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SALVANDO O RIO ACRE: Engenheiros planejam expedição para resolver os problemas de cheias e secas

Presidente do Senge/AC, Tião Fonseca detalha que após o fim dos estudos, um projeto técnico será montado. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

No início deste ano, o Rio Acre passou pela maior cheia registrada nos últimos 132 anos. O volume de águas chegou a atingir 18,40 metros. Em Rio Branco, mais de 10.450 pessoas foram desabrigadas e mais de 50 bairros atingidos. Além disso, outras seis cidades do Alto e Baixo Acre foram afetadas e sofreram com grandes destruições.

Na época, o Governo do Acre estimou um prejuízo somado em R$ 203 milhões. Fato esse, que é sentido pela população até hoje.

Em março, Rio Branco e os demais municípios afetados pela cheia histórica do Rio Acre apresentavam um cenário de campo de guerra. Toda a equipe de segurança, servidores do Estado e da prefeitura, voluntários e ONGs ajudaram na retirada das famílias dos locais inundados. Campanhas de doações foram criadas a fim de amenizar o sofrimento das pessoas prejudicadas.

O comércio sentiu, as famílias sofreram e todo o Estado precisou se reprogramar para os desafios que viriam a seguir.

Para evitar que desastres naturais como esse voltem a afetar tanto os acreanos, o Sindicato dos Engenheiros do Acre (Senge/AC) realizará no próximo ano a Expedição Rio Acre, em parceria com o Governo do Estado. Os profissionais esperam encontrar uma solução para resolver o problema das cheias e secas do rio. A previsão é que o estudo seja iniciado em fevereiro de 2016.

Segundo o presidente da Senge/AC, Tião Fonseca, uma equipe técnica de ponta foi selecionada para realizar o início do estudo das condições do Rio Acre.

A expedição tem o objetivo de analisar e estudar em detalhes esse rio. Após isso, um projeto técnico será montado com o resultado da pesquisa. Só então, caso a ideia seja ambientalmente, tecnicamente e financeiramente viável, o trabalho poderia enfim ser executado. A estimativa de conclusão de todos esses passos, segundo Tião Fonseca, seria de 6 a 8 anos.

“O rio causa prejuízos quando está na cota máxima. Mais de três mil famílias foram transferidas para a Cidade do Povo. Ainda assim, muitas outras ainda podem ser atingidas caso haja nova cheia.
Dizer que é possível resolver essa situação em 8 anos pode parecer distante, mas irá demorar muito mais caso a gente nunca comece esse trabalho”, destacou.

Mas, como isso seria possível?
Tião Fonseca aponta algumas prováveis soluções para a problemática. “Não que será isso que faremos, mas são ideias. Podíamos construir barragens de regularização para controlar no inverno e no verão a quantidade de águas que chegam à cidade. Isso evitaria tanto as cheias quanto a falta de água no período de estiagem. Outra saída seria construir diques, que são grandes açudes, ao longo do rio”.

Riqueza hídrica
Vale ressaltar que a bacia do Rio Acre está situada na Amazônia Sul-ocidental, compartilhada pelo departamento peruano Madre de Dios, os estados brasileiros do Acre e Amazonas e o departamento boliviano de Pando. Ela tem aproximadamente 35 mil quilômetros quadrados até sua confluência com o Rio Purus.

Esse mesmo Rio Acre percorre cerca de 1.190 km de extensão desde a nascente até a foz, e deságua na margem direita do Rio Purus, na cidade de Boca do Acre, no Amazonas.

Tanta beleza aos olhos e riqueza hidrográfica pode se tornar o vilão. Desde meados de 1990, o rio tem mostrado uma tendência à intensificação dos eventos extremos de secas e inundações.

Em Rio Branco, em 1997, as águas atingiram a marca dos 17,66 metros. Em 2006, 16,72 m e em 2012, 17,64 m. Em 2015, a enchente atingiu a incrível cota de 18,40m.

Com isso, Tião Fonseca destaca a alteração nos ciclos. As grandes inundações estão ocorrendo cada vez mais em curtos espaços de tempo.

“No ano passado, nós abordamos no seminário a questão do Rio Acre, que é um problema que está ligando Rio Branco aos trechos de grandes inundações. O prejuízo, segundo o jornal O Estado de São Paulo, em 5 de abril de 2014, era de R$ 203 milhões estimado pelo Governo do Estado. Do ponto de vista econômico há um prejuízo enorme. Do ponto de vista social, mais ainda. É um fenômeno que atingiu muitos bairros”.

O engenheiro adianta que a expedição irá durar em torno de sete dias. O investimento é de mais de R$ 54 mil. “Será um barco grande para aproximadamente 20 pessoas. Estamos discutindo ir por terra até Assis Brasil e de ‘voadeira’ até foz do Peru. Daí, de Assis Brasil até Rio Branco nós viríamos nesse barco”.

A equipe técnica defende a necessidade dessa expedição ao destacar o número de desabrigados e afetados todos os anos, seja pela seca ou pelas enchentes, bem como o colapso do sistema de abastecimento nas cidades da bacia que utilizam o Rio Acre para esta finalidade.

“A engenharia precisa discutir uma solução para a cheia e para a seca. O Rio Acre chega a ter menos de dois metros. Quer dizer então que o rio está secando muito e enchendo muito. Para resolver isso, temos que fazer essa expedição técnica, que terá como foco conhecer, na prática, a dinâmica fluvial e a estrutura geomorfológica da bacia, desde a área de suas principais nascentes até a foz”.

A expedição tem o apoio da Companhia de Pesquisas em Recursos Minerais (CPRM), Agência Nacional das Águas (ANA) e do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam).

EQUIPE TÉCNICA
Participam da equipe técnica a bióloga Dra. Vera Reis, a geógrafa Maria Antonia Nobre, a engenheira agrônoma Mavi de Souza, o matemático James Gomes, o hidrólogo Franco Turco Buffon, o geólogo Amilcar Adamy, o técnico de hidrologia Wladimir Ribeiro Gomes, o auxiliar técnico Edcarlos Bezerra, engenheira civil Dra. Ana Strava, engenheiro civil Sebastião Aguiar da Fonseca Dias, engenheiro civil Antônio Paulo de Moraes Nunes, engenheiro eletricista Fernando Palmezan, o jornalista José Mastrangelo e o designer Denisson Zimmer da Luz.

“Essas iniciativas são louváveis”, aponta o presidente da Acisa, Jurilande Aragão

Presidente da Acisa destacou que a iniciativa beneficia o empresariado local e garante a preservação do Rio Acre. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)


BRUNA LOPES

O presidente da Associação Comercial e Industrial do Acre (Acisa), Jurilande Araújo, tomou conhecimento do estudo através da reportagem, mesmo assim, se surpreendeu com a iniciativa. Uma vez, que o objetivo da expedição é encontrar soluções para resolver ou minimizem os problema causados pelas cheias e secas do Rio Acre.

Na cheia histórica deste ano, que afetou Rio Branco e outros três municípios. Um dos setores mais afetados pela tragédia natural foi o comércio. O pequeno e médio empresário ainda tenta se recuperar em meio à crise econômica dos prejuízos causados pela cheia. Vale ressaltar que situação parecida atingiu os moradores do município de Brasileia em 2012. Muitos comerciantes ainda estavam se recuperando quando as águas voltaram em 2015.

“Fico bastante feliz de saber que tem uma equipe gabaritada que vai executar esse tipo de iniciativa visando a preservação do nosso rio e consequentemente reduzir os impactos negativos na sociedade como um todo de uma grande cheia ou de uma seca prolongada. O empresário também é beneficiado”, confirmou o presidente.

Uma pesquisa publicada pela Fecomércio/AC, no mês de março, aponta que 73% das empresas do comércio de varejo de Rio Branco tiveram comprometimento físico de suas instalações e de estoque durante a cheia deste ano.

A pesquisa detectou que na opinião de 34% dos empresários que o comprometimento se deu mais em função da impossibilidade de funcionamento das empresas no perímetro de abrangência das águas sobre os estabelecimentos e 22% afirmam comprometimento em função da destruição total dos estoques de mercadorias.

Para evitar que essas situações voltem a se repetir, Jurilande destaca que a iniciativa do estudo deve ser incentivada. “São ações louváveis, esse tipo de iniciativa são, demasiadamente, bem-vinda para Rio Branco. Afinal, apesar do Rio Acre ter causado tanta destruição por onde passou, ele também, é vida e a cidade depende dele para continuar”, concluiu o presidente.

“Já sofri muito com as alagações do Rio Acre, perdi muita coisa, também”, conta o motorista José Maria da Silva

Pequenos comerciantes no sufoco para evitar maiores prejuízo durante cheia deste ano. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

O motorista José Maria da Silva contou sua experiência com as alagações do Rio Acre, que por diversas vezes, já o expulsou de casa. Quando a água entra, o sentimento de incapacidade predomina.

“Quando construí a minha primeira casa, feita com todo o capricho do mundo, no bairro Habitasa, veio uma alagação. Naquele momento, perdi a vontade de recomeçar. No meu quintal tinha várias fruteiras e hortaliças. A água acabou com tudo. Foi muito triste”, detalhou ele.

Em outra oportunidade, a família toda foi instalada provisoriamente em um abrigo público. “Foi um caos. Nessa alagação, perdemos vários móveis”, lembrou. Atualmente, José Maria mora com a família no bairro São Francisco. Na cheia deste ano, para a surpresa de todos, a água novamente chegou a ele.

“Foi uma surpresa. Não esperávamos ser atingidos pela cheia, mas ela chegou até a gente. Desta vez, levantamos o que podia e o restante colocamos na rua. Os vizinhos também fizeram isso, preferi não ir para abrigo”, ressaltou.

Ao saber desse projeto de estudo no Rio Acre, liderado pelo sindicato dos engenheiros, José Maria diz que as medidas que possam ser tomadas após a expedição, podem evitar que novas cheias atinjam Rio Branco. “É uma esperança para quem todos os anos é afetado pelas águas”, concluiu.

Se no período de chuvas, as cheias são angustiantes, na fase da seca, um possível colapso no sistema de abastecimento de água a comunidade local. O mecânico Mário de Lima, morador do bairro Chico Mendes, fala que a falta do produto prejudica o funcionamento da casa e da oficina.

“Sem água não dá para fazer as coisas em casa e o trabalho na oficina também fica prejudicado. No calor não dá para ficar sem água. E ao acompanhar o Rio Acre secar dia após dia, não é difícil imaginar que um dia ele pode de fato acabar”, destacou.

“Esse tipo de impacto de grandes inundações tem solução”, afirma diretora técnica do IMC

Diretora técnica do IMC, Vera Reis, confirma que o estudo será feito da nascente até a foz do Rio Acre. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)


BRUNA MELLO

Após a segunda maior enchente do Rio Acre, registrada em 2012, foi observado à necessidade de realizar alguma intervenção no rio para conter esse tipo de adversidade climática. Até o final deste ano está previsto uma Expedição no rio, para estudar a bacia como um todo, e identificar as áreas passíveis de receber uma estrutura capaz de segurar o excesso de água.

Segundo a diretora técnica do Instituto de Mudanças Climáticas, Drª. Vera Reis, o estudo será realizado em toda a bacia, desde a nascente até a foz, que desagua na cidade de Boca do Acre (AM). A equipe deve passar cerca de 20 dias estudando detalhadamente toda a estrutura do rio.

O objetivo principal da Expedição é encontrar uma forma de regular a vazão e controlar a enchente do Rio Acre, e ao mesmo tempo desenvolver atividades econômicas na área estruturada.

“Vamos realizar esse estudo de previsibilidade de risco, e a partir desse estudo vamos definir que tipo de estrutura será possível implementar para tentar segurar o excesso e depois reaproveitar esse excesso”, contou Reis.

A diretora explica que apontar uma solução sem um estudo prévio é muito precipitado. Porém, ela aposta em duas hipóteses: a criação de lagoas marginais ou canais laterais.

“Se houver a possibilidade de fazer uma lagoa marginal, por exemplo, nós vamos abrir uma parte do rio, fazer conexão com essa lagoa para a água entrar e alimentar essa lagoa, e não alagar essa cidade. Se for um canal lateral, nós vamos construir o canal, é como se fossem canais de irrigação de arroz. Nós abrimos os canais laterais, com canais secundários, e conecta esse canal com uma abertura no rio, aí o excesso de água vai para esse lugar”, relatou Reis.

Criar barragens para contar o grande volume de água não é solução. É necessário criar estruturas paralelas para armazenar a água. “Se você barrar o rio, daquela barragem para cima vai ficar inundado, e é isso que nós não queremos. Pode ser que, algum trecho do rio dê pra fazer algo do gênero, mas o Rio Acre não tem condições geológicas para receber barragens. Ele é muito raso e transporta muito sedimento”, justificou Reis.

Como essas mudanças podem afetar as pessoas que moram próximas ao rio e todo ano sofrem com as enchentes?
Ainda segundo Reis, a comunidade que antes era prejudicada com as enchentes, pode ser beneficiada com as futuras mudanças na estrutura do rio. “Com a criação de lagoas marginais, por exemplo, a comunidade pode ter uma criação de peixe, ou pode começar a fazer uma espécie de agricultura irrigada utilizando a água dessas lagoas. Nós queremos impactos positivos!”

A criação de canais laterais também pode impactar positivamente na vida da população ribeirinha. “Eles podem servir para armazenar água, irrigar a plantação, pode criar peixe, pode ser usado para abastecimento de água, como o Rio Acre já é usado. Nós podemos até utilizar esses canais para mudar o sistema de abastecimento da cidade. Dependendo da estrutura implantada nesses canais, eles podem ser definitivos”, exemplificou a diretora.

Drª. Vera cita o Rio Tietê, em São Paulo (SP). Os canais de dupla mão fazem com que o rio flua para um lado quando está cheio, e para o outro quando está seco. “O rio alimenta o canal quando ele está muito cheio, mas quando o rio está baixo a água volta para o rio”.

Ansiosa para ver os resultados, Reis fala da expectativa do projeto piloto. Ela acredita que o problema das enchentes do Rio Acre tem solução. “Estamos otimistas, com muitas expectativas. Não dá mais para o Acre continuar vivendo essa situação. Se isso der certo com o Rio Acre, a nossa ideia é usar a mesma para as outras bacias também. Esse tipo de impacto de grandes inundações tem solução!”

Características do Rio Acre
Descoberto em 1860, o Rio Acre teve todo seu percurso explorado pelo geógrafo, William Chan-dless. O rio era conhecido como “Aquiry” – rio das flechas, “Enosagua” que significa amarelo (devido à elevada turbidez de suas águas). Os indígenas o chamavam de “Magarinarran”, devido à alta velocidade de corrente de suas águas.

O Rio Acre é considerado o segundo maior representante da drenagem do Acre, e é um afluente da margem esquerda do Rio Purus, que nasce no Peru. O rio percorre cerca de 1.190km de extensão.

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