A descoberta feita quase por acaso de que a exploração madeireira realizada no Acre estava provocando o fenômeno de ‘florestas vazias’ tinha ocorrido no início de 2008, quando o Deputado Estadual Zé Carlos (PTN) tinha realizado uma viagem de 10 dias percorrendo seringais e comunidades ribeirinhas ao longo do rio Iaco, em Sena Madureira. Na ocasião muitos moradores da região reclamaram que a exploração de espécies madeireiras que produzem frutos importantes para a alimentação dos animais silvestres estava afugentando a caça e dificultando a vida de todos que dependiam da caça para a obtenção de proteína animal.
Em maio do mesmo ano o Deputado Zé Carlos apresentou ao plenário da Assembleia Legislativa sua ideia de projeto de lei para proibir a exploração madeireira de algumas espécies que serviam de alimentação para os animais silvestres, tendo listado inicialmente as seguintes espécies: gameleira, andiroba, castanharana, merindiba, piquí, manitê, copaíba, caxinguba, gamelinha, toarí, envira-cajú, guariúba, cajuzinho, taturibá, murici, ingá-ferro.
Em agosto de 2008, quando o projeto foi aprovado e submetido à sanção do então governador Binho Marques (PT), a quantidade de espécies com restrição de exploração comercial tinha subido para 24. Obviamente que ele não foi sancionado pelo governador sob o argumento – razoável – de que poderia lançar o setor florestal acreano em uma crise sem precedentes visto que o projeto restringia a exploração comercial de cerca de 50% das 40-50 espécies madeireiras exploradas na época.
O fato de a proposta do Deputado Zé Carlos não ter causado ‘comoção’ entre os envolvidos na cadeia produtiva de madeira no Acre à época é fácil de ser explicado. Naquele tempo o ‘grosso’ da exploração comercial madeireira local centrava-se em 15-20 espéciesde alto valor comercial não incluídas no projeto do Deputado, com destaque para o cedro, cerejeira, samaúma, cumarú-ferro, cumarú-cetim, amarelão, alguns angelins, ipê, sucupira, mulateiro e o bálsamo.
Entretanto, quando o estoque natural dessas espécies na floresta diminuísse, tornando sua exploração comercialmente inviável, os madeireiros locais se voltariam para a exploração intensiva de outras espécies, incluindo grande parte daquelas listadas no projeto do Deputado Zé Carlos. De fato, passado menos de 10 anos, a exploração da copaíba, andiroba, jutaí, mirindiba, jatobá, manitê, toarí, castanharana, cajuzinho (ou cajuí), guariúba, copinho e pequi é hoje lugar comum. Essa guinada da exploração, que passou a priorizar um conjunto de espécies anteriormente consideradas de valor comercial secundário, é um indicativo que o manejo madeireiro das espécies de alto valor comercial parece enfrentar problemas de sustentabilidade.
A rejeição do projeto proposto pelo Deputado Zé Carlos foi mais uma demonstração de que o fator econômico falou mais alto e que a garantia da preservação das espécies usadas direta ou indiretamente na alimentação da fauna nativa de nossas florestas continua a ser apenas um sonho que, mesmo nos dias atuais, parece difícil de ser concretizado. O início da exploração comunitária madeireira em áreas extrativistas do Acre, a partir de 2000, só reforçou essa impressão.
A realização deste tipo de atividade em áreas extrativistas do Acre perecia ser inevitável tendo em vista que a situação fundiária do Estado favorecea realização da mesma: das 16,42 milhões de hectares existentes, 9,1 milhões (55,65%), são áreas naturais protegidas que incluem projetos de assentamento, unidades de proteção integral e deuso sustentável e terras indígenas. Vale ressaltar que a Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes foi a primeira, dentre as 54 RESEX existentes no Brasil, a conseguir licença para realizar o manejocomunitário da madeira no ano de 2012.
Na RESEX Chico Mendes a exploração comunitária de madeira teve início em 2013 e vem, desde então, sendo realizada pela Cooperfloresta. A organização comunitária e a decisão para esta exploração, entretanto, foi um processo complexo que após discussões descentralizadas nos diferentes núcleos organizacionais que compõem a Reserva, terminou por incluir entre as espécies a serem exploradas aquelas importantes para a fauna silvestre e mesmo algumas produtoras de produtos não madeireiros como a copaíba. Entretanto, apesar do licenciamento abranger todas as espécies, a decisão final de quais delas deveriam ser exploradas ficou a cargo de cada um dos extrativistas que aderiram ao projeto comunitário.
Esta ‘opção’ para o extrativista ter a palavra do que deve ou não ser explorado é um ponto positivo. Entretanto, o fato de a licença de exploração abranger todas as espécies madeireiras – sem distinção de utilidade alimentar para a fauna e não madeireira para o homem – se configura em uma ‘tentação’ visto que, aparentemente, a condição econômica dos extrativistas no momento da exploração poderá se sobrepor a qualquer princípio e/ou ação conservacionista historicamente exibida por eles, a quem podemos creditar a preservação de mais de 85% das florestas do estado.
No longo prazo, considerando que é extremamente fragmentada no âmbito da RESEX Chico Mendes a tomada de decisão sobre as espécies madeireiras a serem exploradas, é possível supor que o efeito de ‘florestas vazias’ irá atingir de forma mais ou menos intensa as 922 mil hectares de florestas existentes nesta que é a maior e a mais importante área de conservação ambiental do Acre.
Embora reconheçamos que de longe, do conforto de nosso escritório, seja fácil sugerir e dar conselhos, não podemos nos furtar de alertar que a manutenção da alta qualidade ambiental, florística e fitossociológica das florestas da RESEX Chico Mendes parece depender de uma maior centralização das decisões que os seus moradores venham a tomar quando o assunto se refere à exploração madeireira comunitária.
Afinal, a despeito de motivos práticos e logísticos a organização dos moradores – para ser funcional – demandar a sua divisão em 4 ou mesmo 20 unidades de gerenciamento, a floresta que recobre a reserva é um continuun verde, complexo e diverso, interrompido aqui e ali pela presença do homem. E esse continuun verdedepende, sabemos já faz tempo, mais da presença dos animais silvestres e menos do homempara se perpetuar. Por isso, não faz sentido que os homens que habitam a RESEX Chico Mendes criem condições que desfavoreçam a presença desses animais e condenem ao desaparecimento a floresta da qual dependem economicamente para sobreviver.
Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC