A data da chegada dos primeiros humanos ao continente sul-americano é motivo de grande disputa entre pesquisadores, com alguns sustentando que esse evento aconteceu há quase 50 mil anos, e outros estimando a data em pouco mais de 10 mil anos. Mesmo que a data de chegada tenha sido a mais recente, o certo é que aqui nossos ancestrais encontraram um conjunto de animais de grande porte numeroso, com porte e peso similar aos grandes animais que ainda hoje vagueiam pelas savanas africanas. Esses grandes animais, também conhecidos como “megafauna”, logo desapareceram do nosso continente e hoje o maior mamífero terrestre que encontramos em nossos campos e florestas é a anta, que dificilmente ultrapassa os 300 kg de peso. Apenas para comparar, na África alguns elefantes podem pesar até 5 toneladas!
E o que levou ao desaparecimento da megafauna sul-americana? Uma das teorias mais difundidas e aceitas é a que aponta o dedo para o homem. Foi ele, segundo essa teoria, que caçou esses grandes animais até a sua completa extinção.
Entre os grandes animais extintos, destacavam-se os mastodontes, antepassados dos elefantes, as preguiças gigantes de cinco toneladas e os gliptodontes, ancestrais dos tatus que atingiam o tamanho de um pequeno carro. Antes da chegada do homem, o principal predador da megafauna sul-americana era o tigre dentes-de-sabre, que, como seu nome indica, possuía dentes caninos superiores avantajados que mediam até 30 cm de comprimento. Alcançava até 3 m de comprimento e pesava cerca 300 kg, sendo maior e mais robusto do que a onça e os leões da atualidade. O desaparecimento da megafauna em nosso continente também causou a sua extinção.
Vale ressaltar que a teoria da extinção da megafauna pelo homem se sustenta em achados de pinturas rupestres em cavernas mostrando cenas de caçadas aos grandes animais e em ossos dos mesmos fraturados por armas humanas primitivas.
Embora baseada em provas concretas e com uma lógica quase incontestável segundo a qual a caça de animais de grande porte que se moviam lentamente e formavam grandes bandos era uma tarefa relativamente fácil para os nossos ancestrais armados com ferramentas de caça primitiva, alguns pesquisadores não acreditam que o homem não foi o único responsável pela extinção da megafauna sul-americana.
Segundo essas novas proposições, as mudanças climáticas decorrentes da alternância de períodos de aquecimento e resfriamento de nosso planeta foram elementos determinantes para essa extinção.
A chegada do homem na América do Sul aconteceu no final do Pleistoceno, uma época geológica que se estendeu entre 1,8 milhões e 11 mil anos atrás. Durante esse período ocorreram pelo menos vinte glaciações, ou seja, períodos durante os quais ocorria o resfriamento do planeta, o avanço das calotas polares sobre os continentes adjacentes e uma diminuição na quantidade de água circulante no planeta, que ficava retida na forma de gelo. A restrição na quantidade de água afetava o regime de chuvas nas regiões tropicais – aonde o gelo não chegava – e causava a sua diminuição. Isso provavelmente provocava secas espetaculares nos trópicos e causava a retração das áreas cobertas por florestas e favorecia o avanço das savanas.
Ao final de cada glaciação ocorria a retração do gelo e a liberação da água para circular em terra e na atmosfera. Essa situação se mantinha até que uma nova glaciação se estabelecesse novamente. Nesse período entre as glaciações – ou período interglacial – a elevação da umidade favorecia, nas regiões tropicais, o avanço das florestas sobre as savanas.
Na atualidade vivemos um período interglacial, iniciado há cerca de 11 mil anos, uma época geológica batizada como Holoceno. Para os que acreditam na ação climática como fator determinante para a extinção da megafauna sul-americana, uma quantidade acima do normal de água caiu sobre os continentes americano e africano, cuja maior parte do território está localizada na zona tropical do planeta.
O efeito desse excesso de umidade na América do Sul foi um avanço das florestas e uma diminuição nas áreas de savanas (ou cerrado). As áreas de savana/cerrado que persistiram nos locais aonde a floresta não conseguiu se estabelecer – por razões climáticas – passaram por mudanças que resultaram no adensamento arbóreo, se tornando quase uma extensão das florestas adjacentes. Com isso, as extensas áreas de campos naturais vitais para a manutenção da numerosa megafauna sul-americana, foram drasticamente diminuídas, inviabilizando a manutenção desse grupo de animais.
Na África, o excesso de umidade favoreceu a transformação de áreas de campos e cerrados da região central do continente em florestas. Mas ao mesmo tempo transformou áreas antes ocupadas por desertos nos extremos sul e norte do continente em novas zonas de vegetação aberta – campos ou savanas. A mudança climática favoreceu a megafauna africana, que migrou para as novas áreas e conseguiu persistir nelas desde então. E o homem? Porque não atuou para extinguir os grandes animais africanos da mesma forma que fez na América do Sul? O que podemos especular é que tendo surgido na África, o homem moderno, ao tomar ciência da realidade ambiental em que vivia, aprendeu a conviver e se aproveitar de modo mais racional dos recursos oferecidos pela megafauna que o rodeava.
Mas afinal, foi o homem ou o clima que exterminou a megafauna sul-americana?
Em uma tese de doutorado defendida em 2013 na Universidade Federal do Goiás o pesquisador Matheus de Souza Lima Ribeiro concluiu que se o homem foi o responsável, o modelo estatístico que ele utilizou suportou a ideia de que a extinção resultante da matança pelo homem ocorreu em aproximadamente 1.000 anos. Quando ele avaliou os efeitos climáticos e a ação do homem para ver quem foi mais determinante na extinção da megafauna, observou que juntos eles respondem por cerca de 50% da variância na data de extinção, mas o efeito individual da caça humana explica uma proporção maior (38%) que o clima (7,4%). Assim, persiste a ideia de que a nossa megafauna foi extinta pelos nossos ancestrais.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC