Na sexta-feira passada (22/04) o ‘Acordo de Paris’ foi assinado na ONU. Na história dos tratados internacionais a cerimônia representou um recorde, pois em um único dia 171 países assinaram o acordo, cujo principal objetivo é impedir que a temperatura do planeta eleve-se mais de 2ºC (preferencialmente não mais de 1,5ºC) até final do século. Com isso, os signatários esperam atenuar ou retardar as consequências das alterações que a elevação da temperatura poderia causar no clima planetário.
O ‘Acordo de Paris’ tinha sido negociado e aprovado em dezembro de 2015 durante a reunião de Conferências das Partes (COP) 21. Além da meta de evitar o aumento da temperatura global, ele também determinou que os países mais ricos disponibilizassem US$ 100 bilhões por ano para aplicação em medidas mitigadoras do aquecimento global em países mais pobres. O acordo, entretanto, é vago porque não determina de forma objetiva o percentual no corte de emissão de gases causadores do efeito estufa a ser adotado e nem define quando as emissões precisam parar de subir.
Entre os mais importantes signatários da festiva cerimônia de assinatura realizada pela ONU encontram-se Estados Unidos, China, União Europeia, Índia, Brasil e Rússia, que juntos emitem mais de 75% dos gases causadores do efeito estufa, responsável pelo aquecimento do planeta. Embora de menor importância econômica e com pouca extensão territorial, o acordo também foi assinado por 15 pequenos países, grande parte deles Estados-ilhas, que poderão desaparecer fisicamente ou ser seriamente comprometidos territorial e economicamente caso o aquecimento global não seja efetivamente combatido para evitar a elevação do nível dos oceanos.
Apesar do número recorde de assinaturas colhidas pela ONU, a entrada em vigor do ‘Acordo de Paris’ precisa ser ratificado por um número mínimo de 55 países que representem pelo menos 55% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa. Isso significa que cada país signatário, dependendo das suas particularidades políticas, precisará que seu parlamento dê ‘sinal verde’ para o acordo. Algo que nem sempre é muito fácil, mesmo com quatro anos de prazo até a planejada entrada em vigor do acordo em 2020.
Os Estados Unidos e a China, responsáveis por 38% das emissões globais, prometeram que farão isso ainda em 2016. O representante chinês na cerimônia afirmou que a ratificação ocorrerá até setembro desse ano, antes da reunião do G20 na cidade chinesa de Hangzhou. Os americanos, segundo se comenta, aderirão ao acordo via iniciativa pessoal de Barack Obama, que apelará ao uso do ‘poder de autoridade do executivo’ para fugir das armadilhas e surpresas que um Congresso majoritariamente republicano poderia representar, caso o acordo fosse submetido ao mesmo. No Brasil, a rápida ratificação do acordo está prejudicada pela crise política e pela decisão pessoal do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de não votar propostas enviadas pelo executivo até a resolução do processo de impeachment em curso no Congresso.
Independente da ratificação brasileira, se a China e os Estados Unidos cumprirem o que prometeram, restará aos demais países um saldo de apenas 17% de emissões globais e 53 nações para completar o mínimo necessário para o acordo entrar em vigor. Parece fácil. Mas no mundo das relações internacionais promessas e demagogia também fazem parte do jogo e alguns países, assim como alguns políticos, vez ou outra querem posar de ‘bonzinhos’ perante a opinião pública mundial.
O melhor exemplo desse tipo de atitude tem sido o fracassado ‘Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares’, aberto para assinaturas pela ONU em 1996. Embora assinado por 178 países, de um total de 195, ele foi ratificado por apenas 144. Dos oito países com capacidade nuclear reconhecida, três sequer o assinaram: Índia, Paquistão e Coréia do Norte. Para entrar em vigor ele precisaria ser ratificado por pelo menos 44 países. Mas, por incrível que pareça, os Estados Unidos e a China, por exemplo, estão entre os que ainda não o ratificaram. Na hora de assinar, os americanos fizeram questão de serem os primeiros e Bill Clinton foi pessoalmente a ONU para por sua assinatura.
Mesmo que o ‘Acordo de Paris’ seja ratificado por todos e entre em vigor conforme o planejado, alguns críticos temem que a fragilidade de seus pontos-chaves o transforme em um calhamaço de folhas que servirá apenas para enfeitar prateleiras de chancelarias mundo a fora. Segundo eles, o consenso alcançado ‘na última hora’ em Paris só foi possível porque não impôs metas específicas para cada país, aceitou medidas voluntárias propostas pelos acordantes e não previu aplicação de sanções em caso de descumprimento. Em outras palavras, e ao contrário de outros acordos que sequer chegaram a entrar em vigor, nesse caso todos concordaram em contribuir para impedir a elevação da temperatura global, mas tudo indica que cada um vai dar a sua contribuição na medida do possível e quando for possível. E sem o perigo de serem sancionados caso não cumpram o prometido.
De fato, esse ‘Acordo de Paris’ tem um caráter híbrido. É ao mesmo tempo impositivo e aberto a voluntarismos por parte de seus signatários. E isso é um convite ao seu descumprimento em um mundo no qual instabilidade democrática nas nações é mais regra do que exceção.
O caso brasileiro é emblemático. Dilma, em processo de impedimento, não tem apenas a incerteza de que o acordo será ratificado pelo Congresso. Ela, muito provavelmente, não terá sequer condições cumprir uma agenda definida de providências que sinalizem o cumprimento das metas assumidas por ocasião das negociações realizadas em Paris. Seu possível sucessor, Michel Temer, do PMDB, já divulgou conteúdo programático de um hipotético governo que sequer faz menção ao ‘Acordo de Paris’ ou às metas que o Brasil se comprometeu em assumir. Seus planos, na verdade, propõem medidas de aquecimento da economia que poderão contribuir para o aumento do desmatamento e das emissões em geral.
Um bom exemplo é a movimentação da base de apoio político de Temer no Congresso visando prorrogar o prazo do Cadastramento Ambiental Rural (CAR), a base a partir da qual a regularização ambiental de todas as propriedades rurais do país será efetivada e que norteará a restauração dos passivos ambientais de todas essas propriedades. Se a prorrogação do CAR for aprovada, a aplicação do novo Código Florestal será postergada e poderá trazer a reboque riscos de afrouxamento no controle sobre o desmatamento ilegal por todo o país.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC