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ARTIGO: A preciosidade do tempo

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

A grande repercussão causada pela intimação da justiça acreana para que 133 blogueiros e empresas de comunicação ‘se regularizem’ junto ao cartório de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Rio Branco obrigou o Tribunal de Justiça do Acre (TJ/AC) a emitir uma nota de esclarecimento na terça-feira (20/10) e obrigou o juiz que assinou as intimações a prestar esclarecimentos públicos de sua decisão em uma entrevista coletiva na manhã de quarta-feira (21/10).

Embora a nota do TJ/AC afirme que “a justiça só atua quando é provocada – o juiz não age de ofício, por iniciativa própria, exatamente por ser o julgador. Nesse sentido, o magistrado não declara o direito das partes ou pune alguém, caso não seja provocado por quem de direito (aquele possui a legitimidade para tal)”, a verdade é que neste caso o judiciário, de uma só tacada, desempenhou um papel polivalente, e, tal qual em uma partida de futebol, atuou como o atacante que fez o gol, o árbitro que o validou e a torcida que o comemorou.

Afirmamos isso tendo como base o fato de que nenhum dos que estão sendo citados para ir ao cartório pagar a taxa de R$ 610 referentes à matrícula legal, teve chance de defesa, ou foi informado de que tal lide estava em curso. O juiz do caso não convocou os acusados para apresentar contrarrazões. A eles foi encaminhado um documento que os obriga a fazer o pagamento, em 30 dias, da matrícula no cartório. E se não o fizerem no prazo, a lei faculta a aplicação de multa.

Da entrevista do juiz do caso, Marcelo Badaró, ficou claro que ele manteve a citação de todos os acusados pela falta de matrícula no cartório, independente de ser pessoa física ou jurídica, de serem proprietários de blogs ou empresas com personalidade jurídica. Entretanto, no que concerne aos blogs, a lei que ele se baseou para fazer a citação (6.015/1973) é muito antiga, entrou em vigor quando eles ainda não existiam e, conforme ponderou o desembargador aposentado Arquilau de Castro Melo, “naturalmente não poderia regulamentá-los”.

Tomando como base a inexistência de enquadramento legal para os proprietários de blogs, fica clara que a atitude do juiz não tem previsão em lei, pois nossa constituição, em seu artigo 5°, inciso II, afirma o seguinte: “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Por isso, manter a citação para os proprietários de blogs soa esdrúxulo e contribui apenas para ocupar o juiz, seus assistentes e o sistema judiciário com uma atividade inócua, que seguramente irá tomar o precioso tempo que deveria ser dedicado às causas para as quais ele parece – tendo em vista a reconhecida morosidade da justiça – ser efetivamente indispensável.

* *Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC

A Gazeta do Acre: