Um dia, a denominei formosa. Eu não estava de brincadeira. Penso que ela nada entendeu, ou compreendeu muito pouco. Era de uma beleza tão simples e tão singela que chegava a me encantar. Quase fui atacado por paixão avassaladora. A ela dediquei, pois, um poema sofrível que ainda hoje dorme em uma gaveta do meu tempo que quase já se extingue. Depois, passei a pensar e a teorizar sobre o quanto este mundo se torna a cada dia mais bonito, à medida que envelheço e ao passo que surgem e proliferam, por aí afora, mais e mais, semideusas, divindades, divas, musas, ninfas e ninfetas, para o eterno bem da humanidade que se regozija perante tanta beleza. Vivo em estado permanente de êxtase e felicidade. Por Deus.
Nem falo sobre o conteúdo de tantas e tão deslumbrantes partícipes do gênero das maravilhosas. Não me cabe julgar nenhuma mulher pelo que ela traz de casa, da criação, no pensamento. Não tenho competência para tanto. Lembro, sim, o Camilo que, de certa feita, deixou escrito em algum dos seus romances – ambientado em Portugal, é claro – uma assertiva segundo a qual a beleza, que é exatamente a harmonia rigorosa das formas, é muito rara. O que não é difícil de ser encontrada é a graça, aliada à simpatia, ao borogodó, ao indizível que nos encanta, sem nos dar tempo para estudar a irregularidade de um nariz, ou o defeito de uma testa, ou aquelas pernocas monumentais que podem ter uma ou duas varizes mínimas e imperceptíveis. Virgem dos céus!
Também, pudera. Avalio que a Criação foi pródiga para com os que vivem nestes confins amazônicos. Depois de tanto sacrifício dos antepassados que para cá vieram em busca de dias melhores, algo de muito bom deveria ter acontecido. Melhor, pois, é observar que a minha fortuna é muito grande e dela não se sabe os limites. Sorte grande eu tenho cá com os meus botões de madrepérola polida. É que Deus me deu a graça de haver nascido neste rincão glorioso, o tão amado Acre, este mesmo onde nascem as mulheres mais bonitas do mundo.
Sim, a minha mãe era incomensuravelmente bonita. Linda mesmo. Quase saímos a ela; e, em casa, pois, onde pululavam cinco meninos morenos, magros, inteligentes, arteiros, e apenas uma menininha bem mais nova, o homem que nos fez gerar em mulher tão maravilhosamente admirável passava dicas domésticas através das quais deixava muito claro que ser gentil, falar educadamente e comportar-se como cavalheiro estava bem antes da necessidade de ser formoso. Bonito se é por quinze minutos apenas. Passado esse interregno, tudo autoriza o bacana a abrir a boca e dizer a que veio ou em qual planeta se esconde. É claro que este poeta, hoje vincado, nunca foi além de um homem elegante, educado e de formação acima da média, apenas; daí a conversa aplumada e sem tergiversações. Gaguejar na presença de uma mulher só porque ela é muito bonita, nunca. É exatamente aí que se deve mostrar a segurança e a presença de espírito que a formação empresta e de que todas elas tanto gostam.
Pura malandragem. Malandragem do bem, é claro. Aquela que exige preparo nas melhores academias da alma que recita, sussurrando, ao ouvido da musa, ou faz poesia para quem merece. Tudo dedicado a ela que é exatamente aquela que gosta de que as coisas sejam ditas de forma clara, precisa e sublime.
Quando o bárbaro é também rude, certamente, ao falar alto estará ferindo os tímpanos da mulher cortejada de maneira deveras estúpida. Da mesma forma que o grotesco comete pecado terrível quando faz invectivas através de assobios com a intenção de encantar. É um medíocre, sim. Poucos neste mundo já viram o insano que fica aos berros, ou assobiando, ou dizendo palavrões impressionar mulheres de alguma linhagem. Eu nunca vi. Juro de pés juntos.
Algumas moças, oriundas do campo, afilhadas dos meus pais, houveram por bem fixar residência conosco, na cidade, com o objetivo de elevar-se nos estudos. Minha mãe, conselheira nata, ao conversar com Ritinha, um dia acertou na mosca:
– Minha afilhada haverá de ser bem sucedida na vida, se Deus quiser, e Ele há de querer. É inteligente, bonita, divertida e cheia de experiências incríveis para a sua idade. Tudo isto, se bem combinado, levará você ao patamar das pessoas muito especiais; e mulheres deste tipo não se acompanham de trogloditas. Esses tipinhos podem arruinar qualquer convivência. Cuidado.
Tendo por predecessores uma mãe deste pensar e um pai qualificado nas melhores escolas da vida, o meu lema não poderia ser diferente: eu não tenho medo de mulher bonita.
Elas me enchem os olhos, é claro. Sou meio filósofo, um pouquinho versejador, tenho a alma de artista e não poderia deixar de ficar encantado ante a contemplação do belo. Meu Deus, como ela é bonita!
Ademais, é oportuno aludir que muitas das moças do meu tempo não se tornam arredias pelo simples fato de serem meramente antipáticas. (Ora, afianço-vos que a antipatia é um quase dever das mais belas.) Elas assim o são porque alguns imbecis não sabem sequer dirigir-lhes a palavra e levar a termo adequado uma conversa sobre bons livros, músicas de qualidade, perfumes de certo preço, flores e floristas, passeios encantadores. Percebo que muitas delas se sentem discriminadas por conta do receio que alguns homens têm até de lhes dirigir a palavra. Elas têm razão. Cortejar é uma atitude de respeito e, se o rude não sabe fazer isso, é melhor tomar distância certamente.
Muitas delas se tornam distantes, decepcionadas, arredias, posto que traumatizadas e porque as abordagens que lhes são feitas saem da mediocridade e da estupidez de uns tais que nunca viveram romances em prosa ou em versos, como aqueles saídos da têmpera de um bom Vinícius de Moraes.
Não cabe em mim nenhuma intenção donjuanesca. Em verdade, a minha poesia flui por ela, meio verde, meio amarela, justo e exato aquela, bem junto à janela, um pouco ou muito acima de bela, doce e meiga cinderela, te amo, te amo, te amo demais. (Valei-me a licença poética!)
Em homenagem sublime ao gênero das beldades, por quem os meus versos se derramam céu abaixo, aos borbotões, posto que divinizados pelas musas mais lindas da minha época, eu dedico uma poesia melíflua e doce e fascinante e sedutora ao mesmo tempo, de Olavo Bilac, intitulada Ouvir estrelas.
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Urge amar muito mais, a cada dia que Deus nos coloca ao dispor, e até mesmo amanhã, ou depois de amanhã, quando for outra a aurora, amarei em dobro porque todas elas bem o merecem. Fico plenamente regozijado, então.
Por Deus, elas existem e são parte de mim!
CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO, Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, disponível nas livrarias Paim, Nobel e Dom Oscar Romero; e na DDD / Ufac.