz parte da logística reversa. Aquele que gerou e que vendeu tem a responsabilidade de recolher”, exemplificou a diretora do Departamento de Educação Ambiental.

O plano também prevê ecopontos, que são 14 lugares distribuídos pela cidade. Esses pontos serão destinados à concentração de resíduos volumosos, da construção civil, um sofá, um móvel antigo, e outros resíduos maiores. Dentro do plano, está o Cresce Reciclando, um projeto de educação ambiental. “Já tem escola fazendo compostagem, muitas escolas já sentiram a necessidade de fazer uma educação ambiental. Com isso, as crianças levam para suas casas, ensinam para seus pais e assim a ideia vai se multiplicando”, relatou Lima.

Lugar de lixo é no lixo, mas nem sempre é isso que acontece…

Existem também os manifestantes conscientes que fazem a sua parte e jogam o lixo no lugar certo. (Foto: ODAIR LEAL/AGAZETA)


BRUNA LOPES

Garrafas de água e folhas de papel no chão, nos bancos da praça e nos monumentos. Era com esse cenário que os professores protestavam por melhorias salariais e de condições de trabalho. Vários foram os registros de pessoas que mesmo há menos de dois metros de uma lixeira preferiam colocar seu lixo em local inapropriado. Poluindo e tornando feio o visual de Rio Branco, que é uma referência em limpeza urbana para outras cidades.

Situação parecida durante o protesto que fechou a entrada da cidade, próximo à Corrente, por conta da greve dos servidores da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) no Acre. Em menor proporção, os manifestos dos professores e técnicos da Universidade Federal do Acre também acabam gerando mais trabalho para os garis e margaridas.

A quantidade de lixo aumenta potencialmente nos dias de altas temperaturas e como parte da estrutura de apoio para as manifestações, bancadas pelos respectivos sindicatos, é oferecido água e lanche aos manifestantes.

Preocupados com a possível imagem negativa que o descuido de alguns manifestantes possam ser atribuídas ao movimento, as lideranças sindicais avisam e orientam a todo momento sobre a conservação do local onde ocorrem as manifestações.

“Há todo momento durante as falas amplificadas pelo caminhão de som, orientamos as pessoas sobre a destinação correta do lixo. Mesmo assim, quando identificamos uma concentração grande de resíduos, nós mobilizamos uma equipe para limpar o local. Tentamos deixar o local mais próximo da forma que encontramos”, afirma a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre, Rosana Nascimento.

Para ajudar, sacos de lixo são instalados no meio da concentração para que o manifestante não tenha desculpa de ter que andar muito para encontrar uma lixeira. Porém, sempre tem uma desculpa para uma garrafa de água vazia estar no chão e não no lixo.

Uns fingem que a garrafa caiu no chão, outros que uma garrafa mais ou a menos não faz diferença em cima de um banco de praça.

De acordo com a professora Valéria Santos, que participava do ato, é inadmissível que a classe tenha esse tipo de comportamento e que poucos acabam manchando o movimento inteiro. “Vim jogar meu lixo no cesto e vi várias garrafas de água próximo à árvore. Por isso, tomei a iniciativa de recolher e colocá-las no lugar certo”, confessou a professora.

“É um absurdo que no protesto de professores tenha tanto lixo em volta”
O funcionário público Francisco José Araújo passava pelo Centro durante uma das manifestações realizadas pelos professores e comentou sobre o cenário. “É um absurdo! A professora dá uns 10 passos para colocar a garrafa de água vazia no banco, sendo que tem uma lixeira bem ao lado. Que exemplo ela dá para os alunos?”, questionou.

A aposentada Maria de Lurdes ressalta que a questão sobre a destinação do lixo é uma cultura que tem que começar em casa. “Percebo que, hoje em dia, os pais deixam para a escola ensinar esse tipo de educação que deve vir de casa. Lá em casa temos uma preocupação forte sobre a destinação do lixo, seja ele o comum, o doméstico e até mesmo aquele papel de bala. Eu fico com ele na mão até encontrar um cesto. Se todo mundo pensasse assim, não estaríamos presenciando esse cenário lamentável”, explicou a aposentada.

Cooperativa Catar

Catar permite a redução do lixo que vai para a UTRE. (Foto: DIVULGAÇÃO)

Criado em 2005, a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis do Estado do Acre (Catar) conta com oito catadores relacionados à Associação Comercial, Industrial de Serviço e Agrícola do Acre (Acisa), que atuam recolhendo materiais recicláveis pela cidade e também em grandes eventos, como a Expoacre e alguns shows. Além desses oito catadores, um número impreciso está vinculado também à Junta Comercial.

Segundo o diretor superintendente do Catar, Cleiton José, aproximadamente uma tonelada de resíduos é recolhida após grandes eventos. “Nós recolhemos alguns resíduos recicláveis, principalmente as latas de alumínio que, por exemplo, vendemos a R$ 2,60 o quilo”, contou.

O Catar colabora com a destinação correta dos materiais recicláveis e promove a inclusão social das pessoas que trabalham com o recolhimento desse mate-rial. Desde a sua criação, o Catar permitiu uma redução significativa do lixo que vai para a Unidade de Tratamento de Resíduos Sólidos (UTRE). (Bruna Mello)

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