Dando continuidade à agenda conservadora, que teve na semana passada a aprovação do financiamento empresarial de campanha como um de seus maiores símbolos, a Câmara dos Deputados, por meio de uma de suas comissões especiais, delibera esta semana, a proposta que altera o Estatuto do Desarmamento.
O Relatório do novo projeto, apresentado pelo Deputado Laudívio Carvalho (PMDB/MG), cria um pacote de facilidades para o acesso a armas de fogo no território nacional.
Uma das principais mudanças é a flexibilização das regras para obtenção do porte de armas de fogo. Na prática, haverá a ampliação das categorias que poderão andar em público com o armamento. Na atual legislação, apenas as forças policiais de segurança pública e pessoas que vivem da caça para a subsistência, como os seringueiros, possuem esta prerrogativa.
Os defensores da flexibilização do Estatuto do Desarmamento argumentam que o referendo de 2005 sobre o Desarmamento no Brasil não foi cumprido e que hoje apenas os cidadãos de bem foram desarmados, enquanto os bandidos permanecem com suas armas.
À primeira vista, o argumento é tentador. Mas a realidade é outra. Em verdade, o referendo sobre o desarmamento (2005) consultou à população se ‘‘o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Na ocasião, 63,9% responderam que não, e por isso a aquisição de armas de fogo no Brasil continua sendo possível, desde que cumpridos os requisitos presentes no Estatuto. Isso mesmo! Muita gente não sabe, mas é possível a aquisição de armas para defesa em domicílio pela lei atual, ao contrário do que dizem os defensores da flexibilização do Estatuto do Desarmamento.
Quanto à política de desarmamento adotada pelo governo brasileiro, vale ressaltar, a guisa de exemplo, que 18 mil armas ilegais foram apreendidas pelas polícias estaduais só no ano de 2013, enquanto que 8 mil armas foram entregues pelos cidadãos de forma voluntária.
Isso significa que o Brasil hoje mais apreende armas ilegais, ou seja, aquelas provenientes de criminosos, do que propriamente as retira do cidadão não-criminoso. Estima-se que após o advento do Estatuto, em mantidas as tendências de homicídios anteriores, 121.000 vidas foram salvas. O Acre, por exemplo, foi o único estado do Brasil que reduziu o número de homicídios neste ano, baseando-se, sobretudo na apreensão de armas de fogo. Portanto, o controle de armas é um componente fundamental nas políticas de segurança pública que devem ser tratadas de forma complexa, não como argumentam os contrários ao controle de armas, que consideram que a segurança do cidadão vai melhorar adquirindo-se mais armas e transformando o país em um verdadeiro faroeste.
Vale ressaltar também que, diferentemente dos Estados Unidos, não há qualquer previsão no texto constitucional brasileiro sobre um “direito fundamental de aquisição a armas de fogo”. Não é da nossa cultura.
Mesmo assim, diante de inúmeros fatos que chocaram o mundo todo relacionados ao uso das armas, a sociedade americana enfrenta um caloroso debate quanto à necessidade de mudanças em suas políticas públicas de controle de armas. Para se ter uma ideia da pressão exercida no contexto americano, há duas semanas a gigante do varejo Walmart anunciou que não venderá mais em seus estabelecimentos fuzis e armas semiautomáticas.
Por fim, é importante que a sociedade esteja atenta aos parlamentares que defendem a flexibilização do acesso às armas. Isto porque, a indústria bélica foi umas das maiores doadoras de campanha na última eleição de 2014, o que infelizmente influencia negativamente na liberdade do legislador.
O Estatuto do Controle de Armas é uma importante conquista da sociedade brasileira. Sua revogação ou flexibilização representa mais um retrocesso. Cabe a toda a sociedade recusar esta opção, a fim de que possamos construir uma verdadeira cultura de paz e um país verdadeiramente seguro.
* Leonardo Cunha Brito é Advogado e Professor de Direito da Universidade Federal do Acre.
Deputado Federal e membro da Frente Parlamentar pelo Controle de Armas, Vida e Paz