Um artigo científico publicado em 2015 mostrou que as mudanças climáticas globais poderão aumentar a frequência tanto de secas quanto de chuvas extremas na Amazônia antes do ano de 2050 (Duffy e outros, 2015). Segundo o estudo as áreas afetadas por secas extremas no oeste da Amazônia poderão triplicar até 2100 e simultaneamente as áreas sujeitas a eventos de chuvas extremas também crescerão após 2040.
Os verões amazônicos (estiagem) serão alongados e os períodos de chuvas mais curtos, mas mesmo assim estaremos sujeitos a chuvas mais intensas em razão da maior evaporação de água dos oceanos. Estes eventos, combinados com o desmatamento persistente na região, causarão mortes maciças de árvores, incêndios florestais e transformarão a região em emissora de carbono para a atmosfera.
Quem vive no Acre, no entanto, tem a nítida impressão de que as previsões desses cientistas estão atrasadas, pois quase todos os anos desde 2005 a região leste de nosso Estado tem experimentado eventos desse tipo. Secas severas ocorreram em 2005, 2010 e 2016. A cidade de Rio Branco declarou situação de emergência por inundações durante sete anos consecutivos (2009- 2015). A cheia ocorrida em 2015 foi a maior da história.
Mas para os acreanos, que vivem em um estado no qual mais de 80% de seu território ainda é recoberto por floresta nativa, uma pergunta inquietante precisa ser respondida:
– O que acontecerá com nossas florestas se os eventos de secas se intensificarem nos próximos anos?
Alguns pesquisadores (Salazar e outros, 2007) fizeram simulações utilizando dentre outras variáveis, a temperatura e umidade do ar, precipitação, água no solo, duração dos períodos de seca e de chuvas, e chegaram à conclusão de que o aumento da temperatura global poderá transformar, até o ano de 2100, uma ampla área localizada nas extremidades leste e sul da Amazônia em uma região climaticamente imprópria para a existência de florestas.
Segundo essa previsão, as grandes árvores dessa região não sobreviverão às secas mais prolongadas e paulatinamente a floresta nativa atual será substituída por uma vegetação muito parecida com as “savanas” (similar ao Cerrado do Brasil Central). Dependendo da intensidade das mudanças provocadas pelo aquecimento global, estima-se que entre 30 e 60% das áreas florestais da Amazônia se transformarão em savanas.
Outros estudos (Huntingford e outros, 2013) sugerem uma situação bem diferente. O excesso de calor gerado pelo aquecimento global e o aumento de CO2 na atmosfera poderão estimular o crescimento mais vigoroso das árvores no período favorável (chuvas) e a fixação de CO2, compensando os prejuízos do prolongamento dos períodos secos.
A comprovação das teorias propostas acima só se dará com o passar do tempo, mas as secas históricas ocorridas na Amazônia em 2005 e 2010 se encarregaram de fornecer algumas respostas.
Durante as secas de 2005 e 2010 foi verificada uma grande mortalidade de árvores e incêndios que atingiram mais de 85 mil quilômetros quadrados de florestas primárias na região. Outro dado importante foi a constatação de que na seca de 2010 as florestas da Amazônia emitiram entre 1 e 2% do carbono que normalmente estocam (Duffy e outros, 2015). Foi uma situação excepcional visto que nossas florestas normalmente retiram CO2 da atmosfera e estocam o carbono na medida em que suas árvores crescem. Em outras palavras: nossas florestas passaram da condição de prestadoras de serviços ambientais para ‘poluidoras’ da atmosfera via liberação de CO2.
Em 2016 estamos vivendo uma nova seca severa e os curtos intervalos entre as últimas secas podem estar contribuindo para a degradação em larga escala de nossas florestas. Na seca de 2005 cerca de 30% delas foram afetadas direta e indiretamente e em 2010 foram quase 50%. Como a recuperação das árvores de grande porte é lenta (Saatchi e outros, 2013), o curto intervalo entre as secas tem sido insuficiente para a sua completa recuperação, o que pode alterar permanente o dossel florestal e tornar as florestas mais secas e inflamáveis.
O Acre, localizado no limite sul do bioma amazônico, apresenta condições climáticas com períodos secos muito pronunciados e a ocorrência de secas severas em intervalos curtos poderá transformar substancialmente nossas florestas (mesmo aquelas não exploradas). Um dos principais efeitos será a diminuição da riqueza de espécies arbóreas de grande porte cuja ocorrência depende de chuvas abundantes e bem distribuídas. A falta de chuvas fará com que a maioria delas desapareça gradualmente de nossas florestas.
Outra desvantagem é o fato de nossas florestas crescerem sobre solos predominantemente argilosos, uma combinação que em períodos de secas provoca a diminuição da produtividade primária e compromete a manutenção das funções ecossistêmicas das florestas. A exploração incessante de recursos florestais (madeira, por exemplo) quando as condições climáticas são desfavoráveis e a floresta está sujeita a stress ambiental tende a potencializar a degradação e inviabiliza a recuperação das florestas exploradas. Alguns pesquisadores acreditam que a recorrência dessas condições poderão se constituir em ponto de partida da transformação de nossas florestas em savanas.
Em 2016 estamos vivendo uma seca severa e nossas florestas estão submetidas a um elevado stress hídrico e com alto risco de serem afetadas por incêndios florestais. O bom senso e os dados científicos indicam que nestas condições a prudência ambiental deveria prevalecer sobre a ganância econômica. Se isso não for observado, corrermos o risco de comprometer a sustentabilidade da exploração futura de nossas florestas. Não seria o caso de nossas autoridades ambientais acordarem junto com os produtores uma moratória temporária da exploração florestal nas regiões afetadas pela seca?
Para saber mais:
– Duffy e outros, 2015. “Projections of future meteorological drought and wet periods in the Amazon”. PNAS, 112(43): 13172-13177.
– Huntingford e outros, 2013. “Simulated resilience of tropical rainforests to CO2-induced climate change”. Nature Geoscience, 6: 268–273.
– Saatchi e outros, 2013. “Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy”. PNAS, 110(2): 565-570.
– Salazar e outros, 2007. “Climate change consequences on the biome distribution in tropical South America, Geophys. Res. Lett., 34: L09708.