De fevereiro a abril, milhares de alunos da rede pública voltarão às aulas. Para aproximadamente 3.500 estudantes do ensino médio, o retorno terá um gostinho diferente. Esses irão fazer parte do projeto piloto das escolas em tempo integral no Acre.
A princípio, sete escolas receberão o novo modelo. São elas: Escola Estadual José Ribamar Batista (Ejorb), Escola Jornalista Armando Nogueira, Escola Estadual Sebastião Pedrosa, Escola Estadual Boa União e Escola Humberto Soares da Costa. Os nomes de outros dois colégios devem ser anunciados ainda nesta semana. O investimento é de R$ 28 milhões, sendo R$ 21 milhões investidos pelo Governo do Acre e os outros R$ 7 pelo Governo Federal.
Na educação integral, as aulas se iniciarão às 7h30 e o aluno permanece na escola até 17 horas, sendo a ele oferecidas todas as refeições necessárias.
Segundo o secretário estadual de Educação, Marco Brandão, esse modelo já é algo pensado há quase uma década no país. “Há oito anos se discute no Brasil sobre o que fazer com os jovens de 15 a 29 anos de idade, que são os que estão em processo de escolarização concluindo a etapa da educação básica e pós-ensino médio. Os resultados da avaliação mostram que algumas coisas precisam ser modificadas para garantir uma melhor formação”.
Brandão explica que, até o momento, o Acre e outros estados ainda trabalham com um modelo de ensino médio francês antigo. Um modelo que até então nunca passou por uma reforma, sendo que na França esse método já não é usado há muito tempo. “Chegou o momento de se investir em uma escola que tenha como meta central o projeto de vida do jovem. Aos 15 anos de idade, o jovem tem que decidir hoje a sua vida. Que tipo de pessoa ela que ser? Que tipo de profissional? E, sobretudo, o que essa pessoa vai ser no mundo? Portanto, o nosso foco central, no momento, é trabalhar de uma maneira em que todos os agentes, desde os professores até os gestores, estejam imbuídos num propósito”, declara o secretário.
O ser, o estar e o conviver no mundo. Esses são pilares centrais da nova escola integral, segundo Brandão. Mais do que formar um aluno, o objetivo é transformá-lo em cidadão. O tempo em que esses estudantes passarão no colégio não é o fundamental, mas sim o que ele irá aprender e absolver. O que move essa escola é o projeto de vida do jovem.
“Nós estamos com uma procura absurda de vagas. No momento, esses locais estão em fase de matrículas e demandas de rematrículas. Eu recebo, em médio, em torno de 30 a 40 pedidos de pais para matricular seus filhos nas escolas que abrigarão o projeto. Só nas duas últimas semanas recebi em torno de 200 pedidos de pais e isso chega para mim de várias formas, desde a vinda deles à secretaria, até mesmo nas minhas redes sociais”, destaca.
De acordo com Marco Brandão, a Secretaria de Educação busca com isso diminuir os índices de evasão e repetência. Além disso, busca a adesão dos jovens.
O secretário relata que muitos estão deixando de concluir o ensino médio, ou concluem fora da idade certa, que é aos 17 anos. “No Brasil, isso acontece com 15 a 20% dos jovens. Alguns nem terminam a educação básica e ficam naquela situação que eu chamo de “nem nem”: nem estuda, nem trabalha. Isso preocupa, porque ele fica à margem da sociedade, vulnerável”.
A escola em tempo integral vai oferecer ao aluno a experimentação. Com variados laboratórios, os jovens vão poder colocar em prática o que estudam nos livros. Além disso, segundo Brandão, eles irão ter também aula de robótica, aplicada na Física e Matemática. “No decorrer de 2017, nós equiparemos todas essas escolas com laboratórios básicos”, promete Marco Brandão.
Nesse modelo, ao invés dos professores se deslocarem às salas de aula, é o aluno quem terá que ir até o professor na troca de horários. “Eles é que irão para a sala de Matemática, a sala de Português. Eles têm que aprender que esse processo de sair de uma sala para outra é um processo de escolha. O tempo que ele vai usar para fazer isso pode ser um tempo proveitoso ou um tempo perdido. A gente busca que os alunos aprendam a conviver, e isso pressupõe respeito e limites”.
Para que o projeto dê certo, será preciso a participação atuante dos pais, pois a mudança no comportamento dos estudantes será sentida em casa. Toda a comunidade é responsável pelo sucesso desse modelo.
A repercussão da implantação da escola integral em Rio Branco foi positiva. Contudo, é comum se deparar com indagações do tipo: por que agora? Brandão diz que já ouviu muito essa pergunta e sua resposta é sempre a mesma. “O ensino médio é uma coisa muito nova. Até pouco tempo, ele não fazia parte da educação básica. Isso não fazia parte nem das discussões. O momento é esse. Não existe modelo educacional perfeito, existe aluno que quer. Quando o aluno quer, qualquer escola o ajuda a chegar ao seu objetivo”, justifica.
As escolas não passaram por nenhuma imposição. A Secretaria de Educação, a princípio, buscou a adesão dos interessados. “É inevitável que esse processo se expanda e depois isso tenha que acontecer por uma imposição legal. No entanto, nesse primeiro momento, nós dialogamos com os gestores, para mostrar o que estávamos construindo juntos. E não partimos do zero. Nós nos embasamos em experiências nacionais e internacionais. O Instituto Natura, o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação e o Instituto Sonho Grande são nossos parceiros”, declara Brandão.
As sete escolas escolhidas para receber o modelo integral também atenderam a condicionantes. Primeiramente, elas possuem uma boa estrutura física para impedir que o investimento fosse ainda maior, principalmente, em um cenário de crise econômica. São escolas de pelo menos dez salas, com laboratórios, biblioteca, quadras cobertas e auditório. Além disso, os professores precisam ser, além de bons, disponíveis para o novo modelo.
Sobre o quadro docente, o secretário explica que para esse modelo é necessário que os professores permaneçam na escola durante todo o período, em tempo integral. “Eles pararão de se dividir entre escolas para complementar suas cargas horárias. Eles terão uma carga horária de sala de aula e de outras atividades. Terão quer ter tempo para fazer tutoria, planejamento, projeto de vida com os alunos e a convivência. Eles perceberão uma vantagem por estar nessas escolas. No geral, por exemplo, os nossos contratos são de 30h. Na escola integral, os professores passam a ter o contrato de 40h e receberão uma bolsa para permanecer conosco na escola”.
O objetivo do atual governo para o decorrer de 2017 e 2018 é colocar em cada município das regionais mais estratégicas do Estado pelo menos uma escola integral.
O secretário de Educação acredita que o modelo integral será um sucesso e que logo irá se expandir. Ele rejeita a ideia de que o projeto possa fracassar. “Eu não vejo caminho para dar errado. Os pequenos erros que a gente possa cometer no percurso são os erros da vida, que são os que nos motivam a repensar, a nos reavaliar, a nos redirecionar e a melhorar. Nem tudo é cem por cento. Eu não tenho dúvidas de que essas escolas darão certo. Elas diminuirão os índices de evasão e repetência, mas, sobretudo, elas darão melhores condições de formação para os nossos jovens”.
Procura por vagas em escolas de ensino integral já superam expectativas, diz diretora da Ejorb
O período de matrículas para o ano letivo de 2017 nem começou e a busca por vagas nas escolas de ensino integral públicas já superam as expectativas dos gestores. Segundo a diretora da Escola José Ribamar Batista (Ejorb), Sirlene Luz, de 38 anos, todos os dias, pais e alunos buscam informações sobre as datas de matrícula na instituição.
Para a diretora, a grande procura pelo novo modelo de ensino foi uma surpresa. Cerca de 20 pessoas passam diariamente na escola para se informar sobre vagas e período de matrícula.
“Tem alunos da Transacreana, Cidade do Povo, Tancredo Neves, Calafate, que disseram que vão dormir aqui para conseguir vaga porque os pais querem os meninos nesse sistema integral. Nós imaginávamos que muitos não queriam essa situação”.
A escola de Ensino Médio, localizada na Baixada da Sobral, iniciará o ano letivo de tempo integral no dia 4 de abril. No total, mais de 500 alunos de 1º e 2º ano ficarão na instituição das 7h30 às 17h. Durante o dia, os estudantes terão direto a três refeições: dois lanches distribuídos no período da manhã e tarde, e almoço.
Além disso, os alunos do 3º ano da Ejorb, que não estão incluídos no sistema integral e ficarão em salas provisórias na Escola Serafim Salgado, também devem participar das atividades oferecidas no decorrer do dia pela escola de tempo integral. Para esses alunos o ano letivo começa no dia 2 de fevereiro.
Mas, o que muda no dia-a-dia do aluno dentro da instituição? Sirlene explica que as salas de aulas devem se transformar em salas temáticas, onde os estudantes serão direcionados de acordo com o horário de cada matéria. Ela lembra que a escola, mesmo sem saber, já trabalha de forma integral, pois mantinha os alunos grande parte do dia realizando atividades culturais na instituição.
“Nós tínhamos o maior problema antes, porque os meninos do turno da manhã vinham e não queriam ir pra casa, queriam ficar fazendo alguma atividade, porque nós tínhamos atividades de arte, música, teatro, dança, educação física, só que nós não tínhamos espaço para manter essa quantidade toda. A ideia da educação integral vai trazer para a escola essa possibilidade de mantê-los mais tempo aqui”.
Sirlene afirma estar otimista com a implantação do novo modelo de ensino. Ela acredita que o ensino integral oferece mais possibilidades de aprendizado para os alunos. “As expectativas são as melhores possíveis. Nós não podemos esconder em nenhum momento que é um desafio muito grande, mas estamos trabalhando para que tudo dê certo”, acrescenta.
Segundo a diretora, as obras de reforma e ampliação da escola devem começar nos próximos dias. Novos laboratórios serão criados e outros espaços serão ampliados. Hoje, a escola conta com 12 salas de aula, laboratório, auditório, pátio e quadra poliesportiva. Além das sete salas cedidas pela Escola Serafim Salgado, que funcionam temporariamente como um anexo da Ejorb.
Ensino superior e oportunidades
Com o ensino integral, os estudantes passarão mais de dez horas dentro das escolas. E isso interfere não somente na qualidade da educação, mas também aumenta as chances de acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho.
“Acredito que se os meninos estão mais tempo dentro da escola, se é dado para eles mais oportunidade de aprendizado, eles têm muito mais possibilidade de crescimento profissional, educacional e social”, afirma a diretora.
Sirlene destaca que 106 alunos da escola conseguiram uma vaga na Universidade Federal do Acre (Ufac), através do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) de 2015. A expectativa é que esse número aumente com o novo modelo de ensino.
“Na medida em que oferecemos mais aprendizado, nós temos melhores resultados. Nós estamos vendo na educação integral a possibilidade de os meninos terem mais acesso ao ensino superior, independente de ser na Ufac ou qualquer outra instituição”.
Educação integral e violência
Ainda de acordo com a gestora, a prática de ensino integral é uma forma de diminuir a criminalidade, violência e o uso de drogas entre os estudantes. Ela enfatiza que a violência não está presente apenas em bairros periféricos, como a Baixada da Sobral, mas em todo o país.
“O fato de estarmos em uma região de periferia não pode tirar dos meninos, ou da escola, o desejo de dar pra eles mais oportunidades. O fato de eles poderem ficar mais tempo conosco, dá para nós e para as famílias a segurança de que eles vão utilizar o tempo de forma boa. Se os meninos ficam muito tempo ociosos, eles vão usar para coisas que talvez não sejam tão boas. Dentro da escola, vamos poder oferecer a possibilidade de eles compreenderem que o ensino e aprendizado vão fazer com que eles possam alcançar coisas muito maiores”.