Naquele tempo, a ciência fazia zumbidos na cabeça do ser. Ele se fizera um cientista. As questões existenciais e de relacionamento entre as partes fustigavam a mente do pensador. As soluções para os problemas mais simples já não eram tão difíceis, na teoria, posto que, na prática, o caminhãozinho era pequeno e a areia era muita. Com o soldo bizarro, ele mal conseguia suprir as despesas cruciais, como o colégio dos filhos e os víveres da despensa. Poucos eram os caminhos que podiam levar à bonança, mas as tentativas, antes infrutíferas, passaram a vislumbrar luzes fugidias no final do túnel da esperança. Havia fé, certamente.
Os dias, então, se passavam densos, tensos, escorregadios. As madrugadas eram varadas ao sabor de textos que saíam aos borbotões. Mas o editor era pobre e tudo significava nada, em termos materiais.
Vieram outros tempos que trouxeram aragens benfazejas. As coisas começaram a mudar. Talvez fosse chegado o momento de um divórcio litigioso. Quem sabe a filosofia não lhe desse os filhos saudáveis que planejara. Quiçá o momento sequer significasse traição à causa. O namoro com a literatura ia de vento em popa. Pior é que havia, é há, amor na relação.
Uma mais bela que a outra. Uma mais velha que a outra. A tendência seria a opção pela mais moça e cheia de atrativos naturais, com todo o respeito. Para a segunda, enfim, os galanteios já não mais eram economizados.
Em conversa com anjos, um dia a ele disse Deus que todos, juntos, bem poderíamos ser bastante pródigos com os elogios, mas assim não temos sido e isto nos leva a conviver sem lembrar até mesmo que por ali passa o próximo que de ti quer talvez, ou apenas, ouvir um mero e aconchegante agradecimento.
O pensador quase poeta estava exultante:
– Oh, Grande Amo e Senhor! Creio e prego por aí afora que as pessoas haverão de lembrar-se de mim muitos anos depois de eu havê-las esquecido, justamente pelo fato de lhes haver sido lisonjeiro e plenamente agradecido um dia. A vida é mesmo assim, felizmente.
Iam elogios divinamente mancomunados com agradecimentos. Era isso!
Pensou ele, então, no dia em que deixou registrado, em bom pergaminho, que o único e o maior de todos os deveres do ser humano é agradecer sempre a Deus, inclusive, pela força física que nos torna aptos a prover o sustento dos descendentes e, muito mais, pelo ar que respiramos.
É São Gregório de Nissa, bispo católico dos primeiros tempos do Cristianismo, o autor da assertiva acima. Cumpre agradecer, também, àquele irmão que se nos apresenta nas horas mais difíceis, em socorro da alma atribulada. Que Deus lhe abençoe!
Enfim, a plena felicidade!
Trinados de pássaros bem ao meio-dia. O canto sublime incendeia a alma em júbilo. Há peixes de aquá-rio que, livres, nadam através do imenso lago azul, um pouco abaixo de patinhos nadadores felizes, ainda amarelos, mal saídos da casca do ovo. Acima, ao lado e ao largo, árvores centenárias fazem jorrar eflúvios esverdeados de um tempo bom de viver em felicidade. Ali, logo ali, a relva verde dá o tom da paisagem dinâmica que agora já muda, posto que algo em torno da lagoa faz lembrar colares de pérolas presenteados por mãos dadivosas justamente a quem merece tal mimo ganhar. Chuva, sol, mar, montanha, praia. É a natureza que se recompõe e se completa, principalmente, em momentos como estes, quando o manobreiro observa, rejubilado, que ainda há pessoas que vivem neste rés do chão da humana história com o fito de apenas ser agradável e sorrir e auxiliar, e preocupar-se com a felicidade dos demais entes deste mundo de Deus meu. Fico grato por tudo. Sempre!
Sim. A felicidade bateu à porta do proseador. E ele pensava sobre como é tão saudável viver e conviver e estar de bem consigo próprio e com os demais. Sobre tal deveriam escrever os espíritos a quem a música e a doce palavra embalam. Problema maior é que já não se fazem mais poesias como em tempos idos. Pior de tudo é que o agradecimento virou utensílio nas mãos de pouca gente.
Diz o manobrista de palavras estar vivendo dias em que a alma tão somente agradece a tantas coisas boas que lhe ocorrem na vida. Por isto, pedir qualquer coisa a Deus já ficou muito difícil. Talvez o Altíssimo esteja sendo levado a pensar que há um certo exagero no número de pedidos. O vate está com vergonha de tanto demandar e já não mais pede, ou tenta não pedir.
Em suma, o agora poeta reconhecido findou por ter a mais nítida certeza segundo a qual cabe-nos elogiar ou criticar de acordo com a maior oportunidade que o elogio ou a crítica oferecem para fazer brilhar a nossa capacidade de julgar. Talvez, assim, estejamos em um certo estágio de amadurecimento da alma. Uma pessoa que nos faz o bem deve ser reconhecida enquanto portadora de mensagens espirituais da felicidade, posto que o seu julgamento tornou o outro ainda mais feliz. Alvíssaras!
Por outro lado, convém lembrar Cícero que, em seus discursos, dizia mais ou menos que o desejo de merecer os louvores que nos fazem, fortifica a nossa virtude, e aqueles que fazemos, ao espírito, à coragem e à beleza, contribuem para os aumentar. Crescemos, sim, porque temos visto nos demais coisas enaltecedoras. Desta maneira, se fazemos jus aos elogios é porque trilhamos o caminho certo, aquele que nos leva a estar em paz, inclusive, com todos os viventes e pulsantes sobre esta Terra de Deus.
Assim disse o livre pensador não por acaso:
– Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os, sim. Eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado. Vejam só!
Daí, numa certa madrugada, na soleira da caixinha cibernética, escritos enaltecedores estavam dirigidos ao agora amante da literatura de próprio punho:
Boa noite, senhor escritor. As suas crônicas são sempre um deleite. A maturidade nos traz a compreensão dos propósitos de Deus nas nossas vidas. Tudo o que era envolto nas brumas parece que se dissipa e passamos a refletir como num espelho. Admiro o seu estilo que induz a meditar sobre o que fomos, o que somos e o que ainda poderemos ser e fazer pelo coletivo. Deus o abençoe poderosamente, à sua família e à literatura. Com um abraço fraternal.
Então, a Midas em saias justas de linho bem passado, um dia, houve por bem dizer ao suarento poeta que ele não mais se preocupasse. Ela encarregar-se-ia de fazer publicar o seu primeiro livro, Janelas do Tempo. Assim aconteceu.
Querida Eva. A você, a humanidade rejubilada agradece.
*Escritor, autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, à venda nas livrarias Nobel, Paim e Dom Oscar Romero; e também na DDD / Ufac.