O Brasil é um país de avoados, mas só quando se trata de saber quais caminhos percorremos como nação. Andando pela Avenida Paulista, em São Paulo, entre cantores de rock de garagem e um imitador de Roberto Carlos, me deparei com um estande com algumas pessoas, gritando em um microfone por uma nova INTERVENÇÃO MILITAR.
Um senhor usava de muito entusiasmo para contar do que lembrava da época da Ditadura Militar. Ele disse que o pai – na época – andava com seu carro sempre de tanque cheio e pingando, frisou, e que agora somos uma democracia miserável. Então um jovem o confrontou, disse que muitos morreram apenas por falar a verdade. O senhor então perguntou quem tanto morreu por falar demais, pediu nomes.
Eu como jornalista tremi na base ao lidar, ao vivo e a cores, com uma situação que muitas vezes só nos deparamos na internet. Minha profissão me orienta a ser aberto a todo tipo de opinião, mas se Deus existe, ele sabe que nem sempre é fácil e ver aquilo não foi.
Um nome ele pediu, e só pude pensar em Vladimir Herzorg, um jornalista assassinado na Ditadura, por “falar demais”, talvez. Eu diria que por lutar demais contra algo que não acreditava, como o Golpe da época. A foto do seu corpo pendurado por uma corda no pescoço, ao mesmo tempo que o seu pé encostava no chão, é um símbolo doloroso da época, dos falsos suicídios, das viagens para nunca mais voltar.
Faltou àquele senhor algo que falta, de modo geral, em todos nós, a memória. O entusiasta da Paulista deve, na sua época, ter olhado apenas para o tanque do pai, e pouco tenha percebido a história acontecendo. O perigo dos esquecimentos é que assim somos sempre vítimas inconscientes de erros antigos, uma repetição possível.
Conhecer o que aconteceu na época pode ser um caminho consciente, que leva não para a repetição de passado (não tão distante assim), mas talvez para um futuro onde não só tanques cheios sejam vistos, mas que lembremos sempre de olhar para além da lembrança, e sim pensar na vivência de lutas e derrotas, como o golpe de 64. Se não por nós, por Vladimir e os 434 desaparecidos (oficiais) da Ditadura Militar.
Amanda Borges é jornalista.
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