Antropoceno é o termo utilizado para batizar uma nova época geológica cuja existência deriva das transformações que o homem tem promovido no planeta. Embora ainda não tenha sido incorporado na ‘Escala de Tempo Geológico’ do planeta, cuja manutenção está sob a responsabilidade da Comissão Internacional de Es-tratigrafia da União Internacional de Ciências Geológicas, poucos duvidam que isso seja feito em breve e raros são os que se opõem ao batismo da era geológica do homem como Antropoceno.
O que parece não ser consenso é a determinação da data de seu início.
Havíamos informado em outro artigo publicado alguns meses atrás que para alguns cientistas essa data situava-se entre o final do século XVIII e os anos 50. A data mais antiga coincidia com o início da revolução industrial, que promoveu um aumento significativo na quantidade de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera do planeta. A data mais recente relaciona-se com a intensificação dos testes nucleares atmosféricos que produziram assinaturas isotópicas e de estruturas geológicas indiscutíveis.
Algumas opiniões sugerem que o Antropoceno teve início com a disseminação da agricultura extensiva, cerca de 8 mil anos atrás. Esta expansão resultou em desmatamentos em diferentes regiões do planeta e provocou um aumento de CO2 na atmosfera. Outros cientistas acreditam que o Antropoceno teve início em meados do século XX com a aceleração do crescimento populacional no planeta, que elevou a níveis insustentáveis o consumo de recursos naturais do planeta.
Um artigo publicado em março passado na respeitada revista cien-tífica Nature adicionou novos e bem embasados elementos à discussão. Os autores do estudo, os pesquisadores ingleses Simon Lewis e Mark Maslin, oferecem duas datas alternativas para o início do An-tropoceno: 1610 ou 1964.
Para a primeira data, os argumentos que utilizam é uma queda nos níveis de CO2 atmosférico de pelo menos 7 ppm (partes por milhão) que, segundo eles, foi resultado da aniquilação de aproximadamente 50 milhões de habitantes nativos das Américas por doenças e guerras após a chegada de Colombo. A eliminação desse grandioso contingente humano esvaziou extensas áreas agrícolas que, desprovidas dos agricultores, foram ocupadas por florestas que extraíram – na medida em que cresciam – o CO2 atmosférico até provocar a queda verificada em 1610.
Não se pode deixar de citar que pelo menos 28 milhões de africanos escravos foram trazidos para as Américas. O impacto da retirada desse contingente popula-cional na África também foi elevado e deve ter contribuído para a queda dos níveis de CO2 atmosférico de modo similar ao que aconteceu nas Américas.
A queda nos níveis de CO2 foi tão intensa que deu início à chamada ‘Pequena Era Glacial’, ou ‘Pequena Idade do Gelo’, ocorrida entre os anos de 1650 e 1850. Nesse período não existia mar aberto em torno da Islândia, os Vikings abandonaram a Groenlândia, a Finlândia perdeu cerca de um terço da sua população e as geleiras nos Alpes se expandiram, cobrindo aldeias e matando milhares de pessoas. O planeta só voltou a esquentar depois do início da Revolução Industrial, a partir de 1850.
Ao propor 1610 como o marco zero do Antropoceno, os autores do estudo argumentam ainda que foi nessa época que o colonialismo, o comércio global e o desejo de riqueza e lucros começaram a causar pressão intensiva sobre o meio ambiente e seus recursos naturais. A redistribuição global de plantas e animais ocorrida nesse mesmo período foi um evento que viabilizou o incremento global na produção de proteína animal, cereais e outros alimentos cultivados, viabilizando o rápido incremento da população do planeta.
A outra data alternativa, 1964, se refere ao pico nas medições de Carbono-14 presente na atmosfera em decorrência das numerosas explosões atômicas promovidas a partir de 1945, até 1963, quando foram banidas. Essas explosões resultaram no acúmulo de Carbono-14 em depósitos estratigráficos por todo o planeta, sendo por isso um evento global, e a medição do acúmulo de Carbono-14 nos mesmos permite determinar com a precisão de um ano, o pico de ocorrência desse elemento na atmosfera.
Essa precisão, que está ausente na maioria das outras propostas colocadas como início do Antropoceno, é de grande valia tendo em vista que a escala estratigráfica internacional (ou escala temporal geológica) requer pontos de separação entre as eras, períodos e épocas geológicas. Esses pontos, também conhecidos como limites estratigráficos, são indispensáveis para que a Comissão Internacional de Estratigrafia da União Internacional de Ciências Geológicas possa aceitar a inclusão no Antropoceno na Tabela Cronoestratigráfica Internacional.
Os autores do artigo publicado na Nature encerram seus argumentos com uma proposição interessante: se o Antropoceno for aceito, que ele seja inserido diretamente após a época do Pleistoceno, substituindo por completo o Holoceno que, na tabela cronoestratigráfica, passaria a ser apenas um estágio final do Pleistoceno. Na visão deles, o Homo sapiens é uma espécie surgida no Pleistoceno e a criação do Holoceno foi em parte justificada pelos geologistas do século XIV pela sugestão de que a distinção do Pleistoceno e do Holoceno se devia em parte à presença e influência dos humanos.
Para saber mais: Lewis, S.L. & Maslin, M.A. 2015. Defining the anthropocene. Nature, n°519, p.171-180, 12 de março de 2015.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC